Os EUA e o resto do mundo disputam minérios para baterias
Conforme os países buscam fontes de energia limpas, o controle sobre os materiais necessários para a transição está em jogo
Tecnologia e Ciência|Ana Swanson, do The New York Times
Durante décadas, um grupo dos maiores produtores de petróleo do mundo manteve enorme influência sobre a economia dos EUA e a popularidade dos presidentes do país por meio de seu controle da oferta global de petróleo, com as decisões da Opep determinando o que os consumidores estadunidenses pagam pelos combustíveis.
À medida que o mundo muda para fontes de energia mais limpas, o controle sobre os materiais necessários para alimentar essa transição ainda está em disputa.
Atualmente, a China domina o processamento global dos minerais essenciais, que agora são muito procurados para a produção de baterias de veículos elétricos e o armazenamento de energia renovável. Em uma tentativa de garantir mais poder sobre essa cadeia de suprimentos, autoridades dos EUA começaram a negociar uma série de acordos com outros países para expandir o acesso dos americanos a minerais importantes como o lítio, o cobalto, o níquel e o grafite.
Mas ainda não se sabe quais dessas parcerias serão bem-sucedidas, ou se serão capazes de gerar algo próximo do fornecimento de minerais de que os Estados Unidos precisam para uma ampla gama de produtos, incluindo baterias para carros elétricos e para o armazenamento de energia solar.
Os líderes do Japão, da Europa e de outras nações avançadas, que se reuniram em Hiroshima, concordam que sua dependência mundial da China para mais de 80 por cento do processamento de minerais deixa as nações vulneráveis à pressão política de Pequim, que tem um histórico de manipular as cadeias de suprimentos a seu favor em tempos de conflito.
No sábado (20), os líderes do Grupo dos 7 reafirmaram a necessidade de gerenciar os riscos causados por cadeias de suprimentos minerais vulneráveis e de garantir fontes mais resistentes. Os Estados Unidos e a Austrália anunciaram uma parceria para compartilhar informações e coordenar padrões e investimentos, visando criar cadeias de suprimentos mais responsáveis e sustentáveis. "Esse é um grande passo, do nosso ponto de vista – um grande passo à frente em nossa luta contra a crise climática", disse o presidente Joe Biden no sábado, ao assinar o acordo com a Austrália.
Mas, descobrir como acessar todos os minerais de que os Estados Unidos precisam ainda será um desafio. Muitas nações ricas em minerais têm padrões ambientais e trabalhistas precários. E, embora os discursos no G-7 tenham enfatizado alianças e parcerias, os países ricos ainda estão essencialmente competindo por recursos escassos.
O Japão assinou um acordo sobre minerais essenciais com os Estados Unidos, e a Europa está no meio de uma negociação. Mas, como os Estados Unidos, essas regiões têm uma demanda substancialmente maior que a oferta para alimentar suas fábricas.
Kirsten Hillman, embaixadora do Canadá nos Estados Unidos, declarou em entrevista que os países aliados têm uma parceria importante no setor, mas que também são, em certa medida, concorrentes comerciais. "É uma parceria, mas é uma parceria com certos níveis de tensão. É um momento geopolítico econômico complicado. Estamos todos comprometidos em chegar ao mesmo lugar e vamos trabalhar juntos para isso, mas o faremos de uma maneira que também seja boa para nossos negócios. Temos de criar um mercado para os produtos que são fabricados e criados de uma forma que seja coerente com nossos valores."
O Departamento de Estado tem avançado com uma "parceria de segurança de minerais" com 13 governos, tentando promover o investimento público e privado em suas cadeias de suprimento de minerais essenciais. E as autoridades europeias têm defendido a criação de um "clube de compradores" de minerais essenciais com os países do G-7, o que poderia estabelecer certos padrões trabalhistas e ambientais comuns para os fornecedores.
A Indonésia, que é a maior produtora de níquel do mundo, lançou a ideia de se juntar a outros países ricos em recursos para formar um cartel de produtores, ao estilo da Opep, acordo que tentaria transferir o poder para fornecedores de minerais.
A Indonésia também se aproximou dos Estados Unidos nos últimos meses em busca de um acordo semelhante ao do Japão e ao da União Europeia. Autoridades do governo Biden estão avaliando se devem dar à Indonésia algum tipo de acesso preferencial, seja por meio de um acordo independente, seja como parte de uma estrutura comercial que os Estados Unidos estão negociando no Indo-Pacífico.
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No entanto, algumas autoridades americanas alertaram que os padrões ambientais e trabalhistas atrasados da Indonésia podem permitir a entrada de materiais nos Estados Unidos que prejudicam as minas nascentes do país, bem como seus valores. Tal acordo também deve desencadear forte oposição no Congresso, no qual alguns legisladores criticaram o tratado do governo Biden com o Japão.
Jake Sullivan, conselheiro de segurança nacional, sugeriu essas compensações em um discurso no mês passado, dizendo que seria preciso negociar com Estados produtores de minerais essenciais, mas que isso levantaria "questões difíceis" sobre as práticas trabalhistas nesses países e as metas ambientais mais amplas dos EUA.
Embora as inovações nas baterias possam reduzir a necessidade de certos minerais, o mundo até agora enfrenta uma escassez dramática de longo prazo, segundo todas as estimativas. E muitas autoridades afirmam que a dependência da Europa da energia russa depois da invasão da Ucrânia ajudou a ilustrar o perigo das dependências estrangeiras.
A demanda global por esses materiais está desencadeando uma onda de nacionalismo de recursos que poderá se intensificar. Fora dos Estados Unidos, a União Europeia, o Canadá e outros governos também introduziram programas de subsídios para competir melhor por novas minas e fábricas de baterias.
A Indonésia intensificou progressivamente as restrições à exportação de minério de níquel bruto, exigindo que ele seja processado primeiro no país. O Chile, grande produtor de lítio, nacionalizou o setor em uma tentativa de controlar melhor o desenvolvimento e a implantação de seus recursos, assim como a Bolívia e o México. E as empresas chinesas ainda estão investindo fortemente na aquisição de minas e na capacidade de refino em âmbito mundial.
Por enquanto, o governo Biden parece cauteloso em fazer acordos com países com registros trabalhistas e ambientais mais mistos. As autoridades estão explorando mudanças necessárias para desenvolver a capacidade dos EUA, como processos de licenciamento mais rápidos para as minas, além de parcerias mais estreitas com aliados ricos em minerais, como o Canadá, a Austrália e o Chile.
No sábado, a Casa Branca anunciou que planeja pedir ao Congresso que adicione a Austrália a uma lista de países onde o Pentágono pode financiar projetos de minerais essenciais, critérios que atualmente só se aplicam ao Canadá.
As nações do G-7 e os países com os quais os Estados Unidos têm acordos de livre-comércio produzem 30 por cento dos produtos químicos de lítio do mundo e cerca de 20 por cento de seu cobalto refinado e de seu níquel, mas apenas um por cento de seu grafite natural, de acordo com estimativas de Adam Megginson, analista de preços da Benchmark Mineral Intelligence.
Jennifer Harris, ex-funcionária da Casa Branca de Biden que trabalhou em estratégia de minerais essenciais, argumentou que o país deveria agir mais depressa para desenvolver e permitir minas domésticas, mas que os Estados Unidos também precisam de um novo marco para negociações multinacionais que incluam países que são grandes exportadores de minerais.
Ainda segundo ela, o governo também poderia criar um programa para estocar minerais como lítio quando os preços baixarem, o que daria aos mineradores mais garantia de que encontrarão destinos para seus produtos: "Há tanta coisa que precisa ser feita que este é um mundo de 'ambos/e'. O desafio é que precisamos extrair, com responsabilidade, muito mais minérios, e estamos atrasados."
c. 2023 The New York Times Company