Proposta para reclassificar obesidade abandona ideia de magreza e foca em resultados
Especialistas explicam que valorizar pequenos percentuais de emagrecimento pode ser importante para a manutenção do tratamento de pacientes obesos e melhora da qualidade de vida
Saúde|Hysa Conrado, do R7
Em uma rápida busca na internet é possível encontrar sites que fazem o cálculo do IMC (Índice de Massa Corporal) de uma pessoa – equação que divide o peso pela altura ao quadrado – e entregam o laudo em um clique: abaixo do peso, peso ideal, sobrepeso ou obesidade, conforme o padrão fixado pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
Acontece que para aqueles que se encontram em tratamento da obesidade o IMC ideal pode parecer uma meta inatingível e desestimular o paciente.
É por esse motivo que a Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica) e a Sbem (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) estão propondo uma nova classificação para pacientes obesos.
O endocrinologista da Abeso Marcio Mancini, um dos responsáveis pelo estudo que apresenta a nova proposta, explica que a nova classificação tem menos apelo estético, referente ao aspecto de magreza, e foca mais os ganhos que a perda gradual de peso pode representar para o organismo em um contexto geral.
Na nova classificação, o cálculo é feito da seguinte forma: o peso máximo que a pessoa atingiu na vida (exceto o peso durante a gestação ou período de lactação, por exemplo) é comparado com o peso que ela perdeu no decorrer do tempo e, então, calcula-se a porcentagem que essa perda representa do valor máximo.
“Para um indivíduo com o peso máximo de 100 kg e cerca de 1,70 m de altura, o peso ideal dele seria de 70 kg, mas se ele se aproximasse de 90 kg já teria benefício para a saúde, e a gente chamaria de obesidade reduzida. Isso aumenta a adesão ao tratamento”, exemplifica Mancini.
Neste novo parâmetro, para os pacientes que têm IMC entre 30 e 39, com uma perda de 5% a 10% do peso eles já poderiam ser considerados em obesidade reduzida e acima de 10% em obesidade controlada.
Para aqueles com IMC maior que 40, o que representaria um quadro de obesidade mórbida, a perda precisaria ser maior que 15% do peso para que eles fossem considerados em obesidade controlada.
O cirurgião do aparelho digestivo Gustavo Patury, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e membro da SBCM (Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica), destaca que mesmo os baixos percentuais de perda de peso devem ser levados em conta para estimular o paciente a prosseguir o tratamento, conforme sugere a nova proposta.
“Com 3% de perda de peso, o paciente já tem diminuição de risco de infecção; com perda de 7%, vai começar a cair o risco de ter diabetes, por exemplo; e com perda de 10% já diminui o risco de AVC [acidente vascular cerebral]. Se colocar que o paciente precisa perder 30 kg, ele desiste no primeiro mês. Se o paciente não tem a noção de que essa perda – mesmo pequena – já é uma coisa válida, ele se desestimula e fica no efeito sanfona”, afirma Patury.
Para quem encara um número de três dígitos na balança, perder peso não é tarefa simples e requer uma mudança permanente de hábitos. Além disso, há os obstáculos biológicos que o próprio corpo impõe ao emagrecimento, explica o endocrinologista Marcio Mancini.
“O organismo não aceita a perda de peso como algo normal, então ele tem mecanismos que regulam o metabolismo, a fome, a saciedade e o gasto de calorias [...] Então é natural que um tratamento [para emagrecer] vá ficando cada vez mais difícil à medida que o indivíduo perde peso”, afirma.
Basicamente, o corpo não entende que uma perda resultante de boa alimentação e atividade física faz parte de um tratamento, e sim que a pessoa pode estar prestes a morrer de fome.
“Então, o organismo passa a queimar menos calorias, produzir substâncias que aumentam a fome e menos substâncias que dão saciedade”, complementa Mancini.
Por que o IMC parece ultrapassado?
Os especialistas explicam que, na verdade, sozinho o IMC mede apenas a superfície corpórea e não entrega um panorama completo sobre o peso do paciente.
Por isso, durante o tratamento, a bioimpedância tem papel fundamental, pois é o exame que mede a quantidade de água, de músculos e de gordura.
Para exemplificar, um paciente obeso pode ter o mesmo IMC de um atleta de halterofilismo e, ainda assim, ambos terem composições corporais completamente diferentes.
O primeiro teria um grande percentual de gordura e o segundo uma proporção de músculos – o que é chamado de massa magra – parecida.
“Na prática, essa mudança é para tentar tirar o paciente obeso do efeito sanfona e conseguir que ele faça um tratamento muito mais completo. O que vemos é que os pacientes acabam fazendo principalmente dietas radicais e, três ou quatro meses depois, eles abandonam o tratamento porque veem que precisam perder muito mais peso”, enfatiza o médico Gustavo Patury.
Nesse sentido, Patury alerta para dietas da moda ou mesmo medicamentos e chás vendidos como naturais, que podem representar grandes riscos à saúde.
“Já vimos pacientes que morreram por causa disso. Geralmente esses chás emagrecedores – que na verdade até podem ter substâncias naturais –, em grande quantidade, podem levar a uma insuficiência hepática aguda, uma insuficiência renal e até levar à morte do paciente”, destaca.
Para Mancini, o apelo estético da perda rápida de peso prejudica as pessoas que precisam passar por um tratamento para obesidade.
“A obesidade, diferentemente de outras doenças, tem uma interferência muito grande de outros fatores. Hoje em dia, um apresentador de TV vende dieta e apelos para perder peso sem muito esforço, tomando choquinho na barriga. É diferente a pessoa que quer perder 4 kg para ir à praia de quem está com doenças associadas ao excesso de peso e precisa emagrecer para melhorar a saúde”, conclui.