Vítimas de golpe só conseguem registrar BO após dois dias em SP
Três amigos teriam sido abordados em um bar da Consolação por um homem, que colocou drogas em suas bebidas e sequestrou um deles
São Paulo|Gabriel Croquer*, do R7
Um grupo de três amigos afirma que a Polícia Civil de São Paulo levou dois dias para a realização de boletim de ocorrência de sequestro e agressão, crimes dos quais foram vítimas durante o último sábado (26), no centro da capital paulista. Em nota, o órgão lamentou o episódio.
Leia também: A luta das pacientes com câncer de mama para receber remédios
Uma das vítimas, Gustavo Rodrigues conta que um homem se aproximou do grupo se apresentando como turista e com o intuito de fazer amizades na cidade. Em seguida, ele teria ido ao banheiro e, na volta, portava um líquido dentro de uma garrafa, a qual ofereceu ao trio.
Após a ingestão da bebida, Gustavo, Márcio Monteiro e Paula Malta começaram a passar mal. Os funcionários do estabelecimento notaram a estranheza da condição dos três e ofereceram ajuda. Neste momento, o suspeito levou Márcio, sob a alegação de que era um amigo próximo.
Apagão e dificuldade para registrar ocorrência
“Cada um acordou em uma UBS diferente”, relembra Márcio sobre a manhã de domingo (27), dia seguinte ao episódio. O jovem apresentava ferimentos no rosto e na cabeça, não portava a carteira, tampouco documentos e celular. Com a suspeita de terem sido vítimas do “boa noite, Cinderela”, nenhum deles se lembra com exatidão sobre o que lhes ocorreu naquela noite.
Leia também: Família de professora morta na véspera de casamento faz protesto
Nos dias seguintes, os amigos tentaram registrar a ocorrência em três delegacias. A primeira tentativa se deu no próprio domingo, no 2° DP (Bom Retiro) – a força-tarefa de policiais para apartar uma briga de torcidas teria tomado parte do coletivo que trabalhava no local e, por isso, não obtiveram sucesso. “Disseram que não podiam nos atender, porque não tinha delegado e só havia um escrivão”, conta. “Falaram que a gente devia ir reclamar com o governador”, acrescenta.
A segunda tentativa ocorreu no dia seguinte, segunda-feira (28), nos 4° DP (Consolação) e 78° DP (Jardins). Na ocasião, foi comemorado o Dia do Servidor Público, razão pela qual o atendimento foi impossibilitado. “Disseram que não tinha delegado nem escrivão disponíveis”, conta Márcio.
Leia também: Expresso Tiradentes, em SP, vai aceitar cartão de crédito e débito
Além da falta de atendimento, os jovens relatam que não receberam qualquer direcionamento por parte das autoridades. “Só que não era possível fazer o boletim.”
Na terça-feira (29), o trio conseguiu registrar boletim de ocorrência no 77° DP (Santa Cecília). De lá, o caso foi encaminhado para o 4° DP (Consolação), por se tratar do distrito na mesma região onde o crime ocorreu.
Medo do abuso sexual
“A importância do boletim era para seguir com o atendimento médico, porque não sabemos se fomos abusados”, argumenta Paula. Na segunda, novo impasse. Márcio e Gustavo não conseguiram realizar exames médicos no Instituto de Infectologia Emílio Ribas, na zona norte, porque não portavam o boletim de ocorrência.
A Secretaria Estadual de Saúde informou, por nota, que ambos deram entrada no hospital e foram “avaliados e examinados”. A informação é contestada pelos jovens: Márcio teria tido seu exame interrompido assim que a instituição percebeu que ele não portava o boletim, e Henrique não chegou a ser avaliado.
Leia também: PF prende acusado de matar líder do PCC após voo de helicóptero no CE
Paula, por sua vez, foi examinada e recebeu medicamentos para prevenção em um hospital no centro da cidade sem o documento.
"Ambos foram orientados quanto a necessidade de realizar boletim de ocorrência (BO) e a procurarem o IML, uma vez que houve relato por eles de terem sido vítimas de agressão física", afirmou a secretaria.
Questionado pela R7 se o caso deveria ter sido atendido pelo instituto de infectologia, o órgão afirmou: "O Instituto de Infectologia Emílio Ribas é um serviço especializado a prestar atendimento aos casos que envolvam doenças infecto contagiosas. No entanto, estamos aptos a atender emergências clínicas, dentre elas, intoxicação exógena." O serviço do órgão seria mais indicado, alega, caso houvesse relato por parte dos pacientes de terem sido vítimas de exposição sexual de risco ou exposição de risco a materiais biológicos".
Leia também: PF prende maior contrabandista de migrantes do mundo em SP
Porém, Márcio confirma que relatou a exposição ao abuso sexual, e que teria sido até examinado por isso antes do atendimento ser interrompido. "Durante o meu exame o médico tentou identificar algo relacionado a isso", afirmou.
Procurada, a Secretaria de Segurança Pública lamentou o ocorrido. "Esclarece que o 2° e 78° DP são centrais de flagrante. No período mencionado pela reportagem, os Distritos Policiais registraram 46 ocorrências, sendo oito flagrantes", argumenta. Disse, ainda, que a Corregedoria da Polícia Civil está à disposição das vítimas para registrar denúncia sobre o atendimento prestado nas delegacias.
*Estagiário do R7, sob supervisão de Ana Vinhas