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Ex-paciente abandona tratamento e lidera movimento contra remédios psiquiátricos. Pode?

Especialistas concordam que o sistema de saúde precisa melhorar o auxílio a quem interromper os remédios quando deixam de ser necessários, mas há riscos

Saúde|Do R7

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Cooper Davis oferece aconselhamento a clientes pagantes como Daniel, por intermédio da organização sem fins lucrativos que administra com a esposa Christopher Capozziello/The New York Times

Em uma manhã recente de sexta-feira, Daniel, advogado de 40 e poucos anos, estava em uma sessão de aconselhamento online, descrevendo o processo de retirada gradual do lítio. No início daquela semana, havia acordado com pensamentos acelerados, tão ansioso que não conseguia ler, contando as horas até o nascer do sol. Nesses momentos, Daniel questionava sua decisão de abandonar o coquetel de medicamentos psiquiátricos que fazia parte de sua vida desde o último ano do ensino médio, quando foi diagnosticado com transtorno bipolar.

Seria seu corpo se ajustando à dosagem mais baixa? Uma reação ao tempero para tacos que ele comera na noite anterior? Ou o que seu psiquiatra chamaria de recaída? “Ainda chego ao ponto de pensar: e se os médicos estiverem certos?”, disse Daniel. Na tela, Laura Delano assentiu com simpatia.


Delano não é médica; sua principal credencial, como gosta de dizer, é ter sido “uma paciente psiquiátrica profissional dos 13 aos 27 anos”. Durante aquele período, enquanto estudava na Universidade Harvard e era uma jogadora de squash ranqueada nacionalmente, recebeu prescrições para 19 medicamentos psiquiátricos, muitas vezes em combinações de três ou quatro ao mesmo tempo.

Então, Delano decidiu abandonar completamente o tratamento psiquiátrico, jornada que detalhou em seu novo livro de memórias, “Unshrunk: A Story of Psychiatric Treatment Resistance” (Desencolhido: uma história de resistência ao tratamento psiquiátrico, em tradução livre). Depois de ter tomado seu último medicamento psicotrópico há 14 anos, Delano exibe uma saúde radiante, que também serve como argumento – a prova viva de que, o tempo todo, seus psiquiatras estavam errados. Desde então, para a preocupação de alguns médicos, uma subcultura no estilo “faça você mesmo”, voltada para a interrupção de medicamentos psiquiátricos, cresceu e começou a se consolidar como uma indústria de serviços.


Delano é uma figura central nessa mudança. De sua casa nos arredores de Hartford, em Connecticut, oferece aconselhamento a clientes pagantes como Daniel. Mas suas ambições são maiores. Por intermédio da Iniciativa Inner Compass, organização sem fins lucrativos que administra com seu marido, Cooper Davis, ela espera fornecer apoio a muita gente interessada em reduzir ou abandonar a medicação psiquiátrica. “As pessoas estão percebendo: ‘Não preciso necessariamente procurar um médico que saiba como fazer isso.’ Na verdade, talvez nem precisem contar ao médico. Soa muito radical, admito. Imagino que muita gente ouça isso e pense: ‘É perigoso.’ Mas essa tem sido a realidade de milhares e milhares que perceberam: ‘Preciso parar de achar que a psiquiatria vai me tirar dessa situação.‘”

Cada vez mais, muitos psiquiatras concordam que o sistema de saúde precisa melhorar o auxílio a pacientes que querem interromper medicamentos psicotrópicos quando eles são ineficazes ou deixam de ser necessários. Segundo dados do governo, a proporção de adultos nos Estados Unidos que usavam esses remédios se aproximou de 25% durante a pandemia, mais que o triplo do registrado no início dos anos 1990.


Mas eles também alertam que interromper a medicação sem supervisão clínica pode ser perigoso. Sintomas graves de abstinência podem surgir, assim como recaídas, e é necessário conhecimento especializado para diferenciá-los. A psicose e a depressão podem se agravar, e o risco de suicídio aumenta. E para quem sofre de um distúrbio mental mais incapacitante, como a esquizofrenia, a medicação continua sendo o único tratamento comprovado. “O que faz muito sentido para Laura e para milhões de pessoas que são superdiagnosticadas e supermedicadas não faz sentido nenhum para quem não consegue acesso a medicamentos. Laura não representa o indivíduo com doença mental crônica, que tem uma chance grande de acabar sem moradia ou internada em um hospital. Esse tipo de pessoa não acaba como Laura quando deixa a medicação”, disse Allen Frances, professor emérito de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Duke.

Era difícil prever como seria a vida de Daniel depois do tratamento psiquiátrico. Ele pediu que fosse identificado só pelo primeiro nome para discutir seu histórico de saúde mental. Está reduzindo gradualmente o lítio há nove meses sob os cuidados de uma enfermeira especializada e, no momento, estabilizou-se em 450 miligramas, metade da dose original. Estava convencido de que os medicamentos lhe faziam mal. E, ainda assim, quando as ondas de ansiedade e insônia o atingiam, ele hesitava. Daniel é advogado litigante. As audiências no trabalho se aproximavam, e a forma como seus pensamentos disparavam o assustava.


“Não consigo evitar esse medo, sabe, ‘estou muito melhor com menos lítio, mas e se tudo desmoronar de novo?‘”, comentou Daniel com Delano. Ela ouviu em silêncio e em seguida lhe contou uma história pessoal. Foi alguns meses depois de interromper a última medicação. Durante uma caminhada noturna, seus sentidos começaram a se aguçar. As luzes de Natal pareciam piscar mensagens para ela. Reconheceu a hipomania, sintoma do transtorno bipolar, e pensou: os médicos estavam certos. Então, sentiu uma força passar por ela e percebeu que essas sensações não eram sinais de doença mental. “Pensei: ‘Isso é você se curando. É você voltando à vida.‘” Ela disse a Daniel que não podia prometer que ele nunca teria outro episódio maníaco. Mas podia garantir que seu medo havia desaparecido com o tempo. “Agora posso escrever minha história daqui para a frente. E isso exige um ato de fé.”

Donas de casa e aposentados

Uma rede de apoio para a interrupção de medicamentos psiquiátricos existe há 25 anos, desde os primórdios das redes sociais digitais. Adele Framer, arquiteta da informação aposentada de San Francisco, descobriu esses grupos em 2005, enquanto enfrentava uma retirada difícil do Paxil. Na época, segundo ela, os médicos consideravam que uma abstinência severa era “basicamente impossível”. “As pessoas circulavam entre os grupos, comparando os ‘desmames’ em um processo viral de compartilhamento de informações”, contou Framer, que criou o próprio site, Surviving Antidepressants, em 2011. Os usuários da plataforma trocavam protocolos altamente técnicos de redução gradual, com diminuições tão pequenas que, às vezes, exigiam seringas e balanças de precisão.

O psiquiatra australiano Mark Horowitz descobriu o site de Framer em 2015 e usou as recomendações dos participantes para interromper ele mesmo seu uso de Lexapro. “Naquele momento, entendi quem eram os verdadeiros especialistas. Tenho seis diplomas acadêmicos, um doutorado, sei como os antidepressivos funcionam, e estava seguindo o conselho de engenheiros aposentados e donas de casa em um site que ajuda a parar de tomar medicamentos.”

Nos últimos anos, a psiquiatria tradicional começou a reconhecer a necessidade de mais suporte para pacientes que desejam interromper o uso de medicamentos. Isso é mais perceptível no Reino Unido, onde o serviço de saúde atualizou suas diretrizes para que os médicos reconheçam a síndrome de abstinência e recomendem revisões periódicas para interromper fármacos desnecessários. Em 2024, as Diretrizes de Prescrição Maudsley em Psiquiatria, respeitado manual clínico, publicou seu primeiro volume sobre “desprescrição”. Horowitz foi um dos autores.

Nos Estados Unidos, também há sinais iniciais de mudança. Jonathan E. Alpert, presidente do Conselho de Pesquisa da Associação Americana de Psiquiatria, anunciou que o grupo planeja publicar um guia próprio de desprescrição. A Sociedade Americana de Psicofarmacologia Clínica está desenvolvendo um guia para ajudar os médicos a identificar quando um medicamento deve ser interrompido. “Nunca houve um incentivo da indústria para dizer às pessoas quando parar de usar um produto. Portanto, cabe realmente à comunidade fora da indústria fazer essas perguntas”, afirmou Joseph F. Goldberg, presidente da entidade.

De acordo com Gerard Sanacora, diretor do Programa de Pesquisa em Depressão da Universidade Yale, há razões práticas para o sistema de saúde atual “não oferecer muito suporte” a pacientes que desejam reduzir a medicação: prevenir recaídas pode ser um processo demorado, e muitos médicos são remunerados apenas por consultas rápidas de 15 minutos para gerenciamento de medicamentos. Mas ele destacou que é imprescindível que os profissionais qualificados desempenhem um papel nesse processo. Durante um “desmame”, o paciente enfrenta dois desafios: a abstinência e a recaída da condição subjacente. Distinguir entre elas exige experiência, observou ele, e um profissional licenciado garante “um nível mínimo de competência” durante esse período de alto risco. “O mais importante é que eles podem piorar e cometer suicídio”, alertou a respeito dos pacientes.

Uma história de sucesso

Delano entrou na conversa em 2010, quando começou a escrever sobre sua vida em um blog. Na época, tinha 27 anos, morava com os tios e participava de um programa diurno de tratamento no Hospital McLean, em Massachusetts. Sua plataforma era o site Mad in America, onde ex-pacientes psiquiátricos compartilhavam relatos sobre seu tratamento.

Dentro dessa subcultura, Delano se destacou por sua eloquência e seu carisma. Cresceu em Greenwich, Connecticut, onde foi aluna exemplar e atleta de destaque. Parente de Franklin D. Roosevelt, foi apresentada como debutante em duas noites consecutivas nos hotéis Waldorf Astoria e Plaza, em Nova York. Em seu blog, e depois em um matéria sobre sua trajetória, com dez mil palavras, publicada na revista “The New Yorker”, descreveu a trajetória paralela de seu tratamento psiquiátrico.

No nono ano do ensino fundamental, recebeu o diagnóstico de transtorno bipolar e foi medicada com Depakote e Prozac. Na faculdade, seus psiquiatras adicionaram Ambien e Provigil. Com o tempo, a lista cresceu, mas ela parecia piorar cada vez mais. Em quatro ocasiões, ficou tão desesperada que se internou voluntariamente em hospitais psiquiátricos. Aos 25 anos, fez uma tentativa de suicídio angustiante.

Laura Delano espera fornecer apoio a muitas pessoas interessadas em reduzir ou abandonar a medicação psiquiátrica Christopher Capozziello/The New York Times

Então, aos 27, leu um livro do jornalista Robert Whitaker, Anatomia de uma Epidemia: Pílulas Mágicas, Drogas Psiquiátricas e o Aumento Assombroso da Doença Mental, em que o autor argumenta que o aumento do uso de medicamentos psicotrópicos é o responsável pelo crescimento dos distúrbios psiquiátricos. Em revistas científicas, críticos descartaram sua análise como polêmica, acusando-o de selecionar dados de forma tendenciosa para sustentar um argumento amplo e simplificado.

Mas, para Delano, foi uma revelação. Ao refletir sobre sua trajetória, chegou a uma conclusão radical. “Fui confrontada com algo que nunca tinha considerado. E se não fosse uma doença mental resistente ao tratamento que me arrastava cada vez mais para as profundezas do desespero e da disfunção, mas o próprio tratamento?”, escreveu em seu livro. Nos seis meses seguintes, sob orientação de um psicofarmacologista, abandonou cinco medicamentos. Descreve uma abstinência brutal, com constipação, diarreia, dores, espasmos e insônia: “A energia angustiante que viveu dentro de mim durante anos começou a me rasgar por dentro.” Mas também viveu um despertar. “Eu soube, com certeza absoluta, no momento exato em que ocorreu: eu estava pronta para deixar de ser uma paciente psiquiátrica.”

Nascida em 1983, cinco anos antes do lançamento do Prozac, Delano fez parte da primeira grande geração de norte-americanos medicados ainda na adolescência. Muitos leitores reconheceram, em seus relatos, aspectos da própria experiência – como o diagnóstico que se tornou parte de sua identidade ou como uma única receita evoluiu para um coquetel de medicamentos.

Ela também trouxe algo que a comunidade de ex-pacientes não tinha: um modelo inspirador. Sua vida claramente prosperou depois de abandonar os medicamentos. Em 2019, casou-se com Davis, ativista que conheceu no movimento de ex-pacientes. Juntos, criam dois filhos em uma casa colonial iluminada e arejada. No site Surviving Antidepressants, seu nome era mencionado com admiração: “Pensei que seria como Laura Delano e outros e que me recuperaria rapidamente”, comentou um usuário do Kansas. Outro, um francês que lutava para parar com o Valium, recorria aos vídeos de Delano como um mantra: “Nove e meia: usando a respiração, consigo conter um ataque de pânico com agitação. Dez e meia: chove. Passo algum tempo no celular. Laura Delano. Laura Delano. Laura Delano. Sem parar. Talvez eu esteja apaixonado.”

‘Sinto pena da psiquiatria’

À medida que escrevia a respeito da interrupção dos medicamentos, Delano começou a receber e-mails. A maioria era de pessoas pedindo conselhos sobre como reduzir a medicação. Muitas, disse ela, tinham tentado diminuir as doses depressa demais e estavam desestabilizadas. Ela as encorajava, garantindo a “parceiros e pais exaustos” que o que viam não era uma recaída, mas sintomas de abstinência. Com o tempo, percebeu que gastava 25 horas semanais nessas conversas. E assim surgiu um negócio de consultoria. “Percebi a procura pelo que eu tinha a oferecer e tomei a difícil decisão de parar de dedicar meu tempo gratuitamente”, escreve em seu livro.

Hoje, o mercado de apoio à interrupção de medicamentos psiquiátricos está cada vez mais concorrido, com algumas clínicas privadas cobrando milhares de dólares por semana. Em fevereiro, houve um momento decisivo, quando o secretário de Saúde Robert F. Kennedy Jr. anunciou que a nova comissão “Vamos Tornar a América Saudável Novamente” analisaria a “ameaça” que os antidepressivos e os estimulantes representavam.

Kennedy há muito expressa ceticismo em relação aos medicamentos psiquiátricos; em sua sabatina, sugeriu que os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) contribuem para o aumento de tiroteios em escolas e podem ser mais difíceis de largar do que a heroína. Não há provas que sustentem nenhuma dessas afirmações. Mas Davis concordou. “Talvez ele seja a única pessoa no recinto que entende como isso pode ser sério”, escreveu Davis na rede social X durante as sabatinas.

Delano e Davis oferecem aconselhamento – por US$ 595 por mês, é possível participar de um programa de apoio em grupo. Mas o projeto que mais os entusiasma é a comunidade de membros organizada por sua entidade sem fins lucrativos, a Iniciativa Inner Compass, que, por US$ 30 mensais, conecta participantes por meio de transmissões ao vivo, encontros no Zoom e uma rede social privada. Eles sonham com uma rede nacional de “desprescrição” no modelo dos Alcoólicos Anônimos, disse Davis, que se tornou diretor executivo do grupo no início deste ano. “Sabemos que uma mudança grande está por vir. Ela já começou. Em muitos círculos, tomar medicamentos psiquiátricos se tornou algo ultrapassado.”

Delano moderou seu discurso desde os tempos do Mad in America, quando protestava em reuniões anuais da Associação Psiquiátrica Americana, denunciando o uso da contenção de quatro pontos e das máquinas de eletrochoque. Nas primeiras páginas de suas memórias, assegura ao leitor que não é “antimedicação” nem “antipsiquiatria”. “Para deixar claro, não sou nenhuma dessas coisas. Sei que muitas pessoas se sentem ajudadas pelos medicamentos psiquiátricos, sobretudo quando usados em curto prazo.”

Ainda assim, não há como ignorar a desconfiança fundamental que permeia seu projeto. “Sinto pena da psiquiatria. Sei que estamos pedindo muito dela – basicamente, que recue e considere que todo o seu modelo de cuidado pode estar prejudicando inadvertidamente muitas pessoas.”

Uma câmara de eco

No início de março, Davis viajou a Washington para entregar pessoalmente cópias do livro de Delano a autoridades eleitas e investigar se a Inner Compass poderia encontrar novas fontes de financiamento no atual cenário de ceticismo em relação à indústria farmacêutica. “Eu queria garantir que as pessoas que trabalham em políticas públicas ao menos considerem nossas ideias.”

A implantação da agenda de Kennedy trouxe esperança às comunidades da “psiquiatria crítica” e da “antipsiquiatria” de que suas objeções serão levadas a sério pela primeira vez. Alguns no meio médico temem que isso possa aprofundar a desconfiança na ciência. E é verdade – os materiais escritos da Inner Compass são, em grande parte, negativos em relação a todas as classes principais de medicamentos psiquiátricos, que continuam sendo o único tratamento comprovado cientificamente para doenças mentais graves.

Uma seção sobre antipsicóticos, por exemplo, cita estudos que pretendem mostrar que os indivíduos que os tomam têm piores resultados do que aqueles que nunca os usaram ou que os suspenderam. (Isso é enganoso; as pessoas só tomam esses medicamentos se apresentarem sintomas graves.) Outra seção sobre antidepressivos cita um estudo que sugere que eles levam as pessoas a cometer atos de violência. (O estudo foi criticado por distorcer suas descobertas.)

Alpert, que também é chefe do departamento de psiquiatria e ciências comportamentais do centro acadêmico de saúde Montefiore Einstein, revisou os materiais da Inner Compass e os descreveu como “tendenciosos” e “assustadores”. Ele alertou que as comunidades on-line de apoio correm o risco de se tornarem “câmaras de eco”, já que tendem a atrair pessoas que tiveram uma experiência negativa com os tratamentos médicos. Interromper a medicação psiquiátrica pode ser arriscado, afirmou Alpert, e uma desconfiança generalizada no sistema de saúde pode ter consequências graves. “Quero dizer, o que ocorre quando as pessoas reduzem sua medicação por influência de uma câmara de eco e ficam mais suicidas, ou mais psicóticas, e precisam ser hospitalizadas, ou perdem o emprego? Quem se preocupa com essa gente?”

Esse receio é compartilhado até por alguns admiradores de Delano no movimento de defesa dos pacientes. Whitaker mencionou conhecidos que, ao tentar abandonar a medicação, ficaram em um estado de “desespero”. “Uma vez que você entra nesse caminho, isso se torna sua identidade. As pessoas querem parar, e de repente não há mais nenhum profissional de saúde, nenhuma base científica, e elas ficam presas nesse vazio.”

Muitas pessoas em comunidades de retirada de medicamentos relataram casos de membros que lutaram com pensamentos suicidas ou que morreram por suicídio. “Na maioria das vezes, pelo que vi, quando chegam à conclusão de que os medicamentos fazem mal, as pessoas acabam adotando uma visão de tudo ou nada. Não conseguem reconhecer que os profissionais estão ali para ajudar, mesmo quando o que fizeram não foi útil”, disse Kate Speer, estrategista do Centro de Comunicação em Saúde Pública da Escola de Saúde Pública T.H. Chan, da Universidade Harvard.

Delano comentou que o tema do suicídio surge com frequência nessas comunidades: “Sei de muita gente que se matou no decorrer dos anos, durante a retirada ou mesmo depois.” Ela contou que, em 2023, uma jovem que havia se juntado à Inner Compass cometeu suicídio. Depois do ocorrido, Delano e Davis consolaram os membros da comunidade, que se perguntavam se deveriam ter feito algo para intervir. Ela disse que chamaria o serviço de emergência se um membro tivesse uma overdose por medicamentos, mas, fora isso, não interfere nas escolhas de tratamento.

Ela observou que muitos participantes procuram esses grupos justamente porque sentem que foram prejudicados pelo sistema médico. “Concedemos à psiquiatria e aos profissionais de saúde mental licenciados esse poder quase divino sobre a vida das pessoas. Falando por mim – isso não é uma crença da organização, mas algo pessoal –, não acho que ninguém deva ter esse poder sobre outro ser humano.”

Um ‘eu melhor’

Nas reuniões da Inner Compass, muitos relatam que reduzir a medicação é tão difícil que acabam desistindo e voltando a tomá-la. Alguns estavam na quinta ou sexta tentativa, e outros choraram ao descrever os desafios. Delano tenta aliviar a pressão. “Você está no controle. Isso não significa, entre aspas, desistir ou fracassar”, disse a um cliente que havia voltado a tomar uma dose baixa de Valium.

Daniel parecia estar buscando inspiração para continuar. Ele tinha certeza de que estava melhorando, acessando níveis de emoção que haviam sido amortecidos pelo medicamento durante 15 anos. Atribuiu a Delano o fato de ter chegado tão longe; foi ao ler a história dela na The New Yorker que percebeu que era possível “parar de tomar os medicamentos e ficar bem”. Em uma sessão online recente, ele mostrou a ela o bilhete adesivo que guarda como lembrete. “Eram os remédios”, havia escrito.

“Eram os remédios! O esforço vale a pena. Quanto mais sua vida se expande – em significado, conexão, beleza, possibilidades –, mais essas coisas maravilhosas vão ganhando espaço, e menos peso e poder as coisas difíceis têm”, Delano disse a ele. Ela se emocionou no fim da sessão, refletindo sobre quanto ele já havia conquistado. Quando a conversa terminou, Daniel estava novamente confiante em seu caminho.

Delano tem esse efeito sobre Daniel: faz com que ele imagine como será sua vida quando já não estiver sob o efeito da medicação – um “eu melhor e mais completo”, como descreve. Ele estima que levará mais dois ou três anos para parar completamente. “Se for difícil demais, vou ter de tomar 450 miligramas e me considerar sortudo. Mas existe o desejo de ficar livre, sabe? Livre disso.”

c. 2025 The New York Times Company

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