Thais faz denúncia em audiência na Alesp
Divulgação/ AlespVigésima oitava audiência da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos Trotes na Assembleia Legislativa de São Paulo. Dia 26 de fevereiro, 15h30. Pela primeira vez, Thais Santos Moya, 31 anos, doutora em sociologia, fala em público sobre o suposto assédio sexual que sofreu de seu ex-orientador de mestrado e doutorado na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos). A voz está trêmula, possivelmente por conta da dificuldade em expor o meio acadêmico da instituição onde estudou durante 13 anos, desde a graduação.
— Entrei no curso de ciências sociais na UFSCar em 2002 aos 18 anos. Tenho vivenciado esse assédio desde 2010. Demorei para falar, porque sempre me senti responsável pelas consequências que recairiam sobre a carreira do professor que me orientou desde o início da graduação, em 2002, sobre a imagem da universidade e sobre a minha própria carreira.
O R7 teve acesso a uma carta dos estudantes do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSCar que mostra trecho das denúncias de Thais: “[Em outubro de 2010] em um dos únicos momentos de orientação que recebi em anos, o professor agiu de modo inconveniente e tentou me beijar na boca. Na verdade, beijou, pois me abraçou e encostou a boca dele na minha. Eu não o beijei. Afastei o meu rosto e o meu corpo. Eu fiquei totalmente paralisada, com medo de reclamar, xingar ou denunciar o que havia acontecido. Foi horrível. Entendi na pele o que é assédio. Você se sente agredida, invadida e ainda se culpa”.
Durante a audiência na Alesp, a ex-aluna completou as informações do texto. Segundo ela, o primeiro assédio teria acontecido durante um congresso da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais) em outubro de 2010 na cidade de Caxambu, Minas Gerais. Na época, Thais passava por um quadro de depressão, que preferiu não expor na universidade.
— Em certo momento, no congresso, eu expliquei para ele [ex-orientador] todo o processo que eu tinha passado na minha vida. Foi uma conversa bastante empática. Quando a conversa acabou, ele me deu um abraço e beijou a minha boca. Nesse momento, fiquei estática, não tive sensação nenhuma. Para mim, era o meu pai me beijando. Eu sabia das relações de poder que estavam postas ali.
Thais afirma que, momentos depois, o professor tentou a beijar novamente em frente ao hotel onde os participantes do congresso estavam hospedados.
O ato teria se repetido no dia 14 de abril de 2011, após a confraternização do 2º seminário do Programa de Pós-Graduação em sociologia da UFSCar, realizado em São Carlos, interior de São Paulo.
— Isso foi seis meses depois do primeiro acontecimento. Dessa vez, eu consegui falar que aquilo não tinha o menor cabimento. Eu fiquei totalmente sem rumo. Eu pensei: ‘O que vou fazer, ele é o meu orientador?’.
As supostas abordagens teriam feito o quadro de depressão de Thais se agravar, prejudicando, segundo ela, o desenvolvimento de seus estudos. Após o assédio que afirma ter ocorrido em 2010, ela passou a evitar o seu então orientador e o mestrado durante um semestre.
Versões
A versão de Thais sobre o possível assédio veio à tona internamente na universidade em meados do ano passado, após as respostas de uma pesquisa acadêmica, o chamado survey, destinado aos estudantes de pós-graduação, terem sido divulgadas entre alunos e professores.
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Já a repercussão nacional aconteceu em dezembro do ano passado, quando Thais publicou um texto de desabafo sobre o caso em sua página na rede social Fecebook. O relato não mencionava detalhes do suposto assédio.
“Passei dois anos amedrontada e coagida pelas relações de poder que perpassam as consequências de denunciar o ocorrido”, escreveu a ex-aluna.
Em uma reunião com a coordenação do curso, junto com outros estudantes da Associação de Pós-Graduandos, em dezembro de 2014, o caso foi levantado em meio a outras denúncias de intimação de alunos da pós-graduação. Porém, segundo Thais, os professores desconsideraram as acusações.
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Além disso, a pesquisadora afirma ter mencionado o caso durante troca de mensagens eletrônicas com a pró-reitora de pós-graduação da UFSCar, em março de 2014. Porém, não teria recebido resposta.
— Nunca me senti segura para fazer a denúncia. Nunca consegui falar com o meu ex-orientador sobre isso. Falei com outros orientandos dele, mas eles nunca me encorajaram. Falavam que o que pesava era que o caso teria uma repercussão muito ruim para a nossa linha de pesquisa, para o movimento negro, para a universidade.
Retaliações
A pesquisadora relata ter mudado de orientador apenas no fim do doutorado, em 2014, sem nunca ter feito boletim de ocorrência sobre os supostos episódios de assédio nos anos anteriores.
Antes disso, afirma ter sido retirada de projetos e cursos conduzidos pelo ex-orientador, ação que teria lhe causado prejuízos acadêmicos e financeiros.
Thais diz que, após não ter correspondido às supostas investidas do professor em 2010 e 2011, deixou de ser convidada por ele para apresentar trabalhos em congressos de sociologia ligados a seu tema de pesquisa (ações afirmativas e mestiçagem no Brasil).
Em 2012, quando ela atrasou a entrega de parte da pesquisa devido à depressão, o ex-orientador recomendou, por meio de um parecer, que o programa retirasse a bolsa de Thais alegando estagnação da pesquisa por parte da aluna.
Além disso, afirma a doutora, o professor retirou dela a responsabilidade de duas disciplinas do curso de especialização que ele coordenava.
— Também fui ameaçada de ser desligada da disciplina sociologia da educação que eu dava no curso a distância de pedagogia na UFSCar.
Racismo e ‘beijo mal dado’
Segundo a pesquisadora, à época das denúncias, a então coordenadora do programa de pós-graduação em sociologia na UFSCar publicou o seguinte comentário em sua conta no Facebook: “Pesquisadores se tornam acusadores implacáveis, criminalizam a expressão sensual”.
— Isso ela colocou na página dela. E mandou e-mails para os orientandos dela legitimando o ato, falando que era uma expressão sensual. Falando que minha atitude era de racismo, que eu tinha criado uma grande fábula do agressor negro, que tinha sido um beijo mal dado.
No mestrado e no doutorado, Thais pesquisa ações afirmativas e cotas raciais. Paradoxalmente, por seu ex-orientador ser negro, a doutora foi acusada de racismo por parte dos docentes da instituição ao fazer as denúncias, segundo ela.
Para Thais, há uma tentativa de alguns em transformá-la em agressora “que é típica do machismo”.
— O Programa de Pós-Graduação nunca me procurou para falar do caso e professores do programa já colocaram no site que estou caluniando e difamando [...] Espero que o assédio no ensino superior se torne uma pauta não só na UFSCar, mas em todas as universidades, que sejam criadas instâncias qualificadas para combater essa cultura do assédio sexual e moral que é muito comum, principalmente nos cursos de pós-graduação.