As fortes chuvas acompanhadas de rajadas de vento são apontadas com as principais causas para as quedas de árvores na cidade de São Paulo, problema que começou a se intensificar em dezembro, trazendo transtornos, prejuízos e riscos para a população.
Mas, para o professor de morfologia vegetal da USP (Universidade de São Paulo), Gregório Ceccantini, o quadro seria diferente se houvesse investimento em prevenção e continuidade de políticas voltadas para o tema, interrompidas a cada mudança de gestão.
Em entrevista ao R7, o professor, que tem experiência em consultorias técnicas na área de árvores urbanas, enfatizou que a negligência do poder público vem de décadas. Segundo ele, "até uma criança consegue" identificar que uma árvore tem alto risco de queda, mas o poder público não atende aos chamados para tomar providências.
Ceccantini acrescentou que a simples inspeção visual, procedimento considerado de baixo custo, já reduziria o número de quedas em cerca de 80%.
— A verdade é a seguinte: a cidade não sabe exatamente nem quantas árvores tem. Houve um levantamento recente e estão falando em 650 mil. Ótimo. Quais são as árvores? Quais as espécies? Qual a porcentagem de cada uma? Disso só tem amostras. Um levantamento feito apenas por satélite não diz a espécie da árvore.
Ele destacou que árvores de grande porte, como a tipuana, frequente encontradas no município, são uma espécie de “bomba-relógio”.
— A madeira de baixíssima qualidade, associada aos maus-tratos ou à falta de cuidados, faz dessas árvores uma bomba-relógio.
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Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Calçadas mais estreitas
“O que vimos ao longo das últimas décadas foi a redução do tamanho das calçadas, por exemplo, e o aumento das interferências nelas. Foram construídas canaletas para colocar fios, cabos; canaletas de águas pluviais. Tudo isso foi interferindo nas raízes das árvores, que já estavam lá. É por isso que vimos árvores praticamente descolando”.
Espécies inadequadas
O professor destacou que a má escolha de espécies também é responsável pelo problema. Árvores como figueiras e eucaliptos, por exemplo, não são apropriadas para o ambiente urbano.
“Uma árvore desse tipo fora do ambiente florestal, sem estar escorada por outras árvores, é uma bomba-relógio. É só uma questão de tempo para ela ter uma carga muito elevada, muito alta para o sistema radicular sempre comprometido com calçada mal planejada, com intervenções na calçada.”
Larga escala
Segundo ele, o plantio de espécies inadequadas aconteceu em larga escala na cidade.
"A avenida Pacaembu inteira tem o Ficus microcarpa, que é uma planta exótica de enorme porte e que foi plantada como arborização no centro da via. Ao redor do Ibirapuera, nas margens da Raposo Tavares, em muitas casas têm Pinos, eucalipto. São árvores que chegam até 40 m de altura. Isso não é apropriado para o ambiente urbano.”
“Essa epidemia que estamos vendo é causada, principalmente, pelo fato de muitos de nossos bairros terem sido criado no mesmo momento. A Companhia City criou vários bairros dos jardins, arborizou tudo com tipuana, que é uma espécie de madeira fraca, resistência mecânica baixa e grande porte, além de baixa resistência ao apodrecimento e ao ataque de cupins. Então, a bomba-relógio está instalada em todo lugar. E elas estão envelhecendo ao mesmo tempo. Todas chegando na faixa etária de 60, 70 anos e estão começando a cair.”
Problema ecológico
“O que está acontecendo hoje? Na ânsia de evitar problemas e de proteger seu patrimônio, as companhias elétricas e telefônicas recomendam subárvores, arbustos, arvorezinhas, e a cidade está sofrendo um processo de desarborização. As pessoas estão associando a árvore a uma coisa negativa, quando, na verdade, é superimportante para a qualidade de vida, para o aquecimento, para o resfriamento da cidade, para a estabilização de poluentes do ar, para contenção da chuva.”
Negligência
“Garantir que a árvore não vai cair não dá. Mas garantir que ela tem alto risco, até uma criança consegue. A árvore que está oca, com sinais de podridão e copa desequilibrada tem alto risco de cair logo. O problema é que o poder público não atende chamados que são evidentes de alto risco [...] Tem gente com reclamações de cinco anos”.
“De um lado, o Ministério Público e a legislação proíbem cortar. De outro lado tem a ineficiência. O cidadão diz que a árvore tem alto risco, vai um técnico da prefeitura e percebe que há alto risco e, mesmo assim, não se faz nada.”
Situação grave
“A situação é muito mais grave do que se imagina, porque além de estarmos tendo a subarborização, não estamos tendo reposição. Em médio prazo, a qualidade da cidade vai piorar. Em médio prazo, as árvores vão continuar envelhecendo. Ou interferimos agora e passamos a ter práticas mais adequadas ou todo verão acontecerá a mesma coisa.”
Iniciativas tímidas
“Todos tiveram alguma iniciativa, mas nenhum dos prefeitos se colocou na posição de resolver o problema”.
Bem urbano
“Temos também o papel do munícipe, que vandaliza as árvores. Mas não é só vandalismo. As pessoas não estão habituadas a ver a árvore como um bem urbano. Vai desde a dona de casa ao dono de loja. Este último manda podar o galho — é proibido, mas ele faz—, porque está tampando a placa da loja dele. A dona de casa joga água fervendo nas raízes, porque aquela espécie de árvore joga folha no quintal dela. São atitudes comuns.”