Logo R7.com
RecordPlus

Violência obstétrica: saiba se você já foi vítima e como denunciar 

Especialistas dão exemplos e explicam relação de atos violentos com cesárea

Saúde|Do R7*

  • Google News
Violência no momento do parto acontece para 25% das mulheres
Violência no momento do parto acontece para 25% das mulheres

Recusa de atendimento, agressões verbais, privação do acompanhante, abuso de medicalização, passar por procedimentos sem entender o que eles significam durante o parto. Nada disso deve ser considerado normal e natural. Todos esses itens fazem parte da lista do que é considerado violência obstétrica

Apesar de ser um conceito muito complexo e amplo, violência obstétrica se define como procedimentos cometidos contra a mulher grávida durante as consultas durante a gestação, no parto e após o nascimento. A violência pode ser moral, física, psicológica e sexual e pode ocorrer de forma explícita ou velada, conforme explica Carlos Politano, coordenador da Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia de São Paulo).


— A palavra chave durante a gestação é desejo. As vontades da grávida têm que ser respeitadas e ela tem que ser consultada a cada etapa e decisão médica. Condutas inadequadas, imposições, procedimentos dolorosos e demais atos estão enquadrados na violência obstétrica.

Segundo a pesquisa mais recente, realizada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo, mostra que uma em cada quatro brasileiras diz já ter sofrido algum tipo de violência durante o parto.


Negar o direito a um acompanhante no momento do parto; agendar uma cesárea sem a devida recomendação e sem consentimento da mulher; utilizar-se da manobra de Kristeller (fazer pressão sobre a barriga da gestante para empurrar o bebê); fazer comentários constrangedores; ofender a mulher; realizar a episiotomia (corte cirúrgico feito no períneo para facilitar a passagem do bebê durante o parto normal) sem que haja indicação clínica; e proibir a mulher de se levantar e se locomover durante o trabalho de parto são alguns exemplos práticos desse tipo de ato e indicativos de que há abuso por parte da equipe médica.

De acordo com o coordenador da Sogesp, as ações violentas podem trazer danos físicos, mas também psicológicos e morais.


Apesar de levar carregar o termo “obstétrica”, Politano afirma que esse tipo de violência contra a mulher envolve atendimento inadequado “que pode ser praticado por qualquer profissional da saúde envolvido na gestação e no parto”. Por isso, ele destaca a importância de uma equipe multidisciplinar, na qual doulas e parteiras dividam com os obstetras o espaço de atuação, para que cada um faça contribuições com seu conhecimento.

Violência obstétrica e o parto cesárea


Um dos motivos de as mulheres sofrerem violência obstétrica está diretamente ligado ao alto índice de partos cesáreas realizados no Brasil, segundo a parteira e mestre em Saúde Pública Bianca Zorzam. Na opinião da especialista, os médicos estão despreparados para lidar com as demandas das mulheres quanto ao parto e “a maioria dos obstetras brasileiros marcam cesáreas por conveniência”.

— O parto continua sendo ensinado como no século passado: com episiotomia de rotina, posição de litotomia [corpo deitado com a face voltada para cima, com flexão de 90° de quadril e joelho e pernas abertas] e fórceps [instrumento utilizado para auxiliar a retirada de um feto quando a contração natural não é suficiente para o parto ou possa colocar em risco a vida da gestante ou do feto]. Esse é o paradigma do parto normal medicalizado que estamos tentando desconstruir.

Segundo dados do Ministério da Saúde divulgados em março dos 3 milhões de partos realizados Brasil em 2015 55,5% foram cesáreas e 44,5%, partos normais. A OMS (Organização Mundial de Saúde) recomenda que a taxa de cesárea deveria estar próxima de 15%.

Quase 60% dos partos no Brasil são cesáreas; maior percentual ocorre em regiões mais desenvolvidas

Já na opinião do coordenador da Sogesp, não há relação entre a violência obstétrica no País e a alta taxa de cesarianas.

— Não podemos entender que o número de cesáreas é por causa de obstetra que forçou a cesariana. A paciente tem direito de escolha e, muitas vezes, opta por isso e é seu direito constitucional. Talvez, o Brasil seja um país onde os partos são personalizados, e isso cria um vínculo tal com o médico que essa mulher tem um momento de livre escolha. Em algumas situações, os médicos acabam conduzindo, mas vemos obstetras “empurrando” cada vez menos para a cesárea. Temos que entender que a mulher tem um grau de entendimento que a faz optar pela cirurgia.

Ana Rita Souza Prata, defensora pública e coordenadora do Nudem (Núcleo Especializado de Promoção dos Direitos da Mulher) da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, pondera que a formação dos médicos os leva a agir de forma interventiva.

— A gente percebe que a medicina é baseada na tecnologia. Intervenções e cirurgias são ensinadas, enquanto a não-intervenção não é ensinada. O que se vê é que pessoas aprendem intervenções naquela área e acabam não se dedicando tanto a aprender a não-intervenção. Há uma dificuldade de acompanhar o parto normal ou resolver de forma menos interventiva um acontecimento naquele parto.

Cultura brasileira

Segundo a promotora, na cultura brasileira há um entendimento de dor no parto como algo normal, o que contribuiria para perpetuar a naturalização da violência obstétrica.

— Há muita subnotificação de casos desse tipo de violência porque as mulheres desconhecem que foram vítimas de violência, porque isso é naturalizado. É naturalizado que o momento do parto é doloroso e ruim, então elas acreditam que é normal. Não buscam orientação ou informação sobre outras formas de atendimento adequado e humanizado. Muitos casos que chegam [na Defensoria Pública] são de mulheres que têm mais acesso ou que sofreram danos mais graves à saúde da mulher ou ao bebê, nos quais a conduta deixou sequelas.

Falta de legislação leva ao “erro médico”

Atualmente, não há lei federal que tipifique a violência obstétrica, apesar de haver leis estaduais e projetos de lei, ainda não aprovados, explica Ana Rita. Por isso, como não há tipificação desse ato na legislação, muitos juízes classificam casos de violência obstétrica como “erro médico”.

Parto humanizado foi uma experiência "libertadora na minha vida", diz mãe que já havia feito cesárea

Assim, é difícil encontrar, inclusive, demandas judiciais que tratam do assunto. Soma-se a esse obstáculo a subnotificação, como diz Ana Rita. Com isso, há uma dificuldade por parte do Judiciário de reconhecer a violência.

— Eu entendo que a mulher está amparada pela lei e pelas normas técnicas de humanização do parto. Isso não significa que o Judiciário vai reconhecer que houve violência obstétrica justamente porque esse conceito não é oficializado de forma federal. Apesar do amparo, a demanda dela não necessariamente será acolhida porque, muitas vezes, os juízes, ao analisar a situação como erro médico, levam em conta dados concretos de sequelas para a mãe ou o bebê. Há dificuldade de debater questões menos concretas.

Ana Rita ressalta que, como os danos psicológicos e morais que a mulher que passou por um caso de violência obstétrica sofre não são palpáveis, a Justiça tem dificuldade em determinar se a conduta médica foi violenta ou não. Então, muitas mulheres optam por não fazer a denúncia.

Apesar deste cenário, a defensora afirma que o crescimento do debate sobre o tema na sociedade tem crescido as denúncias. E, com mais dados sobre o tema, haverá mais informação e redução dos casos.

*Colaborou: Juliana Cunha

Últimas


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com oAviso de Privacidade.