'Não saio da cama': A angústia de quem sofre com artrite reumatoide
Enfermidade atinge cerca de 23,7 milhões de pessoas no mundo todo, segundo dados da Sociedade Brasileira de Reumatologia
Saúde|Da EFE
"Não saio da cama há meses. Se saio, tenho que me arrastar e choro o tempo todo de dor". Assim define sua relação com a artrite reumatoide a aposentada Cristina Canes, diagnosticada há três anos com esta doença autoimune e cuja vida está limitada desde então ao perímetro de sua casa.
Após meia década convivendo com dores constantes e diferentes médicos, Canes finalmente recebeu, com três anos de atraso, o diagnóstico, embora sua jornada estivesse apenas começando.
"Eu passei de remédio a remédio e as dores não desapareceram. Troquei de médico para um que me receitou diferentes tratamentos, mas até agora não vi nenhuma melhora", contou à Agência Efe a aposentada, de 59 anos e que administrou por mais de 40 um salão de beleza na cidade de Canavieiras, na Bahia.
Artrite reumatoide atinge 1,5% da população
Canes esté entre os quase dois milhões de brasileiros que sofrem de artrite reumatoide, uma doença autoimune crônica que se manifesta quando o sistema imunológico produz anticorpos que atacam e inflamam as articulações.
A enfermidade atinge cerca de 1,5% da população global, o que se traduz em cerca de 23,7 milhões de pessoas no mundo todo, segundo dados da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), que encerrou neste sábado (7) a 36ª edição do Congresso Brasileiro de Reumatologia, em Fortaleza.
Embora não tenha cura, a artrite reumatoide pode ser controlada e chegar à chamada remissão clínica — quando todos os sintomas estão inativos, mas a doença não é considerada controlada.
A remissão clínica é mais provável se a doença for diagnosticada nos estágios iniciais, ainda que especialistas apontem que apenas cerca de 50% dos pacientes conseguem chegar a este estágio.
Diagnóstico demorado atrapalha tratamento
Para o reumatologista austríaco Josef Smolen, uma das principais referências globais em doenças reumáticas, a demora para obter um diagnóstico preciso — e o consequente início tardio do tratamento — é um dos principais fatores que impedem que as taxas de remissão sejam mais altas.
Smolen argumenta também que "cada paciente é diferente" e "ainda não é possível prever a qual tratamento responderão de forma mais efetiva".
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O austríaco é um dos autores de um recente estudo realizado com mais de 4.400 pacientes que apontou um novo fármaco como opção de tratamento da artrite reumatoide.
O Upadacitinibe, um remédio oral que inibe as enzimas da família Janus Kinase (JAK) - que pode desencadear o aumento das inflamações nas articulações-, se mostrou eficaz na inibição da progressão da doença e registrou duradouras taxas de remissão.
"É uma droga bastante eficaz e não foram encontradas evidências de que seu perfil de segurança seja diferente dos fármacos usados atualmente", explicou Smolen, ao acrescentar que "cada novo remédio descoberto aumenta em até 10% as possibilidades para que pacientes que não obtiveram respostas satisfatórias possam chegar à remissão".
O Upadacitinibe, produzido pela companhia farmacêutica AbbVie, foi aprovado na semana passada pela Food and Drug Administration (FDA), a agência do governo dos Estados Unidos que regula alimentos e remédios, e aguarda a análise da Anvisa para que seja liberado no Brasil.
Novos remédios
Se aprovado, será mais uma opção ao lado dos outros 15 medicamentos já regulamentados e disponibilizados no país para o combate da artrite reumatoide.
O uso desse tipo de fármaco, que atua sobre agentes orgânicos específicos para frear doenças como artrite reumatoide, psoríase e lúpus, faz parte da "revolução" experimentada pela reumatologia mundial nos últimos 15 anos, segundo o diretor científico da SBR, Eduardo Paiva.
"Antes, o objetivo era deixar o paciente confortável. Hoje, o foco é a remissão e, com ela, proporcionar uma vida saudável, sem dores, sem limitações e capaz de reinserir o paciente em suas atividades diárias e profissionais", detalhou Paiva.
O especialista Max Victor Carioca de Freitas pondera que, para isso, é necessário investir em um sistema de saúde eficiente e capaz de oferecer um diagnóstico rápido, que permita o início imediato do tratamento.
"O ideal seria começar a terapia até seis meses após o diagnóstico. Algumas estratégias para isso são investir nas unidades de atenção básica que facilitem a identificação de doenças e aumentar o número de vagas de residência para reumatologistas", disse Freitas.
Agilidade no tratamento
Foi justamente essa agilidade que permitiu Priscila Torres alcançar a remissão. A jornalista recebeu o diagnósico de artrite reumatoide aos 26 anos e hoje, 13 anos depois, garante levar uma vida compatível à de uma pessoa sem a doença: "Pratico atividade física, trabalho e faço tudo que qualquer pessoa faz".
Porém, Torres, que precisou abandonar a carreira de enfermeira devido ao avanço da doença, relembra que "existe uma jornada de superação e aceitação ao longo do caminho".
Hoje, a jornalista coordena diversos grupos de apoio a pacientes e trabalha ao lado de instituições públicas e privadas para levar informação e promover o bem-estar de portadores de doenças reumáticas.
"Existem muitas barreiras e muito preconceito. Mas somos muito mais do que o nosso diagnóstico", enfatizou.