Um guia básico para entender os fenômenos El Niño e La Niña e como eles afetam sua vida
Eventos são causados pelo aquecimento das águas do oceano Pacífico e alteram o clima do mundo inteiro
Tecnologia e Ciência|Henry Fountain
Se você acompanha a meteorologia — e quem não faz isso? —, de vez em quando ouve falar de El Niño e La Niña.
O homem do tempo explica que o primeiro pode deixar o inverno mais chuvoso — ou mais seco — e que o segundo, bem estabelecido, reforça a atividade da temporada de furacões. Mas, às vezes, não se ouve falar nem de um nem do outro.
Em 8 de junho, os cientistas da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica anunciaram que El Niño, já esperado, chegara. Os profissionais do Serviço Nacional de Meteorologia notaram as condições do fenômeno, que devem ficar mais fortes até o inverno setentrional, aumentando as possibilidades de mais calor, principalmente no norte dos EUA, no fim deste ano e no próximo.
Segue aqui um guia básico para ajudá-lo a entender o que estão falando — ou não.
1) O que são El Niño e La Niña, exatamente?
São fenômenos climáticos intermitentes que se originam na região equatorial do oceano Pacífico e geram efeitos amplos no clima do mundo inteiro. Estão relacionados entre si, sendo fases opostas do chamado El Niño-Oscilação do Sul (Enos ou Enso, em inglês), ou seja, nunca acontecem simultaneamente. Há diversas ocasiões também em que não há ocorrência de nenhum dos dois.
2) O que é Enos?
Enos é o padrão que descreve a variação de dois elementos no Pacífico equatorial: o primeiro, a temperatura de superfície do oceano, bem simples, no qual a maioria dos noticiários se concentra, porque basta uma pequena variação para que se forme El Niño. Já quando o caso é de resfriamento, temos La Niña. Se ela fica na média ou tem uma alteração insignificante — o chamado Enos neutro —, nenhum dos dois ocorre.
O segundo é a pressão atmosférica, detalhe um pouco mais complicado, pois se refere à diferença entre os valores da área ocidental e da oriental do oceano na região. Os cientistas usam as leituras a partir de Darwin, na costa centro-norte australiana, e do Taiti, mais de 8.000 quilômetros a leste. Quando a pressão atmosférica está abaixo do normal no segundo e acima dele no primeiro, as condições favorecem o desenvolvimento do El Niño; se for o contrário, o que pode surgir é La Niña.
Os dois componentes estão intimamente relacionados, e, se houver variações incongruentes, não se formará nem um nem outro. Por exemplo, se a temperatura da superfície oceânica for favorável ao desenvolvimento do El Niño mas as condições de pressão não, ele não surgirá.
3) Quais os motivos para a formação de um ou de outro?
Os cientistas não têm certeza do que exatamente dá início ao processo, mas de vez em quando as condições da pressão atmosférica mudam no Pacífico equatorial, afetando os alísios, que normalmente sopram do leste para o oeste e agem na superfície da água, aquecida pelo sol, movimentando-a. Se os ventos ganham força, como ocorre durante La Niña, o volume de água quente vai para o oeste e, no leste, a água fria e profunda sobe para substituí-la. Se enfraquecem, como ocorre durante El Niño, o fluxo rumo oeste é menor, com o Pacífico centro-oriental mais aquecido que o normal.
Uma massa imensa de água quente transfere um bocado de calor para a atmosfera por meio da convecção — ou seja, o ar aquecido e úmido sobe da superfície marinha e forma tempestades. Por sua vez, o calor afeta a circulação atmosférica, tanto na direção norte-sul como na leste-oeste. O local onde se dá esse fenômeno é importante: no El Niño ocorre no Pacífico oriental, uma vez que a água quente permanece ali; e, em La Niña, quando a região fica mais fria, a convecção acontece no oeste.
4) Quais são seus efeitos?
As mudanças na circulação atmosférica podem resultar em alteração do clima de diversas partes do mundo, ou aquilo a que os meteorologistas chamam de teleconexões. Boa parte delas está relacionada à posição das correntes de jato, ou ventos de grande altitude que varrem a Terra do oeste para leste.
No El Niño, a tendência é eles mudarem para o sul, o que pode gerar condições mais chuvosas e frias para boa parte do sul dos EUA e mais quentes para partes do norte do país. O fenômeno pode deixar a Ásia, a Austrália e o subcontinente indiano mais quentes e secos, bem como algumas áreas da África e da América do Sul.
Em La Niña, as correntes de jato seguem para o norte, o que propicia mais calor e condições de estiagem no sul dos EUA, e tempo mais frio e úmido em áreas do norte, principalmente no Noroeste Pacífico. Partes da Austrália e da Ásia também podem receber mais chuva que o normal. La Niña pode levar inclusive a mais furacões no Atlântico Norte porque geralmente há menos cisalhamento do vento, isto é, as mudanças de velocidade e direção que alteram a estrutura das tempestades ciclônicas durante sua formação.
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É importante notar que esses são apenas os efeitos típicos; às vezes, El Niño e La Niña não seguem os padrões esperados. E o critério da força também conta: um El Niño forte, por exemplo (medido pela diferença das temperaturas da superfície marinha, acima do normal), pode causar impactos maiores do que uma versão mais fraca.
5) Com que frequência eles ocorrem e quanto tempo duram?
Tanto El Niño como La Niña acontecem entre dois e sete anos, em média, sendo que o primeiro é ligeiramente mais recorrente que o segundo. Podem durar boa parte de um ano, embora de vez em quando se estendam além disso. La Niña, às vezes, se repete em sequência — ocorre, termina com o aquecimento da superfície marinha, que estimula as condições para o Enos neutro, e volta a se dar novamente com a nova queda das temperaturas.
6) Qual a origem dos nomes?
El Niño foi o primeiro a receber o nome dos pescadores sul-americanos que, no século 17, notaram o aquecimento das águas próximas da costa, geralmente por volta do Natal. Daí vem El Niño — ou "garoto" —, que, no contexto da data, simboliza o menino Jesus. La Niña veio depois, automaticamente, simplesmente como versão oposta (portanto, feminina) do primeiro fenômeno.
7) Como estão relacionados à mudança climática?
Os cientistas ainda não sabem que alterações El Niño e La Niña podem sofrer se o mundo continuar a esquentar por causa da emissão de gases de efeito estufa; alguns sugerem que episódios excepcionalmente fortes devem ocorrer com uma frequência maior que a atual, mas como ou se isso pode afetar os padrões de estiagem/chuva no mundo ainda é um mistério.
c. 2023 The New York Times Company
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