A nossa esperança foi por água abaixo, diz pai de vítima de incêndio na boate Kiss, após soltura de acusados
Tribunal de Justiça concedeu liberdade aos quatro réus, que estavam presos desde janeiro
Cidades|Fernando Mellis, do R7
Após acompanhar a concessão da liberdade aos quatro acusados pela morte da filha dele, Adherbal Alves Ferreira, presidente da Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia na Boate Kiss, em Santa Maria (RS), disse estar envergonhado com o Poder Judiciário. A decisão de soltar os sócios da casa noturna — Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, e os integrantes da banda Gurizada Fandagueira, Marcelo dos Santos e Luciano Bonilha Leão — foi tomada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nesta quarta-feira (29), e repudiada por quem acompanhou a sessão.
Adherbal, pai de Jennefer Ferreira, disse que jamais esperava que os quatro acusados pudessem ser soltos.
— A nossa esperança, que nós tínhamos, foi por água abaixo. A Justiça agora nos mantém para um sentido de que não existe justiça neste País.
O relator do pedido de liberdade, desembargador Manuel José Martinez Lucas, alegou que os réus não apresentam riscos à sociedade e que, após quatro meses, o clamor público teria esfriado. Os outros dois desembargadores acompanharam o voto do relator. Parentes das vítimas que participaram da audiência ficaram revoltados com a decisão da Justiça. A mãe de uma jovem morta no incêndio chegou a gritar no momento do pronunciamento.
Os acusados estão presos na Penitenciária Estadual de Santa Maria, onde deverá ser encaminhado alvará de soltura. Eles são acusados de homicídio doloso qualificado e 636 tentativas de homicídio. O incêndio em janeiro deste ano deixou 242 mortos.
Para Adherbal, a decisão foi “uma vergonha”.
— [Soltá-los], simplesmente regrediu a questão psicológica nossa. É como se nossos filhos não valessem nada. Estamos fazendo um trabalho perfeito até agora, tentando recuperar as pessoas, só que agora a Justiça decretou o caos na cidade.
Ele também lamentou não poder ter se falado com os desembargadores.
— Nós não conseguimos, o nosso advogado de defesa, nenhuma maneira de eu me manifestar no tribunal. É ridículo, é uma vergonha, é péssimo para a sociedade. Isso demonstra uma impunidade para a sociedade.
Ele também disse que parentes e amigos das vítimas e sobreviventes não vão se conformar com a decisão da Justiça.
— Dá um desânimo, mas eu vou me reunir com os advogados e com o promotor e vamos reagir, sim. Não vamos deixar impune. A situação podre que eles queriam nos passar, eles conseguiram. Realmente, deixaram a situação da cidade péssima. A responsabilidade pelo que acontecer agora é toda do Judiciário.
Feridos
No último dia 19, Mariane Wallau Vielmo, de 24 anos, morreu. Ela foi a 242ª vítima do incêndio e estava internada desde 27 de janeiro, data da tragédia. Natural de Santiago, Mariane estudava Sistemas de Informação e trabalhava com informática em uma escola.
De acordo com a assessoria de comunicação, quatro vítimas do incêndio continuam internadas no Hospital de Clínicas, em Porto Alegre. Um paciente que havia recebido alta retornou para uma avaliação e a equipe médica achou melhor interná-lo de novo.
Incêndio
O incêndio dentro da boate Kiss no centro de Santa Maria, cidade a 290 km da capital, Porto Alegre, aconteceu na madrugada de 27 de janeiro.
O fogo começou porque, durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, um dos integrantes acendeu um artefato pirotécnico — uma espécie de fogo de artifício chamado "sputnik" — que ao ser lançado atingiu a espuma do isolamento acústico, no teto da boate. As chamas se espalharam em poucos minutos.
A casa noturna estava cheia na hora que o fogo começou. Cerca de mil pessoas estariam no local. O incêndio provocou pânico e muitas pessoas não conseguiram acessar a saída de emergência. Os donos não tinham qualquer autorização do Corpo de Bombeiros para organizar um show pirotécnico na casa noturna. O alvará da boate estava vencido desde agosto de 2012, afirmou o Corpo de Bombeiros.
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