Quarenta anos depois, Chico Picadinho deixa a prisão
Criminoso que ficou conhecido por esquartejar duas mulheres vai trocar as grades de uma cela por internação em estabelecimento psiquiátrico
Arquivo Vivo|Percival de Souza e Percival de Souza
Depois de ficar preso por mais de quatro décadas, Francisco Costa Rocha, que ficou muito conhecido como “Chico Picadinho” depois de esquartejar duas mulheres, finalmente vai trocar as grades de uma cela por internação em estabelecimento psiquiátrico. A decisão é da juíza Sueli Zeraik de Oliveira Armani, da 1ª Vara de Execuções Criminais de Taubaté, observando que ele já ultrapassou o limite de 30 anos na prisão, definido pelo artigo 75 do Código Penal, o que “fere o preceito constitucional proibitivo da prisão perpétua”.
A juíza deu prazo de 120 dias para que Francisco deixe a Penitenciária de Tremembé, no Vale do Paraíba, e seja transferido para uma unidade indicada pela Secretaria de Saúde Mental do governo de São Paulo, “com acompanhamento psicológico diário”.
Francisco terminou de cumprir integralmente sua pena em novembro de 1998, e há 20 anos sua situação está indefinida, por não haver imposição de pena ou aplicação de medida de segurança. Está sob custódia sob o pretexto de “interdição civil”, pois a psiquiatria, desgastada pela libertação após o primeiro assassinato e surpreendida pelo segundo crime, preferiu não mais assumir a responsabilidade de soltá-lo.
Assim, com técnicos lavando as mãos em vez de tomar uma decisão, a juíza Sueli destacou que a questão é “aparentemente complexa”, mas na verdade de “fácil solução”, porque o conceito de prisão foi totalmente violado: “Não estando preso ou em cumprimento de medida de segurança, o que justifica o encarceramento de quase 20 anos?”
Duas décadas de prisão a mais do que a pena imposta, por causa apenas de prisão civil, que no ordenamento jurídico brasileiro se restringe ao inadimplente de pensão alimentícia e não pode ser usado como fundamento para uma interdição. Na decisão de interdição, ficou claro no processo que a permanência na unidade carcerária seria em caráter cautelar e temporário, para exames, até o encontro de um lugar próprio para o tratamento necessário.
“Francisco vem sendo mantido encarcerado exclusivamente por conta de uma interdição decretada na esfera cível”, destaca a juíza. Entretanto, ela observa que atestado médico anexado ao processo informa contraditoriamente que “não há qualquer acompanhamento psicoterápico ou medicamentoso para o interditado na atual unidade prisional”.
A juíza deu prazo de 30 dias para a Secretaria de Saúde Mental escolher o melhor lugar para Francisco ser abrigado e comunicar a opção imediatamente, “tendo em conta que se trata de indivíduo segregado há 40 anos, pessoa idosa, que não pode ser deixado à própria sorte, sem apoio familiar ou condições de se prover a sua subsistência”. A juíza citou o filósofo francês Montesquieu: “Não há tirania mais cruel que a que se exerce à sombra das leis e com as cores da Justiça”.
O advogado José Fernando Rocha, que foi a uma das audiências de Francisco, considerou a que a juíza demonstrou “competência elogiável e superior dignidade”, e encaminhou a decisão da magistrada ao secretário executivo da Corte Internacional de Direitos Humanos, Santiago Canton, em Washington. A juíza mandou cópia do que decidiu para a Corregedoria Geral da Justiça.
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