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Os racistas e a Coca-Cola

Em 2000, a empresa doou mais de 100 milhões de reais para apoiar programas comunitários

Internacional|

Nova legislação de Nova York controlará quantidade de açúcar nos refrigerantes
Nova legislação de Nova York controlará quantidade de açúcar nos refrigerantes Nova legislação de Nova York controlará quantidade de açúcar nos refrigerantes (Paul Sakuma)

A oposição da divisão do Estado de Nova York da Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor (NAACP, na sigla em inglês) às restrições do prefeito nova-iorquino Michael R. Bloomberg aos refrigerantes pegou muitos norte-americanos de surpresa, mas não devia. Embora a organização alegue defender o direito de escolha do consumidor e os empresários de minorias, os quais, segundo ela, seriam prejudicados, também se trata de um favor a um aliado forte. A Coca-Cola deu apoio generoso às iniciativas da NAACP ao longo dos anos.

Porém, essa história não se resume à troca de favores. É o último episódio na longa e muitas vezes turbulenta história dos refrigerantes, Lei Seca e raça.

Embora seja amplamente conhecido que John Pemberton, farmacêutico de Atlanta, tenha inventado a Coca-Cola como uma espécie de remédio de venda livre, ela foi, na verdade, sua segunda bebida. A primeira, uma invenção de 1884 chamada French Wine Coca, era uma cópia de um popular vinho francês que continha cocaína. Porém, em novembro de 1885, bem na hora em que o produto começou a vender, Atlanta proibiu a comercialização de álcool.

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Em todo o país, o apoio à Lei Seca estava muitas vezes ligado ao desejo dos brancos nativos controlarem os católicos europeus, índios norte-americanos, asiático-americanos e, principalmente no Sul dos Estados Unidos, os afro-americanos, oferecendo uma desculpa para a política prender afro-americanos por bebedeira.

Pemberton passou a trabalhar numa "bebida da temperança" com os mesmos efeitos "medicinais", e lançou a Coca-Cola em 1886. Ao mesmo tempo, os balcões de bebidas gasosas das farmácias de Atlanta tornaram-se pontos de encontro da moda para brancos de classe média como alternativa aos bares. Misturada à gasosa, o preparado logo granjeou fama de "bebida intelectual" entre os brancos abastados.

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Eliminar o álcool somente propiciou uma folga temporária. Embora Asa G. Candler, que assumiu o negócio, houvesse mantido a fórmula em segredo, um jornal de Atlanta revelou em 1891 o que muitos consumidores – que chamavam o refrigerante de "droga" – já sabiam: a Coca-Cola continha cocaína.

Candler passou a comercializar a bebida como "refrescante" e não medicinal, e conseguiu sobreviver à controvérsia. Entretanto, a preocupação explodiu novamente depois que a empresa foi a pioneira com suas características garrafas de vidro, em 1899, tirando a Coca dos espaços segregados dos balcões de gasosa. Quem dispusesse de um níquel, branco ou negro, agora podia ingerir a bebida impregnada de cocaína. Os brancos de classe média temiam que os refrigerantes contribuíssem com o que viam como o uso explosivo de cocaína entre os afro-americanos. Os jornais do Sul noticiavam que "cocainômanos negros" estavam estuprando brancas, com a polícia sendo incapaz de detê-los. Em 1903, Candler se curvou aos temores dos brancos (e a uma onda de legislação contra narcóticos) removendo a cocaína e acrescentando mais açúcar e cafeína.

A fórmula da Coca-Cola não era a única coisa influencia pela supremacia branca. Durante as décadas de 1920 e 30, ela cuidadosamente ignorou o mercado afro-americano. O material promocional aparecia em locais segregados que atendiam as duas raças, mas raramente nos frequentados somente por afro-americanos.

Enquanto isso a Pepsi, segunda maior fabricante de refrigerantes dos EUA, tentava enfrentar a Coca com um produto mais adocicado vendido numa garrafa maior pelo mesmo preço. Ainda antes de 1940, o presidente liberal da Pepsi, Walter S. Mack, experimentou uma nova tática, contratando uma equipe de 12 afro-americanos para criar um departamento para "mercados negros".

No final da década de 1940, vendedores negros trabalhavam no Cinturão Negro do Sul e nas áreas urbanas negras do Norte, modelos negras apareciam em anúncios da Pepsi em publicações negras e mostruários especiais para os pontos de venda apareciam em lojas frequentadas por afro-americanos. A empresa contratou Duke Ellington como porta-voz. Alguns funcionários chegaram a circular declarações públicas racistas de Robert W. Woodruff, presidente da Coca.

A campanha foi tão bem-sucedida que muitos norte-americanos começaram a usar um epíteto racial para descrever a Pepsi. Em 1950, temendo uma reação adversa dos consumidores brancos, a Pepsi desativou o programa, mas a imagem da Coca e da Pepsi como bebidas "branca" e "negra" permaneceu.

Pouco depois, quem sabe percebendo o erro comercial em sua atitude, na surdina, a Coca começou a vender para afro-americanos. Por fim, parte da estratégia da empresa foi a de apoiar organizações afro-americanas, formando a base de seu relacionamento com a NAACP.

O peso histórico desse relacionamento veio à tona depois de caso de discriminação, em 1999, levado a cabo por empregados negros da Coca, que criou publicidade negativa para a empresa ao redor do mundo. Em 2000, a Coca fechou um acordo no valor de US$ 156 milhões e fez uma doação de US$ 50 milhões para a Fundação Coca-Cola apoiar programas comunitários.

Demorou, mas a nova direção funcionou. Hoje em dia, a divisão racial entre as fabricantes de refrigerante, até mesmo no Sul, é uma memória quase esquecida, e o setor se dá bem com um de seus maiores mercados demográficos, o dos afro-americanos.

É claro, a NAACP do Estado de Nova York pode ter uma reclamação legítima contra a restrição a refrigerantes como ameaça a empresas de minorias. E pode ser justo encarar a proposta, como alguns observadores insinuaram, como um exemplo de brancos de classe média tentando controlar o comportamento de minorias operárias, justamente como se deu durante a Lei Seca. Porém, para compreender a verdadeira história por trás dessa aliança inesperada, primeiro nós temos de compreender seus emaranhados históricos.

(Grace Elizabeth Hale, professora de história e estudos norte-americanos da Universidade da Virgínia, é autora mais recentemente de "A Nation of Outsiders: How the White Middle Class Fell in Love With Rebellion in Postwar America".)

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