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Três vivas para o Estado babá

Medidas intervencionistas colocam em xeque tradicional livre-arbítrio norte-americano 

Internacional|Do R7

A liberdade de comprar um refrigerante bem grande em Nova York está em risco. Muitas pessoas temem que este é apenas o começo de outras proibições
A liberdade de comprar um refrigerante bem grande em Nova York está em risco. Muitas pessoas temem que este é apenas o começo de outras proibições

Por que houve tanto fuzuê por causa da tentativa da cidade de Nova York de impor a proibição aos refrigerantes ou, mais precisamente, a proibição às "bebidas açucaradas" grandes? Afinal, as pessoas ainda podem comprar todo o refrigerante que quiserem. Não se trata da Lei Seca. É que para adquiri-lo seria necessário um pouquinho mais de esforço. Então, por que isso é importante?

Obviamente, a questão não é o refrigerante. É porque tal proibição sugere que, às vezes, nós precisamos ser impedidos de fazer tolices e isso se tornou altamente polêmico na política norte-americana contemporânea, por mais trivial que seja o assunto. (Copos grandes de refrigerante como símbolos da dignidade humana? Sério?)

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Os norte-americanos, até mesmo os que costumam apoiar a intervenção governamental em nossas vidas cotidianas, têm uma resposta automática a ouvir ordens, e ela não é positiva. Foi esse desejo comum de ser deixado em paz que levou os legisladores do Mississippi a aprovarem, neste mês, a proibição às proibições – uma lei que proíbe os municípios de baixar restrições locais sobre comida ou bebida.


Nós temos uma visão de nós mesmos como seres racionais livres e totalmente capazes de tomar todas as decisões de que precisamos para criar uma vida boa. Deem-nos liberdade completa e, a não ser que ocorram desastres naturais, terminaremos onde queremos estar. É uma visão bacana, que nos faz ter orgulho de nós mesmo. Só que ela é falsa.

John Stuart Mill escreveu, em 1859, que o único motivo justificável para interferir na liberdade de ação de alguém era para impedir danos a terceiros. Segundo o "princípio do dano", quase nunca deveríamos impedir comportamentos que somente afetam as próprias pessoas, pois elas sabem o que desejam.


Aquele "quase", porém, é importante. Mill argumentou que é justo nos impedir quando estamos agindo por ignorância e fazendo algo que viremos a lamentar. De acordo com ele, pode-se impedir uma pessoa de cruzar uma ponte partida porque se pode ter certeza de que ninguém quer despencar no rio. Mill só não achava que isso deveria acontecer com muita frequência.

Entretanto, Mill estava errado em relação a esse aspecto. Muitas vezes temos uma boa ideia de aonde queremos ir, mas uma ideia muito horrível de como chegar até lá. Agora já está consagrado que muitas vezes não pensamos muito claramente na hora de escolher as melhores maneiras de alcançar nossos fins. Nós cometemos erros. Isso tem sido objeto de uma quantidade enorme de estudos ao longo das últimas décadas, e o identificado é que todos nós estamos propensos a erros de cálculo identificáveis e previsíveis.

Pesquisa efetuada por psicólogos e economistas comportamentais, incluindo Daniel Kahneman, vencedor do prêmio Nobel, e seu parceiro de pesquisa Amos Tversky, identificou diversas áreas nas quais nós temos uma tendência razoável ao fracasso. Eles chamam essa tendência de "viés cognitivo" e existem muitas delas – um monte de formas pelas quais nossa própria mente nos engana.

Por exemplo, nós sofremos de um viés otimista; isto é, costumamos pensar que, por mais provável que uma coisa ruim aconteça com a maioria das pessoas em nossa situação, existe uma probabilidade menor de acontecer conosco – não por nenhum motivo em particular, mas porque somos irracionalmente otimistas. Por causa de nosso "viés presente", quando precisamos dar um passo pequeno e fácil para viabilizar um bem futuro, nós fracassamos, não porque decidimos ser uma ideia ruim, mas porque procrastinamos.

Nós também sofremos com o viés do status quo, o que nos faz valorizar o que temos em vez das alternativas, simplesmente porque já as temos – o que pode, é claro, nos fazer reagir de forma ruim a novas leis, até mesmo quando elas são uma melhoria de fato sobre o que já possuímos. E não para por aí.

A questão crucial é que, em algumas situações, é simplesmente difícil para nós levarmos em consideração a informação relevante e escolher de forma adequada. Não chega exatamente a ser a simples ignorância de que Mill falava, mas acontece que nossas cabeças são mais complicadas do que ele imaginava. A exemplo do cara prestes a pisar no buraco da ponte, nós necessitamos de ajuda.

É sempre um erro quando alguém comete uma imprudência, se, neste caso, uma pessoa decide enxugar 950 ml de refrigerante? Não. Para algumas pessoas, essa é a escolha certa. Elas não se preocupam muito com a saúde, não são muito de beber refrigerantes grandes ou simplesmente adoram beber um monte de refrigerante de uma vez.

Contudo, as leis devem ser suscetíveis às necessidades da maioria, o que não quer dizer que as leis deveriam espezinhar os direitos da minoria, mas que o benefício público é uma preocupação legítima, mesmo quando pode causar inconvenientes.

Então quer dizer que as leis impedirão algumas pessoas de fazer o que desejam? Provavelmente – e, sim, em muitos casos é complicado fazer parte de uma sociedade governada por leis, pois estas não foram criadas individualmente para cada um de nós. Há quem consiga dirigir com segurança a 140 km/h, mas somos obrigados pelas mesmas leis que as pessoas que não conseguem, pois leis de velocidade individual são impraticáveis. Abrir mão de um pouquinho de liberdade é algo com que concordamos quando aceitamos viver numa sociedade democrática governada por leis.

A liberdade de comprar um refrigerante bem grande, num copo só, é algo que podemos perder. Para a maioria, dado o desejo por saúde, existe um ganho líquido. Para alguns, sim, é um perda enorme. Porém, não é exatamente uma perda.

Logicamente, as pessoas temem ser este apenas o começo: hoje é o refrigerante, amanhã é o cara atrás de você obrigando-o a comer brócolis, passar fio dental e assistir ao noticiário da TV pública todo dia. O que isso não leva em conta é que leis paternalistas bem-sucedidas são feitas com base na análise de custo-benefício: se doer demais, não é uma lei boa. O governo tem recursos para executar essa análise, da mesma forma que agora estabelece padrões para a fabricação de automóveis levando em consideração a necessidade de não ser caro demais e o desejo de segurança.

Nós nos importamos tanto assim com nossa saúde a ponto de querermos ser forçados a fazer aeróbica todo dia e não comer mais carne, açúcar e sal? Não. Mas, neste caso, é refrigerante extra. Cancelar uma lei com base no argumento de que ela pode levar a leis piores poderia resultar em não termos nenhum tipo de lei.

Antigamente, costumávamos culpar as pessoas que agiam de forma imprudente e afirmar que, como suas escolhas ruins eram culpa delas, elas mereciam sofrer as consequências. Agora vemos que esses equívocos não são função de uma personalidade ruim, mas de nossa herança cognitiva. A reação adequada não é culpar, mas o impulso em ajudar o outro.

É isso que o governo deveria fazer, nos ajudando a chegar aonde queremos ir. Nem sempre vale a pena intervir, mas, às vezes, quando o custo é pequeno e o benefício, grande, vale. É por isso que existem prescrições para medicamentos. E é por isso que, por mais irritante que possa parecer a princípio, as regras sobre os refrigerantes são uma boa ideia. É difícil abrir mão da ideia de nós mesmos como totalmente racionais. A sensação é a de perdermos um pouco da dignidade. Contudo, é assim mesmo que funciona, e não existe dignidade em agarrar-se a uma ilusão.

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