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De sobrecarga ao SUS a risco de reincidência: fim de manicômios judiciários preocupa especialistas

Resolução publicada recentemente determinou o fechamento de todos esses estabelecimentos, que abrigaram, por exemplo, o assassino conhecido como Chico Picadinho

Saúde|Yasmim Santos*, do R7

Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico em Franco da Rocha, São Paulo
Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico em Franco da Rocha, São Paulo

Nas últimas semanas, o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) divulgou uma nota de repúdio à resolução nº 487, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que prevê o fechamento de todos os HCTPs (Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico), também conhecidos como manicômios judiciários, existentes no Brasil.

As instituições abrigam pessoas inimputáveis, ou seja, que não têm consciência dos delitos que cometeram em razão de um transtorno mental preexistente. Portanto elas são submetidas a uma medida de segurança (sem ideia de prisão ou liberdade), conhecida judicialmente como "absolvição imprópria".

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Essa medida mantém o indivíduo em tratamento compulsório de saúde, em um local adequado e sob os cuidados de profissionais especializados – pelo tempo que seja necessário. Um exemplo que ficou conhecido foi o do assassino Francisco da Costa Rocha, o "Chico Picadinho"

Até então, as 1.987 pessoas que se enquadram nos critérios da absolvição imprópria, segundo dados recentes (2022) do Sisdepen (Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional), ficavam nos HCTPs.


Com a nova resolução, esses indivíduos passam a ser atendidos na Raps (Rede de Atenção Psicossocial) – hospitais gerais com leitos psiquiátricos ou Caps (Centros de Atenção Psicossocial) –, por uma equipe multidisciplinar composta, por exemplo, por psiquiatras, psicólogos, enfermeiros, farmacêuticos e assistentes sociais.

Em nota ao R7, o CNJ afirma que a medida "é um novo olhar para a necessidade de que esse tratamento seja especializado e, principalmente, que o local de internação de pessoas que precisam ser retiradas do convívio social aconteça e se realize em um lugar adequado. Um hospital, em ala de segurança, mas não em um presídio."


Porém, o Cremesp teme que o sistema de saúde público não esteja preparado para receber essa demanda e, consequentemente, exponha essas pessoas a riscos evitáveis.

"Os HCTPs precisam ser melhorados? Creio que sim. Precisam ser humanizados? Creio que sim. Mas a extinção total vai criar um descontrole. Vai expor não só a sociedade, mas os próprios pacientes a um risco pela própria doença que eles têm [...] A estrutura desses hospitais não é preparada para esse público", diz o primeiro-secretário do Cremesp, Angelo Vattimo.

Entende-se como risco a possibilidade de o paciente reincindir (voltar a cometer delitos) ou razões externas, por exemplo, a má recepção social, colocando em risco a integridade dele. 

Chico Picadinho (foto) está em um Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico em SP
Chico Picadinho (foto) está em um Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico em SP

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Não apenas isso, Rodrigo Lancelote, médico psiquiatra e corregedor do Cremesp, alega que as instituições que fazem parte da RAP já têm uma demanda de pacientes próxima à capacidade máxima.

Isso não anula, no entanto, a necessidade de reavaliar o tratamento de pessoas inimputáveis.

"Ninguém é contra os considerandos da resolução. Ninguém é a favor de torturar ou de maltratar alguém, nada disso. Só que o embasamento não bate com o propósito. Se os hospitais de custódia não estão adequados porque falta equipe, porque a estrutura precisa ser revisada, que seja feito então uma implementação, não simplesmente fechar", relata Lancelote.

Para o especialista, esses locais ficaram, provavelmente, anos sem grandes investimentos, o que explicaria a possível estrutura comprometida.

Outra preocupação apontada por Rodrigo é de que, atualmente, os leitos psiquiátricos são de curta permanência. Ou seja, o paciente fica dias ou semanas, em poucas exceções meses, nesses locais.

Porém, os pacientes de HCTPs não têm tempo definido de permanência, já que ele é decidido mediante a efetividade do tratamento – oficializada em laudos de cessação de periculosidade.

Há também neste meio aqueles que não podem ser ressocializados, mesmo durante o tratamento de saúde.

Por essa razão, Rodrigo considera que os hospitais "já bastante cheios" podem não conseguir dar a atenção e o direcionamento necessários a essas pessoas – além das que estão no HCTPs, há indivíduos inimputáveis que esperam por uma vaga nos presídios.

No entanto, segundo o CNJ, as questões citadas anteriormente estão sob controle da RAP.

"Sempre que necessária para o tratamento de saúde e pelo tempo que for preciso, a internação poderá ser indicada pela equipe de saúde da RAP, para os casos mais graves e que exigem a contenção de liberdade, mas deverá ser realizada em locais adequados: em alas de segurança hospitalar, e em espaço distinto daquele ocupado por outros pacientes, mas não mais em celas, sempre acompanhada de outros tratamentos de saúde estruturados e terapias apropriadas", pontua.

Toda essa designação será definida no PTS (Projeto Terapêutico Singular) do paciente.

Um dos grandes motivos para essas mudanças, apontado em nota pelo CNJ, é que os HCTPs nunca foram considerados estabelecimentos de saúde. "Eram espécie de presídios, com condições de funcionamento ainda mais precárias porque não correspondiam às necessidades terapêuticas que neles se devia praticar", afirma.

Por isso, a resolução prevê que, em até 12 meses, todos os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico sejam fechados.

Até o fim do prazo (fevereiro de 2024), o Cremesp continuará buscando maneiras de impedir esse fechamento, especialmente porque, segundo Angelo, há outras formas de contornar os déficits desses locais e a decisão de encerramento não consultou qualquer entidade médica especializada, como as associações de psiquiatria e os Conselhos de Medicina.

Por outro lado, a Associação Brasileira de Saúde Mental e o Conselho Nacional dos Direitos Humanos, por exemplo, prestaram apoio à resolução.

Raps em São Paulo

De acordo com a SMS (Secretaria Municipal de Saúde), a cidade de São Paulo conta com 215 equipamentos que compõem a Rede de Atenção Psicossocial, sendo 102 deles Caps que, juntamente com as UBSs (Unidades Básicas de Saúde), atendem a demanda de saúde mental do município (agendadas e espontâneas).

Os Caps, em específico, contam com 34 em modalidade adulto, 35 para demandas relacionados ao Álcool e Drogas e 33 para o público infantojuvenil.

"A SMS ressalta que a rede municipal dispõe de hospitais gerais orientados tanto para o atendimento emergencial, como para as demandas em saúde mental que requerem suporte mais complexo. [...] Toda a estrutura da Raps municipal está à disposição para apoiar em todos os processos para o atendimento cada vez mais humanizada, integral e atenta às necessidades de cada paciente", disse, em nota ao R7.

No estado de São Paulo, até o momento, há três Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (dois em Franco da Rocha e um em Taubaté).

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