Regras brasileiras sobre poluição do ar estão desatualizadas desde a década de 1990, diz pesquisa
Na Colômbia, o nível de atenção para material particulado MP2.5 começa em 38 µg/m³, enquanto no Brasil é de 125 µg/m³
Saúde|Jéssica Gotlib, do R7, em Brasília
Os padrões de qualidade do ar do Brasil estão defasados há quase três décadas, mostra pesquisa comparativa feita pelo Instituto Alana e pelo Instituto Ar. O estudo comparou as normas de monitoramento do país com outros locais como Chile, Colômbia, Equador, Estados Unidos, México, Espanha, França e Inglaterra. Com exceção do Equador, todos têm leis mais restritivas que as brasileiras a medição dos níveis críticos de poluição atmosférica.
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Na Colômbia, por exemplo, o nível de atenção para material particulado MP2.5 começa em 38 µg/m³, enquanto no Brasil é de 125 µg/m³. Na Espanha e França, esse nível é de 25 µg/m³. A pesquisa foi apresentada na última semana, durante o evento Episódios Críticos da Poluição do Ar. O encontro foi realizado em Brasília, pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e pelo Ministério da Saúde.
“Assim como nas mudanças climáticas os eventos extremos, quando temos os picos de poluição do ar a gente chama isso de episódios críticos. Hoje existem níveis para estabelecer (atenção, alerta, emergência) esses episódios críticos. Com esses níveis estabelecidos, é possível construir planos de monitoramento e de ação. A pesquisa é justamente em um contexto para subsidiar uma política pública para entender quais os níveis estabelecidos por outros países, qual o limite”, explica JP Amaral, gerente de Natureza do Instituto Alana.
Ele destaca a necessidade urgente de atualizar as normas de qualidade do ar no Brasil e melhorar o monitoramento. “Atualmente, apenas dez estados possuem estações de monitoramento, e mesmo assim, em número insuficiente de municípios. A recente aprovação de uma política nacional de qualidade do ar e novos padrões pelo Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) são passos importantes, mas é crucial estabelecer níveis de episódios críticos e implementar medidas efetivas para proteger a saúde da população”, reforça.
Segundo Amaral, a pesquisa evidencia a defasagem do Brasil em relação às normas internacionais de qualidade do ar e a necessidade de ações imediatas para reduzir a poluição e proteger a saúde pública, especialmente das crianças. A implementação de medidas de controle e monitoramento mais rigorosas é essencial para enfrentar os desafios da poluição do ar no país.
Em eventos críticos, podem ser tomadas medidas restritivas imediatas, como a redução da circulação de veículos, especialmente em áreas próximas a escolas e zonas industriais, explica o especialista. “Isso garante a redução das emissões e protege a saúde da população durante episódios, especialmente das crianças, que são naturalmente mais vulneráveis a esses eventos”, comenta.
O impacto da poluição do ar na saúde ao longo da infância foi enfatizado pelo estudo. Com destaque para os problemas causados pela exposição às condições desfavoráveis desde a gestação, podendo afetar o desenvolvimento cognitivo e pulmonar. Após o nascimento, as crianças respiram proporcionalmente mais ar do que os adultos, aumentando sua vulnerabilidade a problemas respiratórios.
Cidades como Rio de Janeiro e São Paulo enfrentam poluição do ar ao longo de todo o ano. Entretanto, no inverno, a situação é agravada pela falta de umidade e de vento, condições que dificultam a dispersão dos poluentes. “Em locais como Grajaú e Cubatão, os níveis de poluição frequentemente deveriam colocar a população em estado de atenção ou alerta, mas raramente são adotadas medidas emergenciais”, lembra Amaral.
Embora menos frequentes que em outros lugares, as situações críticas têm se repetido pelo país. Em Manaus, por exemplo, os níveis de poluição chegaram ao dobro do limite de emergência estabelecido, sem que nenhuma ação fosse tomada. Em contraste, na Colômbia, medidas como a evacuação da população seriam adotadas em situações semelhantes.
“Precisamos melhorar a curtíssimo prazo. Essa pesquisa não a toa foi feita neste período do ano. A gente aprovou no início do ano uma política nacional de qualidade do ar”, explica Amaral. A ideia é que, a partir de agora, União, estados e municípios construam uma política de resposta mais sólida para reduzir os impactos da poluição do ar para a população, sobretudo os mais vulneráveis.