Maior número de médicos não reduziu desigualdades no acesso à medicina, diz pesquisa
De acordo com a pesquisadora Lígia Bahia, o baixo índice de profissionais que trabalham exclusivamente no SUS é um dos fatores que interferem no alcance dos atendimentos
Saúde|Da Agência Brasil
A pesquisa Demografia Médica, lançada hoje (8) pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) em parceria com a AMB (Associação Médica Brasileira), mostra que, apesar do expressivo crescimento no número de médicos nos últimos anos, permanece a desigualdade no acesso à medicina no Brasil.
Segundo o levantamento, em 2013 havia 357,5 mil profissionais no país, e, em 2023, chegou-se a 562,2 mil. Com isso, o Brasil apresenta um índice de 2,6 médicos por grupo de mil habitantes.
O número ainda está abaixo da média de 3,36 médicos por habitante entre os países avaliados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). No entanto, é semelhante ao de nações como os Estados Unidos (2,64) e o Canadá (2,77).
Diferenças regionais
Há desigualdades tanto na divisão regional quanto na atuação nas redes pública e privada de saúde. No Norte, o índice é de 1,45 médico para cada grupo de mil habitantes, e, no Nordeste, de 1,93. Já no Sudeste a proporção é de 3,39 médicos para cada mil habitantes. No Distrito Federal, o índice chega a 5,53, e em Vitória, no Espírito Santo, a 14,49.
O professor do Departamento de Medicina Preventiva da USP, Mário Scheffer, que coordenou o estudo, destacou que há um desequilíbrio no número de profissionais que trabalham nas redes privada e pública de saúde.
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"Se eu tivesse uma palavra para resumir a oferta de médicos no Brasil, eu diria que a marca é a desigualdade. Estamos falando de aumento quantitativo, mas a desigualdade é persistente", diz.
Citando dados do estudo anterior que, de acordo com o pesquisador, se mantêm, ele ressaltou que apenas 21,5% dos médicos trabalham exclusivamente no SUS (Sistema Único de Saúde).
"Mas 10% deles são médicos residentes, que estão lá quase compulsoriamente, porque a formação é no SUS”, acrescentou. Trabalham somente em hospitais e clínicas privadas 28,3% dos médicos, e 50,2% atuam nas duas redes.
Poucas consultas
Essa assimetria se reflete, segundo Scheffer, no acesso efetivo à saúde. A partir da análise das 660 milhões de consultas médicas realizadas em 2019, o estudo aponta que a população brasileira realiza, em média, 3,1 consultas por ano. O valor cai para 2,3 entre os usuários do SUS e fica em 3,3 para quem tem plano de saúde.
O índice é menor que a média dos países da OCDE, de 6,8 consultas por habitante por ano, e de nações como a Alemanha (9,8) e o Canadá (6,6).
"A gente verifica que, apesar de termos um número razoável de médicos, nós temos um número de consultas completamente inferior ao de outros países que têm uma quantidade de médicos semelhante à do Brasil. Isso porque a gente tem essa sobreposição de desigualdades, não é só o caso de uma distribuição regional. E também essa distribuição dos médicos no setor público e no setor privado, com essa consequência dramática de eficiência", analisa a pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro Ligia Bahia, que também participou do estudo.
Por isso, Ligia afirma que é necessário expandir a rede do SUS como forma de garantir o acesso à saúde. "A gente precisa ter um sistema de saúde muito menos privatizado", enfatiza.
Políticas de alocação
Mário Scheffer defendeu a adoção de políticas que promovam a redistribuição de profissionais pelo país, como o programa Mais Médicos. Segundo ele, a abertura de cursos de medicina no interior do país não foi suficiente para levar os profissionais para localidades fora dos grandes centros econômicos.
"Esse é um exemplo de política que deve continuar, mas considerar também as transformações que estão ocorrendo", disse.
Para o coordenador do estudo, é preciso ter um planejamento na distribuição dos profissionais pelas diversas regiões.
"Um das questões é justamente qual o perfil do médico, a qualificação e a formação adequada para ocupar esses postos de trabalho em que ainda existe falta de médicos. Nesse sentido, os programas de alocação de médicos são importantes", orienta.
O professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Mário Dal Poz, que também participou da pesquisa, acredita que é necessário identificar os incentivos que farão com que os médicos se fixem, ao menos durante parte da carreira, em regiões mais afastadas.
"Os médicos reagem a incentivos financeiros e não financeiros, como qualquer outro profissional. Então, a questão é oferecer conjuntos adequados de incentivos: remuneração e uma série de outros que podem ser considerados para os lugares que se queira [levar os profissionais]", diz.
Segundo o especialista, alguns países têm experiências bem-sucedidas nesse sentido, ao estabelecer carreiras para que esses profissionais também atuem em áreas mais remotas.
"Como política pública, você tem experiências muito bacanas e que funcionam no Canadá, na Austrália e em vários outros países em que você incentiva esses médicos, cria condições para eles estarem um tempo lá. E depois esses médicos evoluem — se casam, têm filhos — e têm outras oportunidades para ir para outros lugares", comentou.
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