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Crescente nos comércios, composto lácteo pode ser confundido com leite e impactar saúde infantil

Segundo especialista, o produto contém ingredientes e aditivos que podem interferir no hábito alimentar de crianças e 'criar' um paladar voltado ao consumo de ultraprocessados

Saúde|Yasmim Santos*, do R7

Composto lácteo pode ser confundido com leite em pó
Composto lácteo pode ser confundido com leite em pó

Nos últimos meses, consumidores mais atentos perceberam que as prateleiras dos supermercados ganharam um novo produto: o composto lácteo. Apesar de a embalagem ser semelhante à do leite em pó, o item é considerado, para alguns especialistas, um ultraprocessado que não deve ser incluído na dieta de crianças nem mesmo de adultos.

Segundo a nutricionista Laís Amaral, integrante do Programa de Alimentos do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), o leite é um produto essencial durante a fase de crescimento e desenvolvimento de crianças, principalmente as de até 2 anos, pois é rico em cálcio, proteínas e vitaminas fundamentais para essa faixa etária.

O composto lácteo, por sua vez, de acordo com o professor Carlos Corassin, da USP (Universidade de São Paulo), dispõe de duas variações: aquele sem adição, que é feito integralmente de ingredientes de origem láctea, e o com adição, em que no mínimo 51% dos componentes devem ser lácteos.

É a segunda versão do produto que preocupa especialistas, pois pode ocasionar uma perda nutricional grande, especialmente em crianças.


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“Mais da metade [do composto] tem que ser de ingredientes lácteos, mas os 49% restantes daquele produto podem ser constituídos por diferentes ingredientes, e aí é que está o problema maior. Ele vai poder ser acrescido de, por exemplo, açúcar, gordura vegetal, aditivos e outros ingredientes que, muitas vezes, a gente nem tem na cozinha da nossa casa, são de uso exclusivamente industrial”, alerta a nutricionista.

Segundo Laís, por essa característica, o composto lácteo é classificado como um alimento ultraprocessado.


A profissional alega que, “se formos ver, ele é uma mistura de vários ingredientes feitos industrialmente e, de fato, não é um alimento, é uma formulação industrial”.

A nutricionista reitera que as crianças estão na fase de formação do hábito alimentar e o produto é considerado hiperpalatável, algo que estimula o consumo frequente e exagerado.


“Eles [os compostos] entram muito na dieta da pessoa em substituição a refeições saudáveis, dos alimentos in natura, preparações culinárias de fato nutritivas”, explica Laís Amaral.

Portanto, a criança vai formar o paladar e o hábito alimentar com uma tendência para o consumo de ultraprocessados, que são extremamente danosos à saúde.

O Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de 2 Anos, do Ministério da Saúde, avalia que os compostos lácteos não têm que ser consumidos por bebês nem oferecidos a crianças (entre 6 meses e 2 anos) e devem ser evitados pelos adultos.

O documento alerta que os ultraprocessados contêm quantidades excessivas de calorias, sal, açúcar, gorduras e aditivos, que, quando consumidos, podem levar a problemas como hipertensão, doenças do coração, diabete, obesidade, cárie dentária e câncer.

O composto lácteo é ruim?

Composto lácteo não deve ser visto como substituto nutricional para o leite
Composto lácteo não deve ser visto como substituto nutricional para o leite

Afirmar que o composto lácteo é bom ou ruim é uma tarefa difícil, pois, por se tratar de um produto formulado, suas composições podem ser variadas de acordo com o fabricante e atendem a perfis e demandas diferentes.

Perante a legislação, vale ressaltar que eles seguem um processo rigoroso de qualidade, segurança e formulação. 

Engenheiro de alimentos e professor do curso de engenharia de alimentos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Guilherme Tavares explica que é importante considerar que ele não foi criado para substituir o leite em pó.

"Muita gente fala como se fosse uma versão do leite em pó, mas, na realidade, a possibilidade de a indústria produzir compostos lácteos permite diversificar os perfis de produto, as funcionalidades. Não há má-fé, do ponto de vista da indústria, na concepção do produto", diz Tavares.

Como exemplo de diversificação, o professor ressalta que a legislação não permite que fibras – que auxiliam no combate ao colesterol, por exemplo – sejam acrescidas ao leite em pó, mas o composto lácteo pode e possui versões com destaque à incoporação dessas substâncias.

"Estamos falando, de fato, de produtos diferentes, com destinos e perfis de consumo, talvez, diferentes", reitera Tavares.

Para ele, os compostos lácteos também não devem ser considerados um alimento ultraprocessado, porque "são produtos que passam por processamento, assim como o leite em pó passa igualmente por processamentos para transformar o leite líquido em um pó". 

O que define a qualidade do composto lácteo, de acordo com Corassin, da USP, é a formulação, pois "são produtos bem diferentes [o leite em pó e o composto lácteo], difíceis de comparar. Porém, dependendo da formulação do composto lácteo, ele pode até apresentar características nutricionais bem superiores às do leite em pó", alega o professor.

Tavares esclarece que, obviamente, existirão compostos lácteos com ingredientes não tão benéficos.

"Temos compostos que trazem amido, açúcar, como uma forma, talvez, de ter um produto com um valor agregado um pouco menor, que vai, talvez, atender a uma parcela da população que, infelizmente, não consegue ter acesso ao leite em pó ou aos compostos lácteos com funcionalidades diferentes, como os com fibras", explica o professor.

Ele incentiva, entretanto, que os consumidores vejam as especificações disponíveis nas embalagens dos produtos antes de comprar. 

"As informações estão lá, os rótulos apresentam as informações requeridas pela legislação. Esse tipo de comunicação com o público aumenta o entendimento por parte dos consumidores do que eles vão encontrar no supermercado."

Composto lácteo segue o que é estabelecido na legislação
Composto lácteo segue o que é estabelecido na legislação

Estratégia do produto

O professor da Unicamp alerta que é extremamente importante atentar-se ao rótulo, pois é por meio daquelas informações que o consumidor irá deduzir se aquele produto atende ou não às suas necessidades e expectativas.

No entanto, a nutricionista Laís Amaral alega que algumas empresas que produzem compostos lácteos utilizam uma estratégia de marketing enganosa, a fim de manter esses produtos em embalagens parecidas com as do leite em pó; é a denominada promoção cruzada.

“O consumidor tem de pegar carona nos produtos ‘sequenciados’ [primeiro a fórmula, depois o leite em pó e, por último, o composto], e a embalagem pode causar um engano no consumidor, que acaba comprando gato por lebre”, diz a nutricionista.

E acrescenta: “Você quer levar um alimento que é saudável, por exemplo, o leite em pó, e acaba comprando um ultraprocessado, e às vezes até utilizando sem perceber”.

Para fins comparativos, uma marca famosa de leite em pó cumpre a obrigatoriedade legislativa de deixar no rótulo que o composto lácteo não é leite em pó, mas dificulta a percepção dos consumidores em embalagens com o mesmo design azul e branco, por exemplo. 

A orientação de que o produto se trata de um composto lácteo é a última frase da parte frontal da embalagem, escrita na mesma fonte do recipiente do leite em pó.

Ademais, a frase obrigatória de orientação de que o composto não é considerado leite em pó fica na parte de trás, abaixo do rótulo e sem grande destaque.

Caso o desejo do consumidor seja substituir o leite em pó por um composto lácteo da marca, a troca pode não ser tão favorável.

Quando comparamos os valores nutricionais, o composto lácteo tem 7 g de proteína, valor abaixo dos 10 g do leite em pó. A fórmula industrial também possui 31 mg a mais de sódio e 41 g a menos de cálcio, por exemplo.

Tendo isso em consideração, existem três formas de contornar essa situação: atentar-se ao nome do produto na parte inferior e frontal, consultar o rótulo com a listagem de ingredientes (para evitar aqueles com grande quantidade de aditivos, como açúcar ou gordura) e recorrer a um composto lácteo que irá suprir as necessidades da criança, sem pensar que ele é um "substituto" mais barato do leite.

* Estagiária do R7 sob supervisão de Fernando Mellis.

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