Água de esgoto pode se tornar potável após tratamento, explica especialista
Procedimento pode ser mais barato e vantajoso do que trazer água "limpa" de longe
São Paulo|Ana Cláudia Barros, do R7
O anúncio do governador Geraldo Alckmin, nesta quarta-feira (5), sobre a construção de duas estações para a captação de esgoto com a finalidade de transformá-lo em água de reúso provocou dúvidas na população. Um dos pontos questionados é quanto à qualidade da água. Para esclarecer melhor o tema, o R7 conversou com o professor da faculdade de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo) e coordenador de projetos do Cirra (Centro Internacional de Referência em Reúso de Água), José Carlos Mierzwa.
Mierzwa enfatiza que a prática do reúso potável é realizada em vários países, como Estados Unidos e Austrália. De acordo com ele, no Brasil, há uma resistência da população à ideia.
— A Austrália passou por um problema similar ao nosso de seca há alguns anos. E lá implantaram programas de reúso para fins potáveis. Funciona bem. A questão principal é como as pessoas vão aceitar isso. Na verdade, elas dissociam do que é feito com o esgoto. A água é sempre reutilizada. Ela é sempre a mesma. Nunca muda. O que acontece é que há alguns processos naturais que permitem recuperar a qualidade dela. Só que isso demora muito tempo. Temos hoje, de forma artificial, meios de usar tecnologia para acelerar esse processo.
Confira os principais pontos abordados na entrevista:
Proposta do governo: "A ideia é pegar as estações de tratamento de esgoto e fazer o tratamento convencional e, adicionalmente, utilizar outras tecnologias, como, por exemplo, osmose reversa, que é um sistema usado para fazer a dessalinização da água do mar. Obviamente, que tem que haver todo um acompanhamento rigoroso da operação para assegurar que a qualidade da água estará adequada".
Qualidade da água: "A água tem que ser segura, porque há uma legislação do Ministério da Saúde que as companhias de abastecimento precisam atender".
Esgoto pode ser tratado: "Independentemente de fazer o tratamento para reúso, como está sendo proposto, o que é importante é fazer tratamento de esgoto [...] Com uma técnica de tratamento de esgoto mais adequada, há uma melhora significativa da qualidade do rio Tietê, que tem uma vazão também significativa."
"Parte dessa crise que há hoje vem do fato de muitas cidades próximas de São Paulo não poderem usar água do rio Tietê, que antes elas usavam. Quando elas deixaram de usar, o que aconteceu? Foram buscar as mesmas fontes que estão sendo trazidas aqui, para São Paulo [...] Associe esse fato à estratégia de gestão que tem sido adotada, que é trazer água limpa de cada vez mais longe. Ela está ficando muito mais cara do que usar tecnologia avançada de tratamento, ou seja, estamos gastando muito mais hoje para trazer uma quantidade pequena de água limpa para atender à demanda do que gastaríamos se fosse feito um investimento mais significativo no tratamento de esgoto, visando o reúso ou, então, a melhoria da qualidade do rio, que indiretamente viabilizaria o reúso".
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Brasil já faz reúso "não planejado": "Na verdade, o que as pessoas acabam não imaginando é que no Brasil também acontece o reúso, só que de maneira inconsciente. Por exemplo, temos a água que vem para cidade e volta como esgoto. Como a maior parte dos municípios do País não tem sistema de tratamento de esgoto adequado, para onde a água vai? Vai para os rios. E estes rios acabam formando os reservatórios, que são usados para o abastecimento".
"O rio Tietê, na região metropolitana de São Paulo, é extremamente poluído. Só que, naturalmente, ele recupera um pouco da qualidade quando chega mais para o interior, depois de Barra Bonita. Naquela região, várias cidades captam água do rio Tietê para abastecimento público. Ninguém associa. As pessoas acabam não ligando de onde a água vem e para onde o esgoto vai. O esgoto vai para o rio e acaba inviabilizando o uso dele próximo, mas, depois, há os processos de recuperação natural do rio. A prática de reúso planejado que se pretende é acelerar esse processo de recuperação. Usando tecnologias modernas, permitir que faça esse ciclo de recuperação mais rápido".
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Água de reúso não é única solução: "Ocorre que a população aumentou e não temos tantas fontes de água limpa para atender a esta demanda. Se você só pega água limpa e polui, acontece que essa poluição vai se propagar. Cada vez mais, ela irá para longe e vai inviabilizar que outras cidades utilizem essa água. A crise hídrica deve ser abordada de maneira integrada. É preciso trabalhar na gestão do consumo da demanda, no tratamento de esgoto e complementar com programas de reúso. Não existe uma solução única."
Escassez induzida: "Aqui, em São Paulo, a escassez de água é diferente da do Nordeste, que é uma escassez mais por questão natural. A nossa é uma escassez induzida. Há um consumo muito grande e tem a poluição dos rios por conta do esgoto sem tratamento. Há uma falta de cuidado em relação ao retorno da água para o meio ambiente".