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Até uma criança consegue identificar uma árvore com risco de queda, afirma botânico

Para professor, falta de investimento e negligência do poder público agravam problema em SP

São Paulo|Ana Cláudia Barros, do R7

Falta de planejamento é o principal fator para quedas de árvores
Falta de planejamento é o principal fator para quedas de árvores Falta de planejamento é o principal fator para quedas de árvores (SERGIO NEVES)

As fortes chuvas acompanhadas de rajadas de vento são apontadas com as principais causas para as quedas de árvores na cidade de São Paulo, problema que começou a se intensificar em dezembro, trazendo transtornos, prejuízos e riscos para a população.

Mas, para o professor de morfologia vegetal da USP (Universidade de São Paulo), Gregório Ceccantini, o quadro seria diferente se houvesse investimento em prevenção e continuidade de políticas voltadas para o tema, interrompidas a cada mudança de gestão.

Em entrevista ao R7, o professor, que tem experiência em consultorias técnicas na área de árvores urbanas, enfatizou que a negligência do poder público vem de décadas. Segundo ele, "até uma criança consegue" identificar que uma árvore tem alto risco de queda, mas o poder público não atende aos chamados para tomar providências.

Ceccantini acrescentou que a simples inspeção visual, procedimento considerado de baixo custo, já reduziria o número de quedas em cerca de 80%.

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— A verdade é a seguinte: a cidade não sabe exatamente nem quantas árvores tem. Houve um levantamento recente e estão falando em 650 mil. Ótimo. Quais são as árvores? Quais as espécies? Qual a porcentagem de cada uma? Disso só tem amostras. Um levantamento feito apenas por satélite não diz a espécie da árvore.

Ele destacou que árvores de grande porte, como a tipuana, frequente encontradas no município, são uma espécie de “bomba-relógio”.

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— A madeira de baixíssima qualidade, associada aos maus-tratos ou à falta de cuidados, faz dessas árvores uma bomba-relógio.

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Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Calçadas mais estreitas

“O que vimos ao longo das últimas décadas foi a redução do tamanho das calçadas, por exemplo, e o aumento das interferências nelas. Foram construídas canaletas para colocar fios, cabos; canaletas de águas pluviais. Tudo isso foi interferindo nas raízes das árvores, que já estavam lá. É por isso que vimos árvores praticamente descolando”.

Espécies inadequadas

O professor destacou que a má escolha de espécies também é responsável pelo problema. Árvores como figueiras e eucaliptos, por exemplo, não são apropriadas para o ambiente urbano.

“Uma árvore desse tipo fora do ambiente florestal, sem estar escorada por outras árvores, é uma bomba-relógio. É só uma questão de tempo para ela ter uma carga muito elevada, muito alta para o sistema radicular sempre comprometido com calçada mal planejada, com intervenções na calçada.”

Larga escala

Segundo ele, o plantio de espécies inadequadas aconteceu em larga escala na cidade.

"A avenida Pacaembu inteira tem o Ficus microcarpa, que é uma planta exótica de enorme porte e que foi plantada como arborização no centro da via. Ao redor do Ibirapuera, nas margens da Raposo Tavares, em muitas casas têm Pinos, eucalipto. São árvores que chegam até 40 m de altura. Isso não é apropriado para o ambiente urbano.”

“Essa epidemia que estamos vendo é causada, principalmente, pelo fato de muitos de nossos bairros terem sido criado no mesmo momento. A Companhia City criou vários bairros dos jardins, arborizou tudo com tipuana, que é uma espécie de madeira fraca, resistência mecânica baixa e grande porte, além de baixa resistência ao apodrecimento e ao ataque de cupins. Então, a bomba-relógio está instalada em todo lugar. E elas estão envelhecendo ao mesmo tempo. Todas chegando na faixa etária de 60, 70 anos e estão começando a cair.”

Problema ecológico

“O que está acontecendo hoje? Na ânsia de evitar problemas e de proteger seu patrimônio, as companhias elétricas e telefônicas recomendam subárvores, arbustos, arvorezinhas, e a cidade está sofrendo um processo de desarborização. As pessoas estão associando a árvore a uma coisa negativa, quando, na verdade, é superimportante para a qualidade de vida, para o aquecimento, para o resfriamento da cidade, para a estabilização de poluentes do ar, para contenção da chuva.”

Negligência 

“Garantir que a árvore não vai cair não dá. Mas garantir que ela tem alto risco, até uma criança consegue. A árvore que está oca, com sinais de podridão e copa desequilibrada tem alto risco de cair logo. O problema é que o poder público não atende chamados que são evidentes de alto risco [...] Tem gente com reclamações de cinco anos”.

“De um lado, o Ministério Público e a legislação proíbem cortar. De outro lado tem a ineficiência. O cidadão diz que a árvore tem alto risco, vai um técnico da prefeitura e percebe que há alto risco e, mesmo assim, não se faz nada.”

Situação grave

“A situação é muito mais grave do que se imagina, porque além de estarmos tendo a subarborização, não estamos tendo reposição. Em médio prazo, a qualidade da cidade vai piorar. Em médio prazo, as árvores vão continuar envelhecendo. Ou interferimos agora e passamos a ter práticas mais adequadas ou todo verão acontecerá a mesma coisa.”

Iniciativas tímidas

“Todos tiveram alguma iniciativa, mas nenhum dos prefeitos se colocou na posição de resolver o problema”.

Bem urbano

“Temos também o papel do munícipe, que vandaliza as árvores. Mas não é só vandalismo. As pessoas não estão habituadas a ver a árvore como um bem urbano. Vai desde a dona de casa ao dono de loja. Este último manda podar o galho — é proibido, mas ele faz—, porque está tampando a placa da loja dele. A dona de casa joga água fervendo nas raízes, porque aquela espécie de árvore joga folha no quintal dela. São atitudes comuns.”

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