Abusos no metrô: vítimas podem desenvolver dificuldades para se relacionar e transtornos
Para terapeuta, comportamento do abusador está associado a um quadro compulsivo
São Paulo|Ana Cláudia Barros, do R7
A discussão sobre abuso sexual nos transportes públicos ganhou fôlego na semana passada, após a detenção de cinco suspeitos de assédio no metrô e em trem da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e a denúncia sobre a existência na internet de grupos de “encoxadores”. O R7 conversou com especialistas em sexualidade para tentar compreender o que está por trás do comportamento dos molestadores e o que esse tipo de violência pode representar para a vítima.
De acordo com o psicólogo e terapeuta sexual Angelo Monesi, as consequências para quem sofre o abuso nem sempre são superficiais. A sensação de ter a privacidade invadida pode ser traumática.
— Muitas [vítimas] têm alterações da noção corporal. Então, toda vez que alguém a toca de uma maneira que pode ser carinhosa, aquilo se torna algo difícil. Algumas desenvolvem TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) em relação à limpeza [...] É como se, por exemplo, onde o abusador pôs a mão, passasse a ser um lugar que está sempre sujo. Então, a pessoa fica limpando, esfregando, como se tentasse tirar a mão do abusador dali. Às vezes, até esfolando a pele.
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Para a sexóloga e psicóloga Carla Cecarello, a experiência de ser molestada pode também mudar a forma como a mulher encara a figura masculina.
— É uma mulher que pode, com isso, passar a ter dificuldades no seu relacionamento, ter ódio da figura masculina, principalmente, se ela já vem de um relacionamento que não está bem. Também pode ser um tipo de mulher que passa a ter dificuldade em relação ao desejo sexual, comprometimento da autoestima [...] É vítima e se sente culpada. A sociedade massacra muito a mulher em relação a isso, como se ela não pudesse sair com uma saia curta, ter cabelo longo e prendê-lo porque isso “facilita a vida dos estupradores”, o que é um absurdo.
Já em relação à maneira de agir do abusador, Monesi explica que está associada a um quadro compulsivo.
— É um perfil compulsivo. É uma pessoa que sabe que está fazendo alguma coisa errada no sentido social, mas que não consegue se controlar. É o que chamamos de frotteurismo, que é o hábito de se esfregar em pessoas, aproveitando de situações como esta [no transporte público], por exemplo.
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Carla Cecarello também avalia que existe por parte do agressor uma dificuldade em lidar com regras sociais. A sexóloga diz que, na visão dele, a mulher é “somente um objeto de desejo”.
— São homens que colocam a mulher em uma posição de objeto sexual e não levam em consideração o perfil dela como pessoa provida de sentimentos, pensamentos e sensações.
O terapeuta, por sua vez, entende que não há um desprezo em relação ao outro, mas uma valorização, por parte do agressor, da própria vontade. “Uma forma de pensar promíscua”, destaca o especialista em sexualidade.
— O importante é tirar vantagem da situação. “Essa menina está com roupas mínimas e está querendo chamar a atenção. Vai atrair um machão como eu, que vai dispor, vai usar”. Só que esse sujeito tem um raciocínio muito primitivo.
Segundo Monesi, o abusador “procura uma pessoa que ele pensa que tem a possibilidade de facilitar, de favorecer ou até permitir o assédio”.
— É como um leão olhando um grupo de animais que ele vai atacar. O leão vai sempre procurar atacar a vítima que está mais distraída, que não está prestando muito atenção.
Muitas vezes, explica o terapeuta sexual, tem a ver com a forma como o agressor interpreta a maneira de a vítima se vestir.
— Uma camiseta mais mínima, de alça pode ser vista como “ela está usando uma roupa que favorece olhar, cobiçar”. Isso para eles são interpretações de sinais de que a pessoa está mais disponível, baseadas em conceitos machistas.
Histórico
Na análise da sexóloga e psicóloga Carla Cecarello, a dificuldade de relacionamento com a figura feminina também pode estar na entrelinha do comportamento do agressor.
— Ele não consegue se aproximar de uma mulher para desenvolver um vínculo afetivo com ela. Então, só consegue tratá-la como um objeto de saciação do seu próprio prazer, não se importando com os riscos sociais que isso pode causar a ele.
O histórico do “transgressor compulsivo na questão sexual” deve ser considerado, conforme enfatiza Angelo Monesi.
— Algumas vezes, ele tem um histórico de ter sido abusado, por isso ele está abusando. Ou tem um histórico de violência familiar. “Já que o mundo não me deu aquilo que eu queria, agora, vou tomar à força aquilo que eu quero”. Estão reproduzindo isso na sociedade. Acham que têm o direito de fazer, porque foram vítimas.