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Revelando um país sem mar

No Paraguai e não há uma sinalização de verdade nem mapas turísticos à venda

Internacional|Do R7

O padre vacilou um pouco ao subir os degraus do museu, que ficava no sótão de uma igreja em Itapé, no Paraguai, cidadezinha fundada originalmente como uma missão franciscana em 1672. Meu guia e eu o tiramos da siesta depois de bater palmas durante vários minutos – o que, por essas bandas, é o equivalente a bater na porta. Atrapalhado com as várias fechaduras e um molho com muitas chaves, finalmente ele nos abriu a porta e permitiu admirar os tesouros modestos, ordeiramente arrumados. Eu tive que ler as plaquinhas porque ele já não conseguia mais enxergar as letras miúdas: uma estátua de madeira de 1752 de São Boaventura, de braços abertos. Registros de batismo do século XIX. Cumbucas de metal usadas durante a Guerra do Chaco, contra a Bolívia, nos anos 30. Até que ele parou diante de uma batina preta, simples, pendurada numa viga de madeira. "Primeiro hábito do Padre Severiano Nelson Vega, abençoado pelo Monsenhor em 19 de março de 1958."

"Você sabe quem ele é?", ele me perguntou em espanhol, com um brilho repentino nos olhos. É claro que eu sabia: ele estava ali, na minha frente, 55 anos depois.

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Não foi surpresa encontrar artefatos religiosos ali ‒ afinal, Itapé é famosa pelo belo santuário, à margem do rio, da Virgen del Paso. E o vilarejo também é um exemplo perfeito do charme modesto, eclético (e frugal) da província de Guairá, uma área relativamente pequena (3.885 km quadrados) no sul do Paraguai, país sem mar, pobre e praticamente ignorado pelo resto do mundo – mas animado e fascinante.


"Os paraguaios se consideram inferiores em tudo", diz Romy Natalia Goldberg, a autora meio paraguaia e meio americana de "Other Places Travel Guide to Paraguay", um dos únicos guias disponíveis sobre o país, "mas têm orgulho de sua terra e da sobrevivência de sua cultura apesar dos constantes conflitos e do isolamento".

A afirmação de Goldberg me voltou à mente várias vezes ao longo da semana que lá passei, em abril. Guerras e ditaduras encolheram em mais de 60 por cento a economia nacional, reduziram a população e retardaram o progresso. Até mesmo o retorno à democracia tem se mostrado difícil – a recente eleição presidencial foi marcada por relatos de compras de votos – mas sua cultura consegue sobreviver, inclusive o guarani, idioma falado mais ou menos fluentemente por todos, mesmo os que não têm nenhum laço étnico com os índios de mesmo nome.


Esse patrimônio cultural rico e complexo aparece em toda a região: além da herança franciscana em Itapé, tem também Yataity, um vilarejo famoso no país todo graças ao seu bordado típico, o "ao po'i", e Colonia Independencia, um município onde o alemão é tão ou mais falado que o espanhol. Todos cercam a capital, Villarrica, com uma população de 55 mil habitantes e centro intelectual e comercial da província, onde me hospedei.

Na manhã seguinte à minha visita ao museu de Itapé, fui para Yataity, a 25,7 km de ônibus de Villarrica. A tradição do "ao po'i" começou quando, alguns anos depois de conquistar a independência, em 1811, José Gaspar Rodriguez de Francia, o líder/ditador do país, impôs uma política isolacionista, forçando o Paraguai a produzir suas próprias roupas e Yataity acabou se tornando o centro da indústria. Hoje ela se tornou uma cidadezinha idílica, com os artesãos vendendo suas peças em casas com telhado de sapê, carros e cavalos dividindo o espaço nas ruas e uma bela igreja e uma praça cheia de verde no centro.

Só que este é o Paraguai e não há uma sinalização de verdade nem mapas turísticos à venda, então fiz o que sempre faço quando estou meio perdido: pergunto onde posso comer alguma coisa. Uma mulher me ensinou como chegar a uma bela casa de tijolos onde uma roda de carroça antiga fazia as vezes de janela e onde, há pouco tempo, Isabel Casco decidiu abrir um pequeno armazém e servir refeições. Não havia placas, mas o estabelecimento estava aberto. Comi um bom prato de frango frito com mandioca por R$ 2,88 (seis mil guaranis).

A filha de Isabel, Alicia Narvaja, foi supersolícita e deixou de ir à faculdade, em Villarrica, para me levar para visitar os melhores artesãos da cidade, incluindo talvez a mais famosa: Digna Lopez, sua tia-avó de 87 anos, no ramo há 72. Ela nos mostrou o tear onde faz o tecido – coisa rara hoje em dia, já que o "ao po'i" agora é bordado à mão sobre o tecido industrial. Por esse motivo, suas peças são mais caras que a maioria das vendidas na região, mas também mais famosas; de fato, seu trabalho é vendido até no Museo del Barro na capital, Assunção.

No dia seguinte, para poder ir a vários lugares para os quais não havia ônibus, aluguei um táxi pelo dia todo: dez horas por R$ 144 (300 mil guaranis). O motorista, Julio Cesar Galeano, me pegou no hotel e lá fomos nós, sacolejando pelas estradas de terra vermelha, passando por fazendas e rebanhos rumo a Cerro Tres Kandu. Com 841 metros, é o maior pico do Paraguai, um país predominantemente plano. Galeano deve ter pedido informação para umas cinco pessoas até que finalmente o encontramos.

A trilha até o topo, bem conservada, com pouco menos de três quilômetros de extensão e uma elevação de apenas 442 metros da base ao pico, se mostrou surpreendentemente difícil. Tivemos que escalar vários trechos segurando nas raízes e cruzar vários riachos e fios d'água pulando nas pedras escorregadias. (Fiquei feliz de ter contratado um guia na agência de turismo de Villarrica para me acompanhar, por 50 mil guaranis; aqueles que viajam em grupo talvez não precisem.) Lá de cima, a vista provou valer todo o sacrifício, com planícies verdes cortadas por estradas de terra vermelha até onde a vista alcançava.

A próxima parada foi em Colonia Independencia, que recebeu um grande fluxo de imigrantes alemães, austríacos e suíços durante as duas guerras mundiais e, por isso, o alemão ali é falado com fluência e frequência.

Passamos por vários hotéis-fazenda alemães e paramos para almoçar no alemão El Mangal, cujas mesas externas estão dispostas à sombra de mangueiras enormes e cujo cardápio (em alemão e espanhol) oferece inúmeras variações de schnitzel e spaetzle. Galeano e eu dividimos o prato da casa (R$ 45/95 mil guaranis): bistecas de porco empanadas, filés na manteiga com ervas, salada de batata, espetinhos, um prato quente de spaetzle e batata frita. (Nossa garçonete paraguaia escreveu "Danke" ("Obrigado", em alemão) na conta.)

O meu hotel, na periferia de Villarrica, também era administrado por alemães, barato e maravilhosamente excêntrico: para se ter uma ideia, dentro do restaurante e da recepção, onde não parava de tocar rock alemão e sucessos dos anos 80 como "Too Shy", todas as paredes eram cobertas de relógios cuco e fotos de zepelins.

Passei algum tempo pela cidade também – e descobri que ela tem lá o seu charme, além de algumas belas igrejas, um museu mais ou menos organizado dentro de uma escola antiga muito bonita, um parque que abriga três capivaras preguiçosas e diversos restaurantes bem decentes com pratos da culinária local: lomito, surubi (peixe) e sanduíches.

Villarrica é grande a ponto de não se saber nunca o que pode acontecer – eu participei de uma "tallarinada", uma macarronada para arrecadar fundos para levar um grupo de escoteiros ao Chile, por exemplo – e pequena o suficiente para atrair a curiosidade dos moradores quando estranhos surgem por ali (e acabam sendo convidados para uma cuia de tererê, a bebida tradicional, feita de mate, que é servida gelada.) Em outras palavras, é um lugar bom para matar o tempo se o seu ônibus não vier, a montanha for alta demais ou o padre não atender às palmas.

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