Sem conclusões, morte de Nisman completa um mês
Promotor acusou presidente de acobertar suspeitos de atentados
Internacional|Ansa
Há um mês o governo argentino se vê diante de uma situação que parece saída de um romance policial.
O promotor Alberto Nisman, que investigava o atentado contra a Amia (Associação Mutual Israelita Argentina), em 1994, morreu uma semana depois de acusar a presidente Cristina Kirchner e alguns de seus colaboradores de acobertar o envolvimento de suspeitos iranianos no caso.
Nisman disse que as instruções para o acobertamento partiram da própria presidente e que os motivos eram comerciais, como intercâmbio de petróleo e grãos.
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Os responsáveis pelo ataque terrorista,que deixou ao menos 85 mortos e quase 300 feridos, nunca foram identificados ou julgados.
O Judiciário argentino acusou o Hezbollah, do Líbano, de ter cometido o crime a pedido do governo iraniano e investiga Ahmah Vahidi, suposto coautor ideológico do atentado; Mohsen Rabbani, mentor do ataque; e Ali Akbar Ashemi, ex-presidente iraniano (1989-1997), acusado de orientar o Hezbollah sobre ação.
Em princípio tratado como um caso de suicídio, investigações foram mostrando provas de que a morte de Nisman pode ser assassinato.
O corpo do promotor foi encontrado no banheiro de seu apartamento, no bairro de Puerto Madero, em Buenos Aires, com um tiro na cabeça.
Ao lado do cadáver, havia uma pistola de calibre 22, que, no entanto, não lhe pertencia. Um exame negou presença de pólvora na mão do promotor. Pouco antes de morrer, ele disse a um colaborador próximo que não confiava em seus seguranças. Para a presidente, o caso "se constitui um verdadeiro escândalo político e jurídico".
Ainda de acordo com Cristina, todas as provas contra o envolvimento de seu governo no caso da Amia foram "plantadas".
"Usaram o procurador Nisman apenas para denunciar algo que sabiam que não tinha sustento e que não perduraria. Usaram-no vivo e depois precisaram dele morto. É triste, terrível", concluiu.
Em entrevista à ANSA, o professor de Relações Internacionais da UNILA (Universidade da Integração Latino-americana), o argentino Felix Pablo Friggeri, disse acreditar que seja pouco provável que a presidente esteja envolvida no episódio.
Segundo ele, seria muito ingênuo encomendar a morte do promotor neste momento, pois "isso com certeza se voltaria contra o governo, o que poderia ser uma motivação para alguém da oposição realizar o crime".
Ele ainda destacou que, diante do episódio, Buenos Aires mudou sua postura. Poucos dias depois falar em suicídio, Cristina disse acreditar que se trata de um assassinato.
"O governo, por experiência, foi melhor quando tomou a iniciativa, não ficou na ofensiva", apontou. A estratégia parece ter funcionado, pois a popularidade da presidente não registrou queda nos últimos dias apesar de novos fatos suspeitos serem divulgados quase diariamente pelos jornais locais.
Comunidade judaica
A Argentina é o país latino-americano com o maior número de judeus, são cerca de 300 mil diante dos 100 mil no Brasil. Friggeri lembra que a comunidade "é muito fragmentada", no entanto, e que o governo kirchnerista é mais próximo de outras associações.
"A Amia, tida como a mais importante entre as associações, não representa todos os judeus, mas sim os mais ligados aos sionistas", acrescenta.
"Esse grupo está muito ligado aos Estados Unidos e a Mossad, ao Estado de Israel. E esta não é a linha política que o governo abriu de diálogo com Oriente Médio e o mundo islâmico, a linha geral dos governos da América Latina".
Desta forma, a maioria da dirigência judaica está mais bem aliada com a oposição. Friggeri ainda relembrou que a hipótese do envolvimento dos iranianos é apenas mais uma entre as diversas linhas de investigação.
"A outra linha, que tem a ver com setores sírios, vinculados possivelmente ao ex-presidente Carlos Menem, é a que saiu da investigação e ficou praticamente marginal, sobretudo diante da atuação do juiz responsável pelo caso anterior, Juan José Galeano, que está sendo processado".
Menem, que governou o país de 1989 a 1999, foi processado em 2009 por obstruir as investigações do atentado. Também foram processados Munir Menem, irmão do ex-presidente e assessor presidencial durante sua gestão, e o ex-titular da Side (Secretaria de Inteligência de Estado) Hugo Anzorreguy.
"É complexo um esclarecimento agora, depois de tantos anos. Sem dúvidas, primou o tema politico sobre a vontade de esclarecimento", apontou o acadêmico.
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