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Alta na apreensão de drogas reflete avanço de facções por rodovias

Transporte de entorpecentes por vias terrestres se intensifica no 1º semestre desse ano. Em 2019, faturamento do PCC com drogas chegou a R$ 1 bi

São Paulo|Fabíola Perez, do R7

PRF apreende mais de meia tonelada de maconha no oeste do Paraná
PRF apreende mais de meia tonelada de maconha no oeste do Paraná PRF apreende mais de meia tonelada de maconha no oeste do Paraná

Se a pandemia do novo coronavírus estagnou grande parte dos mercados lícitos em todo o mundo, não foi o suficiente para provocar grandes estragos no mercado ilícito do tráfico de drogas comandado por facções criminosas e cartéis internacionais.

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, houve um aumento no volume de drogas apreendidas pela Polícia Rodoviária Federal no primeiro semestre desse ano. Esse crescimento, segundo especialistas ouvidos pelo R7,está relacionado à maior presença das facções criminosas no transporte terrestre e ao maior número de operações de fiscalizações realizadas pela Polícia Rodoviária Federal.

Apreensões em alta

Segundo o levantamento, foram apreendidas 14 toneladas de cocaína no primeiro semestre de 2020, o que representa um crescimento de 56,7% em relação ao mesmo período do ano passado. Em relação à maconha, o volume apreendido foi ainda maior: 316 toneladas, que representam um aumento de 128,3% ante o mesmo período de 2019.

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“O PCC não utiliza uma única modalidade de transporte pelo país. Para a maconha, usam principalmente o transporte rodoviário em função do grande volume”, afirma Lincoln Gakyia, promotor do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do Ministério Público de São Paulo. “São cargas muito grandes transportadas via terrestre.” No caso da cocaína, substância de maior valor, o transporte é feito em quantidades menores. “Para isso, utilizam aeronaves e helicópteros que voam baixo para não serem pegos pelo radar.” 

Pandemia e transporte aéreo

O coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, David Marques, afirma que no período em que foi constatado o aumento no volume de apreensões houve uma série de medidas sanitárias em todo o país que podem ter provocado mudanças. “Uma parte importante do tráfico de drogas era realizada pelas vias aéreas, mas houve uma redução na oferta de voos”, afirma. “Com isso, algumas modalidades de apreensão sofreram mudanças. O tráfico pode ter feito uma opção pelo modal terrestre”, diz.

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Durante os meses de maior restrição da pandemia do novo coronavírus, houve, na avaliação do promotor, um impacto no tráfico de drogas superado rapidamente. “A malha aérea ficou fechada por um tempo. O papel das rodovias é importante no transporte das drogas do interior para a capital”, afirma. “O estado de São Paulo fica inserido nisso porque tem divisas com Mato Grosso e Paraná”, diz.

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A necessidade de mudança de modais pelas organizações criminosas também é percebida pela própria Polícia Rodoviária Federal. “Eles não têm um padrão, tentam mudar os meios de transporte constantemente”, afirma Guilherme Fabrício do Nascimento Silva, policial rodoviário federal. “Não sabemos se a modalidade terrestre se trata do principal meio de transporte, mas certamente existem outras vias, além das federais, sendo utilizadas.”

PRF apreende 41 kg de cocaína em MIranda (MS)
PRF apreende 41 kg de cocaína em MIranda (MS) PRF apreende 41 kg de cocaína em MIranda (MS)

Reforço na fiscalização

Além da atuação das organizações criminosas, o policial rodoviário atribui o aumento do volume apreendido à maior fiscalização nas rodovias. “Temos investido em inteligência e tecnologia isso faz com que a passagem pelas rodovias fique ainda mais difícil. Aumentamos as apreensões, mas a atividade está a pleno vapor.” 

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De acordo com Nascimento Silva, as vias em São Paulo que registraram aumento nas apreensões de drogas foram a Régis Bittencourt, Dutra, Fernão Dias e a Transbrasiliana. “Quando fazemos a apreensão tentamos colher o maior número de informações para saber de onde veio e por onde o veículo circulou.”

Narcosul

Procurador de Justiça e autor do livro “Laços de Sangue – A história secreta do PCC”, Márcio Sérgio Christino afirma que há uma intensificação da atividade e uma consolidação dos lucros.

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“Trata-se de um cartel que está dando muito lucro e vai aumentar ainda mais”, afirma. “Os números mostram que aumentou o volume de drogas apreendidas, mas não revela a quantidade de droga que passou. Ninguém tem ideia do que passou. As perdas decorrentes das apreensões são consideradas aceitáveis pelo tráfico de drogas”, diz Christino.

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Jorge Rafaat, assassinato em junho de 2016
Jorge Rafaat, assassinato em junho de 2016 Jorge Rafaat, assassinato em junho de 2016

Para o procurador, essa intensificação no comércio de drogas é esperada por vias terrestres desde a morte de Jorge Rafaat, assassinato em junho de 2016, em Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia que faz fronteira com o Brasil.

“Houve um acerto entre os carteis bolivianos e o PCC, que tem o monopólio da rota das drogas”, afirma. “A Bolívia não tem uma saída para o mar e precisava de uma saída para a Europa, a alternativa para isso é o Brasil. Com estradas em boas condições, é possível fazer o tráfico fluir.

O procurador chama o acordo de Narcosul, em alusão ao bloco econômico do Mercosul. “Os cartéis bolivianos precisavam de um distribuidor que garantisse que a droga saísse da Bolívia. Por isso se aliaram ao PCC”, afirma Christino.

“Basicamente fazem projetos por estradas porque é mais simples, mais difícil de a fiscalização pegar, temos boas estradas que levam a mais portos.” Helicópteros e aviões de pequeno porte, segundo o procurador, têm necessidade de locais para pouso, o que aumenta a visibilidade indesejada para o tráfico.

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No entanto, as organizações criminosas evitam utilizar estradas principais para o transporte da droga. “Eles utilizam estradas secundárias, o objetivo é não ter uma via única e usar todas as variantes possíveis para chegar ao porto”, diz Christino. “Eles têm utilizado, inclusive, estradas pelo Nordeste, porque ao sair do eixo Sudeste encontram menos vigilância.”

Mercado lucrativo mesmo na pandemia

Apesar de os primeiros meses da pandemia terem retraído o tráfico de drogas, o tráfico externo continua operando normalmente. “Alguns traficantes do PCC estavam comemorando o fato de que, com a entrada do auxílio emergencial, aumentava o faturamento do tráfico de drogas, mais do que triplicava a venda e arrecadação nos pontos de venda”, afirma Gakiya.

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Uma recente investigação do Ministério Público de São Paulo estima que o faturamento da organização criminosa tenha chegado a R$ 1 bilhão somente na arrecadação dos lucros do tráfico de drogas. “São valores descritos por eles em balancetes, com detalhes de entrada e saída de dinheiro”, diz o promotor. “Mas esse valor é exclusivamente proveniente do tráfico, não é o faturamento total.”

O que determina o transporte das drogas, para o procurador de Justiça, é o lucro. “Quanto mais lucro, mais eles expandem e diversificam as modalidades”, diz. “O Fuminho é um grande líder na produção e exportação. Ele atuava a partir de uma região no centro da Bolívia produzindo folhas de coca mais aperfeiçoadas. Quando ele foi preso, a produção continuou, isso mantém o fluxo das drogas contínuo, a prisão dele não interrompe esse fluxo, a estrutura não foi desmontada.

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O tráfico de drogas, independentemente da modalidade, deve aumentar. “Eles precisam colocar o produto no mercado. Essas perdas nas apreensões são aceitáveis.” Para Gakyia, a expectativa é que haja, inclusive, uma mudança de lideranças dentro do PCC. “Houve uma determinação de que a sintonia saísse dos presídios federais e fosse para as ruas. Hoje, egressos estão assumindo funções de comando.”

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