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Fazendas nos Estados Unidos podem desencadear uma pandemia de gripe aviária

Vírus H5N1 já devastou fazendas de gado do país, infectou até gatos e trabalhadores e autoridades ainda não sabem como contê-la

Saúde|Apoorva Mandavilli, do The New York Times

A imagem colorida de microscópio eletrônico mostra o vírus da gripe aviária em uma cultura de células CDC/NIAID via via The New York Times

Cientistas alertam que, a não ser que haja uma mudança drástica nas políticas estaduais e federais nos Estados Unidos, o vírus da gripe aviária, que tem assolado as fazendas americanas, provavelmente vai se estabelecer em definitivo no gado leiteiro. E isso significa que esse subtipo da influenza poderá, em breve, representar uma ameaça permanente para outros animais e para as pessoas.

Até o momento, esse vírus, o H5N1, não infecta facilmente o ser humano, e o risco para o público continua baixo. Mas, quanto mais tempo o vírus circular entre bovinos, mais chances terá de adquirir as mutações necessárias para desencadear uma pandemia de gripe.

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“A janela de oportunidade para conter o surto está prestes a se fechar. Somos muito rápidos em culpar a China pelo que aconteceu com o Sars-CoV-2, mas não estamos agindo melhor agora, e é assim que as pandemias acontecem”, alertou a dra. Krutika Kuppalli, médica infectologista que até abril deste ano trabalhava na Organização Mundial da Saúde.

Meio ano depois do início do surto, o H5N1 não mostra sinais de recuo no gado leiteiro dos EUA ou nos funcionários que cuidam dele. Nas últimas semanas, espalhou-se entre as aves e os trabalhadores.


Até quarta-feira passada, haviam sido registradas infecções em 192 rebanhos de gado em 13 estados e em 13 pessoas. Nove destas trabalham em granjas avícolas próximas a fazendas de laticínios no Colorado.

No início deste mês, o estado informou que o H5N1 também havia sido diagnosticado em seis gatos domésticos, incluindo dois gatos que nunca saem de casa e não têm exposição direta ao vírus.


No entanto, questões fundamentais sobre o surto continuam sem resposta.

Os pesquisadores não sabem quantas fazendas estão sendo inspecionadas em busca do vírus, quantas vacas estão infectadas em cada estado, como e com que frequência o vírus se espalha para os seres humanos e outros animais, qual é o curso da doença em pessoas e animais e se as vacas podem ser infectadas mais de uma vez.


“Precisamos entender a extensão da circulação no gado leiteiro nos EUA, algo que ainda não sabemos”, declarou a dra. Maria Van Kerkhove, diretora interina de preparação e prevenção para pandemias da OMS. Ela elogiou os estímulos financeiros do Departamento de Agricultura para incentivar os produtores rurais a cooperar com as investigações, mas disse que “ainda há muito mais a ser feito”.

A resposta do governo ao surto pode ser prejudicada pela política decorrente das eleições deste ano e pelo fato de que a supervisão é liderada por um departamento federal que tem a tarefa de regulamentar e promover o setor agrícola.

As autoridades federais vêm minimizando os riscos para os animais, dizendo que o vírus causa no gado apenas uma doença leve. No entanto, um estudo publicado no fim de julho mostrou que a taxa de mortalidade das vacas nas fazendas afetadas foi duas vezes maior do que a taxa normal e que, embora não apresentassem nenhum sintoma aparente, algumas estavam infectadas.

‘Transmissão mecânica’

Em teoria, não há nada nesse surto que dificulte sua contenção, segundo Van Kerkhove e outros especialistas, pois, ao contrário de outros vírus da gripe, essa versão do H5N1 não parece se disseminar de forma eficiente pela via respiratória do gado.

Em vez disso, na maioria dos casos a transmissão parece ocorrer por meio de leite contaminado ou de partículas virais em máquinas de ordenha, veículos ou outros objetos, como roupas de trabalhadores rurais.

“Na verdade, são boas notícias. Se quisermos controlar ou erradicar essa doença, só precisamos nos concentrar na transmissão mecânica ou antropogênica”, afirmou o dr. Juergen Richt, veterinário e especialista em vírus da Universidade Estadual do Kansas, que liderou o estudo.

Autoridades federais anunciaram que descobertas como essas reforçam a crença de que podem deter o vírus. “Acredito que as medidas sejam adequadas”, disse aos repórteres Eric Deeble, funcionário do Departamento de Agricultura, em 13 de agosto, acrescentando que é possível conter o surto porque não existe um reservatório do vírus na vida selvagem, ou seja, não há espécies nas quais o vírus esteja naturalmente presente.

Mas especialistas que não trabalham no governo discordaram, afirmando que as medidas atuais não são suficientes para eliminar o surto. O vírus está entranhado em aves selvagens, incluindo aquáticas, e em uma ampla gama de mamíferos, incluindo camundongos domésticos, gatos e guaxinins.

“O pensamento positivo é uma coisa maravilhosa, mas não necessariamente traz os resultados de que precisamos. Ainda estamos imersos em um estado de profunda confusão”, alertou Michael Osterholm, especialista em doenças infecciosas da Universidade de Minnesota.

O ideal seria que as fazendas fizessem a “testagem em massa” do leite coletado de um grande número de vacas de uma só vez e restringissem a movimentação do gado e dos trabalhadores rurais até que o vírus fosse erradicado.

Mas a legislação federal exige testes apenas quando o gado é transferido de um estado para outro. E muitos estados exigem testes apenas em vacas que estejam visivelmente doentes.

Até o momento, o Colorado é o único estado afetado que exige a testagem em massa do leite, decisão que levou à identificação de dez rebanhos infectados adicionais no espaço de duas semanas depois da ordem emitida em 22 de julho.

O Departamento de Agricultura também tentou incentivar os testes por meio de um programa voluntário: das cerca de 24 mil fazendas que vendem leite no país, apenas 30 estão participando.

O programa resultou na identificação de rebanhos com vacas infectadas, e é “uma indicação de que o sistema está funcionando conforme o planejado”, escreveu um porta-voz do departamento em uma declaração enviada por e-mail.

Risco para os negócios

Devido ao risco para seus negócios, poucos proprietários de fazendas aceitaram as ofertas de indenização para estabelecer testes ou biossegurança. Muitos contam com trabalhadores migrantes que temem ser deportados.

“No momento, essas pessoas estão se sentindo muito vulneráveis e pouquíssimas estão dispostas a cooperar. Entre aquelas que estão cooperando, acho que algumas acabam se arrependendo depois”, disse o dr. Gregory Gray, pesquisador de saúde pública de doenças infecciosas da Unidade Médica da Universidade do Texas.

Até agora, o vírus não se manifestou no gado de outros países, talvez porque estes não transportem animais entre fazendas na mesma escala que os americanos.

Os dados genéticos sugerem que o surto dos EUA resultou de um único contágio do vírus das aves para o gado, que depois se espalhou para outras partes do país. “Naquela época, havia uma grande quantidade de vírus em aves selvagens, mas isso parece ter diminuído, de modo que talvez não haja outro evento de propagação”, explicou Tom Peacock, especialista em vírus do Instituto Pirbright, no Reino Unido.

Segundo os cientistas, há uma chance pequena de que o vírus se espalhe pelos rebanhos de gado suscetíveis e desapareça, pelo menos por algum tempo. Mas isso pode levar meses ou até anos, se acontecer.

O mais provável é que o vírus se torne enzoótico – endêmico ou enraizado nos animais –, da mesma forma que outros vírus se tornaram nos porcos. As granjas de suínos nunca se livram de um novo vírus, porque os leitões suscetíveis são constantemente introduzidos na população.

O mesmo pode acontecer com o gado leiteiro nos Estados Unidos, de acordo com Gray: “O que vemos nas fazendas de suínos é algo que esperamos nunca ver nas fazendas de gado leiteiro, onde há várias cepas de influenza que podem se misturar e gerar novos vírus.”

O surto no gado já está ameaçando as aves – e as pessoas. O vírus encontrado nas granjas de aves do Colorado parece ter vindo do gado leiteiro e resultou no abate de 1,8 milhão de aves. Nove trabalhadores envolvidos no abate foram infectados. “Se continuar nesse nível, o setor de laticínios vai afundar o setor avícola. Eles receberam todos os avisos possíveis de que esse é um vírus que pode se tornar pandêmico”, disse Peacock, referindo-se aos oficiais federais.

c. 2024 The New York Times Company

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