Acusação pede réplica e diz que 85% das vítimas foram atingidas na cabeça no massacre do Carandiru
Promotor questionou falta de visibilidade relatada pelos réus durante interrogatório
São Paulo|Vanessa Beltrão, do R7
A Promotoria que atua no caso do massacre do Carandiru pediu réplica por volta das 17h deste sábado (20), durante debate com a defesa dos 26 policiais que vão a júri popular pelo assassinato de 26 detentos. Durante sua fala, o promotor Márcio Friggi insinuou que a argumentação da defesa “é conversa mole” e que, em nenhum momento, a acusação quis individualizar a culpa dos réus, mas sim a ação coletiva.
— Ninguém é criança, moleque para acreditar em conversa mole.
Ele voltou a explicar que o teor da denúncia é por “excesso criminoso”, pelos policiais terem entrado armados e disparado contra os presos alojados no interior das celas ou em trânsito nos corredores.
— A denúncia é de concurso de pessoas. O Ministério Público não faz acusação irresponsável.
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Nas palavras do promotor, se sempre for necessário individualizar a culpa, não terá como “punir no Brasil massacre e chacina”.
Questionando a falta de visibilidade dita pelos réus durante a fase de interrogatório, Friggi destacou que 85% das vítimas foram atingidas na cabeça e no pescoço.
Durante seus interrogatórios, os réus afirmaram que a energia elétrica dentro da antiga Casa de Detenção de São Paulo havia sido cortada e, com isso, eles teriam ficado dependentes da luz do dia. Os policiais disseram que chegaram a atirar, mas não viram se haviam atingido alguém.
Enxerto de Mentiras
Para a promotoria, a história relatada pelos acusados de que houve “um confronto” e por isso eles revidaram com tiros é um “enxerto de mentiras”, um “balaio de gatos”.
— Se insere no meio do discurso, situação para legitimar comportamento, legitimar mentira.
Ainda segundo Friggi, a versão dos detentos que sobreviveram é compatível com a prova pericial. Para reforçar a sua afirmação, ele citou o depoimento do perito criminal Osvaldo Negrini Neto, ouvido na última segunda-feira (15) durante o julgamento. O perito afirmou que tiros foram disparados da soleira da porta das celas para dentro e que não houve disparos na direção oposta.
Confronto Balístico
A promotoria também comentou a prova de confronto balístico (exame que determina de quais armas partiram os tiros). Em 1992, essa prova não pôde ser realizada pelo IC (Instituto de Criminalística) que, na época, alegou "inviabilidade".
De acordo com Friggi, como as armas dos policiais militares não foram apreendidas no dia do massacre, 2 de outubro de 1992, elas não foram preservadas.
E provocou a defesa que insistiu no exame desde o episódio.
— Produzir uma prova inútil que não vai nos levar a nada.
O promotor ainda comentou sobre a atuação de um dos réus, Sidnei Serafim dos Anjos, que já trabalhou na reserva de armas e foi punido após ser flagrado exalando forte teor de álcool.
Em tom de ironia, comentou o fato.
— Esse é o nosso herói, vai trabalhar bêbado na reserva de armas.
Ficha suja
Na parte final da sua argumentação, o promotor Márcio Friggi tentou motivar os jurados a condenarem os réus falando sobre as fichas desses PMs. Os 26 policiais militares que estão sendo julgados nesta semana são acusados do assassinato de 15 detentos no segundo pavimento do pavilhão nove da Casa de Detenção de São Paulo.
Em seu discurso, Friggi deu detalhes sobre outras acusações que pesam sobre esses PMs. Segundo o promotor, de todos os réus, apenas três não tinham acusações de homicídio em seus currículos. Um dos acusados, Paulo Estevão de Melo, tem 23 acusações de homicídios na sua ficha, além da denúncia do Carandiru.
Friggi também forneceu as informações sobre as vítimas para os jurados. O promotor quis ressaltar que, no segundo pavimento, estavam pessoas presas por pequenos delitos e até detentos que já tinham direito ao regime aberto e semiaberto.
— Ninguém está nem aí para essas pessoas, mas eu estou. A lei também deveria ter sido aplicada para quem cumpria sua pena.
Ao final da sua argumentação, o promotor disse que o “Ministério Público está absolutamente tranquilo e que foi honesto do primeiro minuto de exposição ao último".
Tréplica
Durante a fase da tréplica, a advogada de defesa, Ieda Ribeiro de Souza, não trouxe nada de novo. Ela pediu a absolvição usando os argumentos de que os réus estavam cumprindo o estrito dever legal, agiram em legítima defesa e também ressaltou que não há como se ter a individualização de conduta, por tanto, não seria possível condenar.
A defensora também voltou a comentar os ataques da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) a policiais civis e militares em 2006, para mostrar aos jurados que os PMs também podem ser vítimas. Segundo Ieda, na ocasião, 29 PMs que estavam em serviço foram assassinados e 86, que não estavam trabalhando, também foram mortos.
— Quando esses homens choram por seus companheiros, eles fazem porque ninguém mais faz.
Ela também afirmou em plenário que pediu a extensão de recurso que absolveu o comandante da tropa de choque da Polícia Militar, coronel Ubiratan Guimarães, aos 26 réus, mas o recurso foi negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Guimarães chegou a ser condenado a a 632 anos de prisão, mas depois foi absolvido.
A advogada também voltou a questionar o laudo do perito Osvaldo Negrini, ouvido durante o julgamento na última segunda-feira (15). No documento, ele afirma que foram 45 corpos encontrados no hall de acesso do segundo pavimento, porém os PMs que ocuparam esse local respondem por 15 mortes. A defensora quis demonstrar essa diferença para descaracterizar o trabalho do perito.