Lilian, Kaio, Sophia, Maria Eduarda e Alessandro vivem na estrada como nômades digitais
Arquivo pessoal Montagem: Letícia Sepúlveda / R7Antes mesmo da pandemia da Covid-19, a evolução da internet móvel já vinha mudando as possibilidades de trabalho a distância. Com a expansão do trabalho remoto ocasionado pelas questões sanitárias, foi preciso repensar as formas de trabalho, e o home office se tornou uma realidade na vida de muitas pessoas, sem prazo para terminar.
Ao mesmo tempo, alguns decidiram optar por outro modo de vida: o nomadismo digital. Para aqueles que gostam de sempre vivenciar novas experiências e ter uma rotina mais flexível, esse estilo de vida e de trabalho se mostrou muito vantajoso.
Para Miriam Rodrigues, professora do curso de Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos da Universidade Presbiteriana Mackenzie, “nada será como antes”.
“Já temos e teremos nos próximos anos mudanças profundas no que se refere à questão da presencialidade nos ambientes de trabalho em todas as áreas em que o teletrabalho se mostrar possível”, completa.
Em meio à crise sanitária, além de repensarem seu modelo de trabalho, muitas pessoas quiseram mudar seu estilo de vida. Em outubro deste ano, Lilian e Kaio, 27 anos, acompanhados de seu gatinho Thomas, entregaram as chaves do apartamento em que residiam em São Paulo e passaram a morar em uma Kombi.
“Esperamos nossa vez de tomar a vacina contra a Covid e, enquanto isso, adaptamos a Kombi. Depois de vacinados, começamos a viver na estrada”, conta Lilian. Ela é analista de viagens corporativas em uma empresa de tecnologia, e ele trabalha como desenvolvedor de sistemas em uma rede de farmácias. O casal trabalha com dois planos de internet nos celulares que podem rotear para os computadores.
“Estamos na estrada para fazer novas amizades, experimentar novos sabores e conquistar espaços e experiências. [...] A conquista da liberdade geográfica é um ponto crucial porque podemos escolher estar em vários lugares.”
Em um processo anterior à pandemia, o nomadismo digital também começou a fazer parte da vida de Alessandro, 37 anos, e de Maria Eduarda, 29 anos, casal que também partiu de São Paulo em janeiro de 2020 para viver na estrada.
"A gente sempre olhava para as nossas vidas e para as nossas carreiras como advogados e pensávamos: 'Será que é isso que queremos?'", explica Duda. "Inicialmente veio a ideia de passar pelo menos um ano viajando. Pensamos que, se não desse certo, poderíamos voltar para a vida de antes, mas depois de um mês na estrada percebemos que essa era a vida que
queríamos."
O casal viabilizou o projeto de viagem como um negócio rentável. Eles trabalham com produção de conteúdo para empresas, e seu projeto Get Out Side já conta com 117 mil seguidores no Instagram.
Alessandro e Maria Eduarda tinham o plano de ir de Ushuaia, a cidade mais austral do mundo, na Argentina, até o Alasca, nos Estados Unidos, de van. Mas foram surpreendidos pela pandemia quando ainda estavam no território argentino, onde passaram oito meses até iniciarem uma viagem pelo Brasil.
“A gente conseguiu conciliar um estilo de vida que nos dá liberdade para viajar com um projeto que antes era um hobbie, mas que hoje é nosso trabalho. Tudo o que conseguimos conhecer nesses últimos dois anos talvez tivéssemos que levar a vida toda na realidade da nossa vida antiga, com 30 dias de férias no ano”, conta Alessandro.
Sophia Costa, 27 anos, começou a descobrir o nomadismo em 2016, quando foi convidada para apresentar seu TCC (trabalho de conclusão de curso) em Berlim. O trabalho era uma exposição fotográfica sobre a importância do cabelo na construção da identidade da mulher negra.
Depois de sua primeira viagem internacional, ela entendeu que era possível viver em outros países sem precisar de uma residência fixa.
Com passagem por Moçambique, Argentina, Tailândia, Sérvia e Itália, hoje ela vive na Inglaterra, mas já adiantou que não será por muito tempo e que tem um novo destino pela frente.
Sophia é formada em Comunicação Social e trabalhava como freelancer na área de business intelligence de forma remota. Em julho deste ano, ela decidiu largar o emprego e começou a se dedicar integralmente à produção de conteúdo para redes sociais.
“O fato de eu poder escolher onde quero estar e o tempo que quero permanecer é a maior vantagem de todas, não tem preço que pague”, afirma.
“Vivendo como nômade digital existe a solitude, que é um estado em que você aprecia estar sozinho, e esse estar sozinha para mim é muito importante, é quando eu consigo me entender melhor”, conclui.
Para além das vantagens do nomadismo digital, a professora Miriam Rodrigues ressalta que esse estilo de vida e trabalho pode trazer muitos desafios. “Qualquer trabalho tem algum tipo de rotina, então o nomadismo pode trazer dificuldades na questão da autodisciplina e na organização do trabalho.”
“A instabilidade financeira também pode estar presente, além da questão da solidão, porque a presencialidade não consegue ser completamente atendida pelos recursos tecnológicos que temos hoje”, completa.
Sophia conta que é necessário estabelecer uma rotina: "Eu tenho muitas demandas, e sem isso não consigo trabalhar. A questão da autodisciplina é um grande desafio; já morei em lugares em que todos estavam de férias e em um ritmo completamente diferente do meu, que estava trabalhando”.
Lilian ressalta as dificuldades práticas que enfrenta cotidianamente ao viver em um veículo: “Todos os dias precisamos escolher um lugar seguro para conseguir dormir. Além disso, nós conseguimos tomar banho dentro da Kombi, mas conseguir um banho quente é uma raridade”.
Ela também ressalta a solidão: “Somos só eu e o Kaio, então a gente tenta evitar as discussões e fazemos chamadas de vídeo, mandamos fotos e mensagens para nossas famílias e amigos para tentar amenizar essa saudade, porque a estrada é muito solitária”.
Duda e Alessandro dizem que é importante fazer um planejamento financeiro e ter uma reserva para emergências, por causa das imprevisibilidades. “Na primeira semana da nossa viagem tivemos um problema no motor da van que gerou um gasto imenso. Se tivéssemos pouco dinheiro guardado, talvez nosso projeto tivesse acabado logo no começo”, conta ele.
Para Sophia, “é importante não romantizar o nomadismo. Eu entendi que não é para todo mundo, essa escolha exige flexibilidade e um pouco de desapego ao material”.