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Nascida do racismo, colônia alemã se mistura no Paraguai

De alguma forma, o assentamento abandonado pelos Forster sobreviveu com o pouco dinheiro

Internacional|Do R7

Guillermo Fischer é um fazendeiro descendente de alemães que vive na Nueva Germania, no Paraguai
Guillermo Fischer é um fazendeiro descendente de alemães que vive na Nueva Germania, no Paraguai TOMAS MUNITA

No ano de 1887, dois dos antissemitas mais famosos da Alemanha armaram acampamento em meio à remota floresta paraguaia, acompanhados por 14 famílias escolhidas com base em sua pureza racial.

O grupo formado por Bernhard Forster e sua esposa, Elisabeth, irmã do filósofo Friedrich Nietzsche, tinha um plano ambicioso: nada menos que estabelecer uma colônia a partir da qual um contingente avançado de arianos pudesse dominar todo o continente sul-americano.

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Porém, o continente tinha outros planos para essa nova pátria.


"Alguns conseguiram sobreviver", afirmou Lidia Fischer, de 38 anos, descendente loira de uma das primeiras famílias a chegar a Nueva Germania. Esses pioneiros enfrentaram doenças, safras perdidas, conflitos internos e a megalomania da família Forster, que comandava a colônia a partir de uma mansão elegante chamada Forsterhof.

"Alguns voltaram para a Alemanha", afirmou Fischer durante uma entrevista em sua propriedade rural, onde vive com o marido e os cinco filhos. "Outros se mataram."


O sonho acabou depois de apenas dois anos e, desde então, só restam as ruínas da mansão Forsterhof, onde havia uma placa que dizia "Acima de qualquer obstáculo, defenda o que é seu". Agora a floresta cresce ao redor dos restos carbonizados do antigo lar da família Forster.

Pouco tempo depois de fundar a cidade e criar sua missão de "purificação e renascimento da raça humana", Forster ficava cada vez mais desanimado com o progresso de Nueva Germania. Ele tomou uma mistura de morfina e estricnina, suicidando-se em 1889.

A esposa de Forster deixou o Paraguai em 1893 e retornou à Alemanha, onde passou seus últimos anos manchando a reputação do irmão. Embora Nietzsche ridicularizasse o antissemitismo e expressasse desdém nas correspondências com a irmã ao falar do caráter antissemita de Nueva Germania, ela reinventou o legado deixado pelo irmão após sua morte em 1900, transformando o filósofo em uma espécie de profeta da máquina de propaganda nazista.

De alguma forma, o assentamento abandonado pelos Forster sobreviveu com o pouco dinheiro que ganhava com o plantio de erva mate, cujas folhas são usadas no consumo de chimarrão e tererê, muito apreciados no Paraguai.

Isso seria um choque para seus fundadores, mas Nueva Germania fugiu completamente da missão de elevar a raça branca com a ajuda dos pioneiros arianos.

Embora ainda haja algumas crianças loiras correndo pela cidade, após gerações de miscigenação, boa parte dos 4.300 habitantes de Nueva Germania tem sobrenome alemão, mas é impossível distingui-los dos demais paraguaios. A língua dominante de Nueva Germania é o guarani, o idioma indígena mais falado no Paraguai; até mesmo as famílias que ainda respeitam as velhas tradições, falando alemão em casa, misturam o velho idioma com guarani e um pouco de espanhol.

Para descrever uma árvore alta no quintal, muito difícil de subir por ter poucos galhos, Fischer, descendente dos pioneiros de Nueva Germania, usou a expressão guarani "ka'i kyhyjeha", que pode ser traduzida como "o medo do macaco". "Guarani e alemão são muito diferentes", afirmou, "mas para nós a mistura funciona".

A pobreza é geral em Nueva Germania, o que torna a cidade diferente de outras colônias agrícolas fundadas por imigrantes europeus no Paraguai, como as cidades menonitas prósperas, onde se podem ver caminhonetes novas passando pelas ruas. Alguns descentes dos primeiros colonizadores alemães vivem da agricultura de subsistência, levando as colheitas de mandioca em carroças puxadas a cavalo.

Olhando para trás, parece absurdo que ideólogos vindos do outro lado do oceano tenham tentado realizar seus sonhos em um país tão pobre quanto o Paraguai. Mas esse não é único assentamento utópico da história desse país que não tem acesso ao mar, com um território do tamanho da Califórnia.

Embora não tenha eletricidade, o museu de um cômodo dá aos visitantes uma ideia simplificada das origens de Nueva Germania, centrando-se nas dificuldades que os colonos precisaram superar. O museu fica fechado na maioria dos dias e a chave da porta fica em poder de Waltraud Kuck, de 48 anos, que também é dona de uma pensão para crianças do interior que estudam na cidade.

"Não recebemos muitos visitantes", afirmou Kuck em uma tarde recente. "Um homem veio de Ciudad del Este não faz muito tempo e só queria falar alemão."

Longe da cidade, em casas de barro construídas ao lado de estradas de terra, alguns dos habitantes de Nueva Germania ficam reticentes quando são questionados a respeito da ideologia racista que levou seus ancestrais a virem para aquele local.

"Não gostamos de falar sobre isso", afirmou Brigitte Haudenschild, de 60 anos, na porta da casa onde cuida de seus pais. "A vida não é fácil por aqui, sabe?", acrescentou, contando que faz bolos e vende de porta em porta em Nueva Germania para poder comprar comida para os filhos.

Contudo, outras pessoas são mais claras em relação a seus pontos de vista.

"De acordo com especialistas, dizem que os alemães são o povo com melhor discernimento do mundo, seguidos dos coreanos, ou então dos japoneses", afirmou Guillermo Fischer, um agricultor de 40 anos. "Já os paraguaios ficam em ultimo lugar", acrescentou, ao lado da esposa paraguaia, Delia, de 28 anos, que não é descendente de alemães, mas aprendeu a falar o idioma com fluência.

A primeira leva de migrantes de Nueva Germania recebeu reforço nas décadas seguintes, após a chegada de outras famílias de origem alemã. Isso reflete a abertura do Paraguai à vinda de migrantes alemães desde o fim da Segunda Guerra Mundial, especialmente durante os 35 anos de ditadura do General Alfredo Stroessner, que era filho de um cervejeiro alemão.

Josef Mengele, o médico nazista que fez experiências com pessoas nos campos de concentração, fugiu para o Paraguai após a guerra e usou o próprio nome quando viveu em Hohenau, uma colônia agrícola alemã na divisa com Brasil e Argentina. Reza a lenda que ele chegou a passar por Nueva Germania, mas não há provas concretas de que isso seja verdade.

Elisabeth Forster-Nietzsche não viveu para ver o Paraguai abrigando criminosos de guerra nazistas, mas ela apoiou e aconselhou os nazistas até morrer aos 89 anos em 1935, quando Hitler realizou um enterro com honras de Estado.

Atualmente, a colônia é menos isolada do que já foi. A estrada que leva até a capital, Assunção, foi pavimentada, reduzindo para a metade as sete horas que eram necessárias para chegar até aqui de ônibus.

Depois que a mansão Forsterhof foi destruída em um incêndio, um dos poucos testemunhos da presença da irmã do filósofo é uma placa em uma rua tranquila.

Entretanto, o nome escrito na placa foi grafado "Elizabeth Nigtz Chen".

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