Mãe de vítima da Kiss fala em falta de fiscalização
Elaine perdeu Marques Gonçalves, 33 anos, no incêndio de Santa Maria; seu outro filho, Gustavo, de 25 anos, sobreviveu
Cidades|Do R7
Na noite de sábado (26), Deivis Marques Gonçalves, de 33 anos, e o irmão, Gustavo, de 25, falaram com a mãe, Elaine, que iriam a uma festa na boate Kiss, no centro de Santa Maria, a cerca de 300 km de Porto Alegre. Às 9h, ela recebeu a notícia sobre a tragédia e ficou sabendo que perdera Deivis. Gustavo, resgatado com queimaduras pelo corpo e intoxicação respiratória, havia sido transferido para o Hospital de Pronto-Socorro de Porto Alegre, onde permanece internado no setor de queimados.
Deivis, enterrado na segunda-feira (28), é um dos 231 mortos identificados no ginásio Dr. Miguel Sevi Vieiro, que desde a manhã de domingo (27) foi transformado em velório coletivo. Torcedor fanático do Grêmio, ele tinha uma bandeira de dez metros do clube, contou a mãe do rapaz após o sepultamento.
— Eles iam ao jogo e se enrolavam naquela bandeira.
Deivis era atendente de farmácia e trabalhava havia três meses na loja da Panvel, uma rede do Rio Grande do Sul.
Segundo o gerente da farmácia, Marcelo Santos, "ele era um rapaz tímido, mas um excelente funcionário". Marcelo, que passou a manhã de segunda-feira (28) acompanhando o velório no ginásio, ao lado de amigos e parentes de Deivis, foi o responsável pela entrevista de recrutamento do atendente.
— O Deivis era um cara boa gente.
Nos últimos anos, a família passava por momentos difíceis. O pai de Deivis e Gustavo morreu há dois anos.
— E tem dois meses que morreu a avó deles, conta o tio, Luis Carlos Gonçalves, de 62 anos.
Morando com a mãe, Deivis era solteiro e não tinha o hábito de frequentar festas. Sua mãe, Elaine, contou:
— No sábado ele disse: 'mãe, nós vamos dar uma volta. Se não tiver bom, a gente volta logo'. Saiu de casa para se divertir e não voltou mais.
'Descaso'
Para ela, a tragédia ocorrida em Santa Maria é consequência da falta de fiscalização da prefeitura e do descaso com esse tipo de casas de shows.
— Saíram de casa arrumados, prontos para se divertir, e acontece uma coisa dessas. Isso é responsabilidade de quem?
Preocupada com o filho que está em Porto Alegre, depois de passar a madrugada ao lado do caixão de Deivis, Elaine explicava que o filho ferido tinha sofrido queimaduras no abdome, mas que essa queimadura não era o principal problema.
— O problema dele é que foi asfixiado com a fumaça.
Elaine reclama ainda da demora na identificação dos corpos. Alojados no domingo (27) em um dos pavilhões do ginásio, os corpos das vítimas aguardaram durante todo o dia para serem preparados.
— O Deivis só foi identificado às 4 da tarde.
Na segunda-feira (28), o sepultamento também atrasou. Marcado inicialmente para as 9h, foi adiado para as 11h, mas acabou acontecendo somente ao meio-dia, sob sol forte.
Menina risonha
Com o caixão ao lado do de Deivis, outra família sofria com sua perda. Natana Pereira Canto, que completaria 20 anos no próximo dia 1º de fevereiro, não conseguiu escapar do incêndio e morreu asfixiada.
Solteira, gostava de viajar e de cinema, conta o irmão Micael, de 24 anos. A mãe, Gorete, e o pai, Joel, eram amparados a todo o momento por amigos e familiares.
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Segundo a prima Eli Neves Canto, ela "era uma menina risonha, alegre". Ela esteve com Natana até perto da meia-noite, pouco antes de ela seguir com um amigo para a boate.
— Nós fomos jantar e depois ela me deixou em casa e foi para a Kiss. Ela adorava dançar.
Natana cursava o terceiro semestre da faculdade de direito da Unifra, de Santa Maria. Ela havia acabado de deixar o emprego de telefonista do fórum da cidade e se preparava para fazer um estágio em um escritório de advocacia, lembra Eli.
— Gorete vai sofrer muito com a perda da filha. Eram muito amigas.
Ao chegar na boate, Natana encontrou-se com outra prima, Daniele, de 22 anos. Quando o fogo começou, Daniele, que sofre de asma, conseguiu manter o controle e sair. Natana não teve tempo.