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Informante mexicano perdido na terra de ninguém

Luis Octavio Lopez Vega teve um papel fundamental no que foi considerado o maior caso de tráfico de drogas da história do México

Internacional|

Lopez afirmou que viveu durante mais de 10 anos discretamente no oeste dos Estados Unidos
Lopez afirmou que viveu durante mais de 10 anos discretamente no oeste dos Estados Unidos Lopez afirmou que viveu durante mais de 10 anos discretamente no oeste dos Estados Unidos (Almeida,Monica)

A previsão do tempo falava em tempestades de neve históricas na região, mas Luis Octavio Lopez Vega não tinha aquecimento em seu pequeno esconderijo.

Ladrões haviam fugido com os tanques de propano de seu trailer, estacionado à sombra de um enorme silo de grãos, próximo a um parque industrial abandonado. A ferrugem havia destruído o fundo de sua caminhonete, que ele raramente tinha coragem de dirigir, já que não possui nem carteira de motorista, nem seguro contra acidentes. Sua colite doía tanto que ele mal conseguia ficar em pé, consequência do burrito com refrigerante diet que consumia todos os dias no café da manhã. Lopez não trabalhava há meses e só tinha mais R$ 500 (250 dólares) nos bolsos.

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Se buscasse um abrigo, talvez fizessem perguntas sobre sua identidade que ele não gostaria de responder, e buscar a família poderia lhes trazer problemas com a lei.

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"Não dá pra viver assim, dia após dia indo a lugar nenhum", afirmou Lopez, de 64 anos, certa noite no inverno passado. "Sinto que estou correndo sem sair do lugar. Estou exausto, depois de tantos anos."

Lopez, que nasceu no México, afirmou em espanhol que viveu durante mais de 10 anos discretamente no oeste dos Estados Unidos, escondendo-se entre as ondas de imigrantes que atravessavam a fronteira naquele período. Assim como muitos de seus compatriotas, Lopez realiza uma série de serviços mal pagos, feitos por pessoas sem visto de permanência. Mas embora Lopez se esconda bem em meio a essa população em trânsito constante, com as mãos cheias de calos e roupas compradas em brechós, sua situação é muito mais complicada que a falta de visto.

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Lopez teve um papel fundamental no que foi considerado o maior caso de tráfico de drogas da história do México. O episódio que inspirou o filme "Traffic: Ninguém Sai Limpo", de 2000, colocou o exército mexicano contra a Administração de Combate às Drogas dos Estados Unidos (DEA). Durante os anos 1990, Lopez trabalhou bem perto de ambas as organizações. Ele era o conselheiro sênior de um general poderoso, considerado o czar do tráfico de drogas no México, mas também era informante da DEA.

Os dois mundos entraram em choque de forma grandiosa em 1997, quando o México prendeu o general Jesus Gutierrez Rebollo, acusado de colaborar com os traficantes. Enquanto Washington tentava entender as acusações, ambos os governos foram em busca de Lopez. O México o considerava um suspeito no caso, ao passo que a DEA o via como uma possível mina de ouro repleta de informações.

Os Estados Unidos o encontraram primeiro. Em segredo, a DEA ajudou Lopez e sua família a passarem pela fronteira, em troca de sua cooperação com as investigações.

As dezenas de horas de testemunhos de Lopez sobre as ligações entre o exército e os cartéis trouxeram consequências enormes, dando início a uma cadeia de eventos estonteante que levou o México a pedir ajuda dos Estados Unidos para capturar Lopez. Em seguida, Washington negou ter qualquer conhecimento sobre seu paradeiro e a DEA cortou do dia para a noite todos os laços com ele.

Desde então, esse marido reservado e pai de três filhos vive em fuga constante, tentando escapar de sua terra natal e abandonado pela nação que o acolheu. Durante mais de uma década ele carrega consigo informações secretas sobre como a guerra das drogas funciona por dentro.

Os Estados Unidos continuam a dizer que não sabem nada sobre seu paradeiro quando são pressionados pelas autoridades mexicanas, que ainda pedem ajuda para encontrá-lo, segundo um funcionário da polícia americana.

A princípio, o caso foi comandado pela DEA, cujos agentes não acreditavam que as autoridades mexicanas teriam informações reais contra seu informante. Outras agências americanas passaram a fazer parte do caso, temendo que o relacionamento da DEA com Lopez pudesse interferir na cooperação entre os dois países em relação a assuntos mais importantes.

"Não podíamos dizer ao México que estávamos protegendo aquele cara, porque isso afetaria a cooperação com diversos outros programas", afirmou um funcionário sênior aposentado da DEA, que esteve envolvido no caso, mas não tinha autorização para falar publicamente sobre um informante confidencial. "Por isso cortamos as relações e torcemos para que ele desse um jeito de se virar."

Essa é a dinâmica obscura que afeta a aliança entre Estados Unidos e México na guerra contra as drogas, que às vezes parece ser uma luta de olhos vendados. Embora os países estejam unidos pela geografia, nenhum dos dois confia plenamente no outro. A provação de Lopez – reconstituída a partir de relatórios secretos da DEA e entrevistas com ele, seus amigos, familiares e mais de 10 atuais e ex-policiais – demonstra porque a desconfiança mútua é justificada.

A falta de provas para condenar ou inocentar Lopez das acusações de corrupção arrasou o ex-informante, e sua existência como fugitivo se tornou uma bola de ferro atada aos pés da família, que só encontra em ocasiões raras. Todos demonstram sintomas de traumas emocionais, que vão de momentos de raiva a longos períodos de depressão, bebedeiras esporádicas e paranoia constante.

Durante diversas entrevistas longas, Lopez afirmou que não era culpado de qualquer crime. Ele afirmou que se recusa a se entregar às autoridades mexicanas porque acredita que será assassinado sem ter chance de um julgamento justo. Mas os anos de vida no anonimato o deixaram em uma situação praticamente tão sufocante quanto a de uma cela de cadeia.

Quase todas as manhãs começam no McDonald's, onde o café da manhã custa menos de dois dólares para idosos e a internet grátis permite que ele acompanhe os jornais mexicanos em seu velho laptop, enquanto sua mente revê todas as decisões que o levaram àquele ponto em sua vida.

"Arrisquei minha vida no México porque acreditava que as coisas podiam mudar, mas eu estava enganado. Nada mudou", afirmou Lopez. "Ajudei os Estados Unidos porque acreditava que se tudo desse errado, o governo iria me proteger. Mas estava errado de novo e por causa disso perdi tudo o que tinha."

O Departamento de Justiça e a DEA afirmaram que não poderiam comentar um caso envolvendo um informante confidencial. Contudo, o policial que recebeu alguns dos pedidos de ajuda do governo mexicano afirmou que Washington tentava ganhar tempo, na esperança de que as acusações fossem retiradas. Os Estados Unidos não fazem ideia se Lopez é ou não culpado, nem se as autoridades mexicanas desejam silenciá-lo, afirmou o oficial americano.

"Se dependesse de nós, faríamos esse caso desaparecer", afirmou. "Mas se o México decidir que quer a cabeça de Lopez, não sei se os Estados Unidos diriam não."

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