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Tecnologia e Ciência

É possível proteger seu conteúdo nas redes sociais com direitos autorais?

Influenciadora acusa outra de copiar ‘vibe’ das suas postagens nas redes sociais; processo está na Justiça e levanta debate

Tecnologia e Ciência|Sandra E. Garcia, do The New York Times

Gifford acusou Sheil de roubar sua 'vibe': 'Isso não é coincidência, tem alguma coisa estranha', disse a influenciadora sobre posts da 'rival' Fotos de Yasmin Yassin/The New York Times (esq.) e Christopher Lee/The New York Times (dir.)

O suéter grande de tricô bege. O cabelo repartido ao meio. O joelho direito apontado para fora, criando uma curva no quadril esquerdo. Praticamente todos os detalhes da foto – até o conjunto de shorts combinando – pareciam familiares para Sydney Gifford. Assim como a mulher que posava diante da parede branca sem graça. Dias antes, Gifford, influenciadora de estilo de vida de 24 anos, havia compartilhado com seus milhares de seguidores uma foto praticamente idêntica. A mulher dessa foto nova era outra influenciadora, Alyssa Sheil, com quem ela havia feito compras e participado de uma sessão de fotos meses antes.

Na ocasião, Gifford achou que as interações entre elas tinham sido só desconfortáveis. Mas disse que, ao rolar as fotos de Sheil no Instagram pela primeira vez em quase um ano, suspeitou que aqueles encontros tinham sido algum tipo de espionagem estética. Segundo ela, Sheil, de 21 anos, não só começou a imitar seu perfil on-line, mas também se apropriou de todo o seu estilo. Por isso, decidiu processá-la.

Em janeiro, Gifford, que tem cerca de 300 mil seguidores no Instagram e mais de 500 mil no TikTok, registrou os direitos autorais de várias de suas publicações nas redes sociais ao perceber as semelhanças entre as postagens de Sheil e as suas. Várias fotos foram incluídas como prova no processo que Gifford abriu este ano contra Sheil em um tribunal federal do Texas, alegando violação de direitos autorais. Mas, no mundo cuidadosamente curado das redes sociais, Gifford fez uma acusação talvez mais grave contra ela: roubar sua “vibe”. “Isso não é coincidência. Definitivamente, tem alguma coisa estranha aqui”, Gifford se lembra de ter pensado.

O que pode parecer uma briga superficial sobre suéteres e penteados pode, na verdade, ser uma disputa legal que atinge o cerne da influência nas redes sociais. A própria natureza de estabelecer tendências com sucesso exige certo grau de replicação. Embora plataformas como o TikTok e o Instagram possam parecer um espaço livre, os influenciadores de estilo de vida existem em um ecossistema que valoriza a homogeneidade – uma das maneiras mais seguras de agradar aos algoritmos, que são os árbitros finais do sucesso na internet.


Num momento em que a economia dos criadores está em alta e oferece a possibilidade de um meio de vida lucrativo, o caso de Gifford visa esclarecer o limite em que a imitação pode passar de elogio a falsificação.

Em várias entrevistas concedidas a partir de agosto, especialistas observaram que os influenciadores precisam navegar por um espaço sem definições claras, em que pode ser difícil e, em alguns casos, impossível dar o devido crédito ao criador de cada elemento. “Há, de fato, a sensação de que você cria e, ao mesmo tempo, pega emprestado dos outros. É disso que a moda é feita. Todas as indústrias criativas – a pintura, a música, o cinema – se baseiam em usar alguma coisa do passado e também, idealmente, tentar dar o próprio toque. Não acredito que alguém queira ir longe demais com isso”, explicou Jeanne Fromer, professora de direito de propriedade intelectual da Universidade de Nova York.


Em entrevista, Sheil disse que as alegações de Gifford sobre suas postagens são infundadas e que as achou profundamente perturbadoras, como influenciadora por direito próprio: “É assim que ganho a vida e, além disso, é minha marca pessoal. Sinto que preciso me defender.”

Fromer descreveu o processo como um dos primeiros desse tipo, no qual um usuário das redes sociais processa outro, em vez da empresa de tecnologia por trás da plataforma. “Por mais que pareça extravagante, esse processo judicial de propriedade intelectual abrangente pode se sustentar no tribunal. A acusação mais substancial é a de violação de direitos autorais.” Dependendo do desfecho do processo, pode ser estabelecido um precedente importante para outros influenciadores e como eles se apresentam on-line.


‘Não me senti bem-vinda’

A primeira vez que Gifford e Sheil se encontraram, em um shopping de luxo ao ar livre em Austin, no Texas, a segunda se sentiu deslocada. Segundo ela, Gifford havia enviado uma mensagem privada no Instagram perguntando se Sheil gostaria de sair com ela e outra amiga influenciadora. As mulheres passearam, olharam as opções das marcas de roupa H&M e Aritzia, almoçaram e cada uma seguiu seu caminho. “Eu estava definitivamente ansiosa, porque elas já eram amigas. Nessa situação, de fato eu não sabia no que estava me metendo, mas foi tudo bem”, comentou Sheil.

De acordo com Gifford, o encontro foi “profissional” e o objetivo principal era gravar conteúdo e trocar ideias. “Não sei mais quem procurou quem. Sei que, como nos seguíamos nas redes sociais fazia algum tempo, não tenho certeza de quem teve a iniciativa”, afirmou Gifford, que agora vive em Minnesota.

As três mulheres se encontraram novamente no mês seguinte em um estacionamento no centro de Austin para tirar fotos e cada uma postá-las em seu perfil. Mas Sheil disse que dessa vez não se sentiu bem-vinda: “Ninguém falou comigo durante 45 minutos a uma hora depois que cheguei ao estacionamento. Sydney também tirou fotos com a terceira amiga que estava lá, postou e não me marcou.”

Quando Sheil voltou para casa, bloqueou Gifford em todas as plataformas. “Não vi nada de errado em bloqueá-la. Não me senti bem-vinda, nem achei que precisava manter um vínculo com ela nas redes sociais se nossa relação na vida real não era boa.”

Para Gifford, o processo na Justiça não é uma questão de orgulho, mas, sim, uma proteção de seu negócio Yasmin Yassin/The New York Times

Sustento em jogo

Para Gifford, o processo não é uma questão de orgulho pessoal: trata-se de proteger seu negócio. Ela e Sheil criam conteúdos nas redes sociais para incentivar seus seguidores a comprar produtos – copos térmicos, mesas de centro, conjuntos de pijama – em sua “vitrine” na Amazon. Ambas afirmaram que é assim que se sustentam, e é isso que Gifford alega no processo: que Sheil copiou suas postagens e sua estética, prejudicando seu ganha-pão.

“Várias pessoas, alguns seguidores e amigos próximos me disseram que o conteúdo dela apareceu na seção ‘Para Você’ e eles acharam que era meu, de verdade. Obviamente, olharam o nome da conta, ficaram confusos e me alertaram sobre as semelhanças. Foi muito impactante saber de tudo isso”, comentou Gifford, em videoentrevista de Minnesota.

Essa confusão por parte dos seguidores é um dos pontos centrais do processo de Gifford. Ela também mencionou ter notado uma queda nas vendas dos produtos que promovia quando Sheil fez uma publicação semelhante à sua, citando informações da Amazon. No processo, Gifford identificou uma lista de itens que, segundo ela, Sheil copiou de suas postagens e vendeu em sua loja na Amazon, produtos cuja seleção, segundo ela, exige bastante dedicação.

Durante o verão setentrional, os advogados de Sheil entraram com uma moção para rejeitar a maior parte das acusações apresentadas no processo. Condenando a abordagem de Gifford de “tentar de tudo para ver se alguma coisa cola”, eles argumentaram que “a queixa principal de Gifford é que ela acredita que as postagens e a estética geral de Sheil são ‘muito semelhantes’ às suas”.

Mas, segundo eles, essa é uma reivindicação sem aplicabilidade com base na Lei de Direitos Autorais do Milênio Digital (DMCA, sigla em inglês), que só entra em vigor quando uma obra idêntica é alterada ou reproduzida sem as informações de direitos autorais apropriadas. Eles sustentaram que, “como o processo só alega que foram criadas imagens semelhantes, e não que foi feita uma reprodução idêntica, a reivindicação de Gifford sob a DMCA não procede legalmente”.

No mês passado, um juiz magistrado recomendou que a solicitação de Sheil para rejeitar o processo fosse aceita em algumas partes e negada em outras. Seus advogados afirmaram no mesmo período que estavam avaliando como pretendem proceder.

Sheil disse que as alegações de Gifford sobre suas postagens são infundadas Christopher Lee/The New York Times

A questão nebulosa dos direitos autorais

Em janeiro, Gifford requereu e pagou os registros de direitos autorais de várias de suas publicações nas redes sociais, que ela afirma que foram copiadas por Sheil. Embora forneçam uma base para alegar infração, os registros não garantem propriedade de estilo, mídia ou mesmo semelhança. “Na verdade, são só um passaporte para o tribunal”, observou Rose Leda Ehler, advogada especialista em litígios do escritório Munger, Tolles & Olson, em Los Angeles, que acrescentou, em entrevista por telefone: “Se acho que isso vai chegar a julgamento ou se tornar um caso muito relevante no mundo dos direitos autorais e da lei de marcas? Não. Suspeito que haverá discussões fora do tribunal e que as partes provavelmente vão encontrar uma solução antes do julgamento.”

Casos semelhantes que chegaram ao tribunal tiveram um desfecho inesperado. Em 2018, o fotógrafo Jacobus Rentmeester processou a Nike, alegando que a gigante de artigos esportivos copiou sua foto de Michael Jordan para criar o logotipo Jumpman da empresa, usado na campanha do Air Jordan. A reivindicação foi rejeitada pelo Tribunal de Apelações do 9º Circuito dos Estados Unidos depois que a Nike argumentou que não havia usado a foto de Rentmeester, mas contratara outro fotógrafo para tirar uma foto semelhante. Os direitos autorais não protegem as ideias ou o esforço, só a expressão, explicou Ehler.

Um caso de uma década antes teve um desfecho diferente. Em 2005, o fotógrafo Jonathan Mannion processou uma agência de publicidade por usar uma versão modificada de uma foto que ele havia tirado em 1999 do jogador de basquete Kevin Garnett em um anúncio da marca de cerveja Coors Light. Mannion venceu o processo depois que o tribunal observou que a agência recriara a foto de Garnett imitando o ângulo, a pose, a composição e a iluminação.

Desde 1884, quando o primeiro caso de infração de direitos autorais envolvendo uma foto foi analisado pelo Supremo Tribunal – sobre um retrato de Oscar Wilde –, os juízes têm tentado encontrar a melhor forma de avaliar uma obra para esse tipo de infração. “Isso não é, de maneira alguma, matematicamente preciso”, disse Fromer.

Desde o processo de Gifford, Sheil continuou a compartilhar sua vida com seus seguidores. Recentemente, postou um vídeo sobre a compra de uma casa nova, mobiliada com um sofá branco de bouclé. Em agosto, Gifford anunciou sua primeira gravidez no Instagram, posando com um vestido bege. Ainda mantinha sua estética minimalista e em tons de bege.

c. 2024 The New York Times Company

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