O que se sabe sobre as novas variantes do coronavírus
Cepa identificada no Amazonas já está espalhada por 8 países e tem maior habilidade de escapar das armas do sistema imune
Saúde|Brenda Marques, do R7
Novas variantes do coronavírus identificadas no Brasil, Reino Unido e África do Sul deixaram a OMS (Organização Mundial da Saúde) em alerta, embora esse processo seja comum entre os vírus. Em relação às cepas britânica e sul-africana, sabe-se que são mais contagiosas. Em todo caso, há mais perguntas do que respostas. Mas a boa notícia é que vacinas e medidas de proteção como o uso de máscara e a lavagem de mãos funcionam contra elas.
De acordo com atualização feita pela OMS nesta quarta-feira (27), a variante brasileira identificada pela primeira vez no Amazonas já está presente em 8 países, enquanto a linhagem do Reino Unido foi detectada em 70 nações e a da África do Sul em ao menos 31 países.
Pesquisadoras ouvidas pelo R7 afirmam, contudo, que não é possível saber se a variante do Amazonas, chamada P.1, já está espalhada por todos os estados do Brasil. Por enquanto, apenas São Paulo confirmou três casos importados - ou seja, de pessoas que moram ou viajaram para Manaus -, o que exige maior atenção.
"O fato de ela [variante do Amazonas] ter sido detectada em São Paulo acende sinal de alerta, porque São Paulo é um centro de espalhamento do vírus para o Brasil inteiro desde o início da pandemia, então, estando lá, a chance de ser espalhada é muito maior", pondera Carolina Voloch, professora do Departamento de Genética da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
A biomédica Mariene Amorim, membro do LEVE (Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes) da Unicamp concorda e admite a possibilidade de a nova cepa estar disseminada por todo o país. "A gente teve agora no final do ano vários voos [de SP para outros estados], é muita movimentação. Mas a confirmação [de casos da nova variante] demanda tempo e expertise". destaca.
Principais mutações e seus efeitos
Carolina afirma que as novas variantes possuem muitas diferenças e algumas semelhanças. Ela cita duas mutações principais, que ocorreram na proteína spike, responsável pela entrada do coronavírus nas células: a E484K - encontrada nas linhagens do Amazonas, Rio de Janeiro e África do Sul - e a N501Y - presente nas cepas do Amazonas, da África do Sul e do Reino Unido.
A mutação E484K dá ao coronavírus uma maior capacidade de escapar do sistema imune, de acordo com a especialista. "Então, os anticorpos neutralizantes neutralizantes [que protegem as células contra invasores] têm uma possibilidade 10 vezes menor de matar o vírus" explica.
"Com isso, as pessoas vão acabar sendo infectadas mais de uma vez e talvez as vacinas tenham que ser atualizadas", acrescenta.
Já a mutação N501Y está ligada ao aumento do potencial de contágio. "Ela está associada ao aumento super drástico da infecciosidade e também estaria ao aumento de casos", afirma a especialista.
A variante do Reino Unido pode ser até 70% mais transmissível, de acordo com o governo britânico. A cepa indentificada inicialmente na África do Sul está associada à maior carga viral no corpo dos infectados, o que possivelmente contribui para uma maior transmissão, segundo cientistas do país.
Em contrapartida, ainda não há comprovação científica de que as linhagens detectadas no Amazonas e no Rio de Janeiro são mais transmissíveis. "O que a gente observa é esse aumento do número de casos. Além disso, é como se elas estivessem substituindo as linhagens antigas onde elas surgiram, o que indica que elas se espalham mais do que estamos acostumados", detalha Carolina.
Também não há evidências de que elas sejam mais letais ou atinjam mais os jovens e crianças, mas esses aspectos ainda precisam ser investigados a fundo. "Isso exige um estudo de epidemiologia. Tem muita criança que está sendo infectada por essa P.1, mas ainda não tem comprovação científica", esclarece Mariene.
"Aqui no Rio temos aumento [de casos em jovens], mas são leves e podem ser reflexo das mudanças de comportamento. Não dá para saber", complementa Carolina.
Vacinas protegem - e são essenciais
A professora da UFRJ afirma que as vacinas são capazes de proteger contra as novas variantes, porém a eficácia desse escudo ainda não é conhecida. "A proteção continua existindo, embora possa diminuir", afirma.
Ela explica que as mudanças acontecem em regiões específicas da proteína spike, mas o sistema imunológio ataca o todo, portanto, o mecanismo de defesa desencadeado pelas vacinas continua funcionando.
A especialista enfatiza que a vacinação da população é essencial. "Mais do que nunca as pessoas precisam se vacinar, porque essa é a única forma de controle [da pandemia]. Mesmo que alguém venha a se infectar [depois de imunizado], vai apresentar um quadro sem gravidade, ou seja, não vai morrer", ressalta.
Mariene afirma que é necessário continuar investigando o potencial de vacinas contra as cepas recém-descobertas, embora tudo indique que elas irão funcionar. "Por enquanto, a única evidência é que as pessoas que já tiveram covid podem se reinfectar com essas novas variantes".
Mutações e infecções são uma bola de neve
A pesquisadora destaca que se a taxa de transmissão do coronavírus permanecer alta, novas mutações vão continuar surgindo e se acumulando, o que pode fazer com que se tornem resistentes às vacinas, já que os anticorpos induzidos por ela não terão efeito.
As mutações são uma consequência natural da replicação do vírus, que só acontece dentro das células humanas. "Quando ele se replica, acaba cometendo um erro, que pode ser prejudicial ou benéfico. Quando esse erro é muito bom, leva ao aumento da disseminação do vírus", descreve Carolina.
Ao mesmo tempo, quanto mais pessoas forem infectadas, maiores são as chances de ocorrerem modificações no genoma do vírus, então a situação vira uma bola de neve. Mariane pontua que o surgimento de novas linhagens mostra que a sociedade não está fazendo o isolamento corretamente.
"É preocupante. Se continuarem aparecendo variantes mais transmissíveis, vai ficar mais difícil conter a pandemia. Precisamos respeitar as medidas de isolamento e acelerar a vacinação", analisa.
Carolina frisa que medidas como lavar as mãos, usar máscara e fazer o distanciamento continuam sendo eficazes para prevenir contra as novas cepas. "A máscara protege igualmente contra qualquer variante, porque é uma barreira física. Umas são mais eficientes que outras, mas usar uma máscara de pano é melhor que não usar nada. Precisamos nos ater à realidade da nossa população, nem todo mundo tem condições de comprar as que são, normalmente, de uso profissional", lembra.
A professora avalia que essas novas linhagens reforçam a necessidade de investir em ciência e educação. "É o que vai salvar a gente da pandemia. Nós temos políticos que lutam contra isso, é absurdo. O vírus está vivo, evoluindo e a única maneira de lidar com ele é conhecendo. Só o conhecimento vai salvar a gente", conclui.