Covid: especialistas criticam plano de flexibilização no Rio
Crescimento da Delta e poucas pessoas completamente vacinadas indicam cautela no relaxamento de medidas preventivas
Saúde|Carla Canteras, do R7
Enquanto muitos países retomam medidas de distanciamento social e obrigatoriedade de máscaras e a OMS (Organização Mundial de Saúde) está preocupada com o aumento de 80% no número de casos de covid-19 no mundo, no último mês, o Brasil fala em relaxamento. No Rio de Janeiro, a prefeitura programa festas, abertura de estádios de futebol e até o Carnaval.
Para Renato Kfouri, infectologista e diretor da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), falar em uma abertura tão grande passa a sensação de que a pandemia está controlada no país. "É absolutamente desnecessário, cria na população a falsa sensação de que a guerra está ganha. Não se faz previsão desse jeito. Estamos pedindo cautela, cuidado, por causa da variante Delta que está chegando; não temos muitos imunizados ainda", alerta o médico.
A Prefeitura do Rio anunciou, na última quinta-feira (29), plano gradual de flexibilização das medidas de restrição na cidade em três etapas, de 2 de setembro até 15 de novembro. A programação prevê o Réveillon, o Carnaval e uma celebração de quatro dias com diversos eventos pela cidade, entre 2 e 6 de setembro.
"Temos de completar os esquemas vacinais para pensar em Réveillon. Essa decisão [planejamento de festas públicas] está na contramão da prudência. Não deveria se manifestar nesse sentido e é um desserviço à saúde pública", completa Kfouri.
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A farmacêutica Soraya Smaili, professora do Departamento de Farmacologia da Escola Paulista de Medicina-Unifesp (Universidade Federal do Estado de São Paulo), acrescenta que a hora ainda é de seguir trabalhando para diminuição de novos casos.
"É muito precoce! Não há condições para isso ainda, as pessoas precisam compreender que não saímos da pandemia. Se temos uma diminuição de casos, ótimo. Mas, temos de continuar trabalhando para que isso siga diminuindo. É assustador, sequer pensar em abertura", diz Soraya.
A decisão pela flexibilização de medidas de prevenção e abertura nas cidades surge a partir da diminuição do número de mortes por covid, queda de novos casos e evolução da vacinação no Brasil. Mas, Alexandre Naime Barbosa, infectologista e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista), em Botucatu, considera está sendo feita uma compreensão errada do efeito dos imunizantes.
"É uma leitura errada da vacina, a vacina não evita a transmissão. Nós não vamos viver um cenário de eliminação da covid a curto e médio prazos. Vamos ter um cenário de mitigação, de coabitação com o vírus. O vírus vai continuar circulando, só que o risco de adoecimento e óbito vai cair. Mas, eventualmente, alguma pessoa infectada vai evoluir para covid grave e óbito", observa Barbosa.
Soraya lembra, ainda, que o uso de máscaras não pode ser deixado de lado, se a intenção é realmente acabar com o vírus. "A vacina não previne contra a doença e sim quanto a forma grave. E a máscara previne contra a transmissão. Se não usarmos as máscaras, o vírus pode ser transmitido de pessoa para pessoa e novas variantes podem continuar a aparecer. Temos de lembrar: quanto menos o vírus circular, menos variantes vão surgir", ressalta ela.
Alexandre Barbosa acredita que as medidas escolhidas não vão levar à erradicação da covid. "Não estamos caminhando para um modelo de eliminação da doença como a gente tem com o sarampo, com a rubéola, porque as vacinas não são efetivas a ponto de evitar a transmissão. Estamos caminhando para um modelo de coabitação, que acontece, por exemplo, com o vírus influenza. Não podemos nem pensar em deixar de usar máscaras", afirma o infectologista.
O aumento de infectados no Japão devido à circulação de pessoas é um exemplo dos riscos de relaxar medidas precocemente. Em entrevista coletiva na última sexta-feira (30), Tedros Adhanom, diretor-geral da OMS, creditou às Olimpíadas o crescimento da Delta. "Os Jogos fazem parte desse contexto geral e a gestão de riscos que está em torno das Olimpíadas é extremamente abrangente", disse o Adhanom.
"Veja o Japão, sem público nas Olimpíadas, eles estão com um aumento de casos que para os parâmetros de lá é altíssimo. Além de não sabemos se os esportistas ou trabalhadores, mesmo que vacinados, estão incubando novas variantes. E ao voltar para os seus países transmitirão. É um risco dispensável que não precisamos passar por isso. Devemos ter muito cuidado com as aberturas", finaliza Soraya.
* Com colaboração de Fernando Mellis, do R7