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Doria foi arbitrário ao apagar grafites em São Paulo, afirma autor do livro Arte de Rua

Juruna fotografou por oito anos os murais que estão na região de Pinheiros e Vila Madalena

São Paulo|Do R7

Juruna registrou os grafites da cidade e criticou o prefeito Doria
Juruna registrou os grafites da cidade e criticou o prefeito Doria Juruna registrou os grafites da cidade e criticou o prefeito Doria

Os passeios a pé pelo bairro onde mora e a paixão pela fotografia, herdada do pai João Flórido Gonçalves, estimularam o sindicalista João Carlos Gonçalves, o Juruna, a publicar o livro-fotográfico "Arte de Rua" (editora Geração Editorial), cujo o tema são os grafites multicoloridos de São Paulo.

A obra recém-lançada amplia a discussão pública entorno das desastradas decisões da gestão João Doria (PSDB), que vem cobrindo com uma tinta cinza "sem graça" centenas de grafites.

Inclusive, alguns dos desenhos registrados pelo autor, nesses últimos oito anos, correm um sério risco de desaparecem neste delírio acinzentado do atual prefeito. "Ele deveria ter aberto um diálogo com a sociedade, inclusive com os grupos de grafiteiros e de pichadores, antes de tomar uma decisão de forma arbitrária e impor para a cidade sua concepção particular do que é uma “cidade linda”", disse o autor.

Juruna também não vê muita lógica na alternativa anunciada pelo prefeito Doria em criar o MAR (Museu de Arte de Rua), restringindo o grafite a lugares específicos. "A graça do grafite está justamente no fato de as pinturas se integrarem organicamente à paisagem urbana. Não se trata de um evento que tira as pessoas de casa em um fim de semana e as leva a uma galeria", disse. 

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O livro está divido por temas, de acordo com o estilo de cada pintura. São destaques o surrealismo, o abstrato e o capítulo com desenho de pessoas. Artistas como Eduardo Kobra, Ayco Dany (do Ateliê Daki), Fernando Berg, Mundano, Speto, Bueno Caos, Luna Buschi, OsGemeos e Alexandre Puga tiveram suas obras captadas pelas lentes do sindicalista. 

O grafite tem uma beleza despojada, segundo Juruna
O grafite tem uma beleza despojada, segundo Juruna O grafite tem uma beleza despojada, segundo Juruna

R7: A ideia de registrar em fotos os grafites da cidade começou quando você se mudou para Pinheiros? O que te chamou a atenção para publicar um livro? 

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Juruna: A região de Pinheiros e Vila Madalena tem um perfil bastante peculiar. Há muitos anos, antes de se tornar um point de balada, já se cultivava na região esse viés cultural e isso transparece em sua configuração. Seus moradores, trabalhadores e frequentadores parecem admirar e incentivar esta característica de ser um lugar “alternativo” e essa atmosfera fica muito nítida quando se vive lá. Cotidianamente encontramos pessoas dos mais diversos tipos e biótipos. Há sempre um clima de despojamento e criatividade no ar. Isso tem tudo a ver com o fato de a região concentrar um grande número de grafites, como no Beco do Batman. Claro que eu já conhecia o grafite. Já tinha visto. Mas o que me chamou a atenção em Pinheiros é que o grafite está em harmonia com o lugar, os estabelecimentos e as pessoas.

R7: Quando você percebeu que já tinha material para um livro fotográfico sobre grafites?

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Juruna: Sempre tive o hábito de fotografar e organizar minhas fotos em pastas no computador. Tenho muitas fotos de grafites, porque guardo as fotos que tiro e também participo de sites de fotografia. Então, embora eu tenha material há tempos, só agora tive a ideia de lançar um livro. Achei que seria legal para presentear amigos e para deixar este registro da minha vida pessoal.

R7: Por que você decidiu dividir o livro por temas?

Juruna: Penso que agrupar as fotos em temas ajuda a direcionar o olhar e buscar um sentido mais profundo para as imagens, além de uma combinação de formas e cores. Quando observamos as pinturas vemos que, de fato, existem temas e estilos específicos.

R7: Você chegou a conhecer alguns dos grafiteiros cujas obras você registrou?

Juruna: Eu identifico traços que parecem ser de um ou de outro grafiteiro. Mas, infelizmente, não conheço nenhum pessoalmente. Essa atividade, de fotografar os grafites, foge totalmente da minha ação como sindicalista. Sou de outro meio. Talvez por isso não conheça, e não conheço ninguém que conheça, algum grafiteiro. Também não procuro fotografar só as obras dos grafiteiros mais famosos. Não faço distinção. O que vale é a obra, naquele lugar, naquele dia.

R7: Qual a sua avaliação a respeito do embate do prefeito com os grafiteiros e os pichadores?

Juruna: Penso que o prefeito se precipitou ao apagar o mural da 23 de Maio e acabou entrando em uma saia justa. Ele deveria ter aberto um diálogo com a sociedade, inclusive com os grupos de grafiteiros e de pichadores, antes de tomar uma decisão de forma arbitrária e impor para a cidade sua concepção particular do que é uma “cidade linda”. A beleza do grafite é uma beleza despojada, transgressora, alternativa, urbana. Como digo no prefácio do livro, o grafite emerge da concretude e reflete momentos da vida nas grandes cidades. Por isso é uma arte pulsante e popular. Acho que o prefeito deveria buscar conhecer mais a fundo todas as formas de expressão popular e, com isso, a aprender a apreciar a arte de rua. Mas é claro que não se pode aceitar degradação do patrimônio público ou de propriedades privadas. Existe este limite que deve ser respeitado.

R7: Tentar tirar os grafites e as pichações da cidade está queimando a imagem do Doria?

Juruna: Pegou mal para ele, mas não é por isso que ele será avaliado. O João Dória será avaliado pela qualidade e o acesso aos serviços municipais de educação, saúde, transporte, habitação e segurança, não só nos bairros centrais, mas também nas periferias que muitas vezes são negligenciadas pelo poder público.

R7: As mensagens em muros são emblemáticas no movimento sindical e na luta pela democracia. O que mudou em relação a pichação daquela época para os dias atuais?

Juruna: Nas décadas de 1980 e 1990, logo após o fim da ditadura militar, não havia tanto controle sobre esse tipo de coisa. Hoje as manifestações sindicais e políticas são muito mais regradas. Por exemplo, quando haviam eleições era comum as ruas se encherem de pessoas fazendo boca de urna. E fazia parte da cidade as pichações pelas Diretas Já, por aumento salarial. Era um tipo de manifestação. Agora isso é proibido. Houve também aquela lei do Kassab que proíbe propagandas em espaços públicos. Pode parecer que isso não tem nada a ver, mas são regras para o uso do espaço público com as quais fomos nos acostumando. Hoje a sociedade está muito mais vigilante com relação à limpeza e ao uso do espaço. Não sei se isso é bom ou ruim. A limpeza e o bom uso do espaço são ações positivas, mas elas não podem se opor à liberdade de expressão e de organização política.

R7: Quantas obras você registrou para o livro? 

Juruna: O livro tem fotos de 116 obras. Todas as fotos, exceto uma, que é da Rua Rego Freitas, na República, são da região de Pinheiros e Vila Madalena. Tenho fotos de outras regiões, mas optei por fazer este recorte porque é onde eu costumo andar a pé.

R7: A ideia do prefeito em criar áreas “autorizadas” para grafite não foge completamente a lógica natural dos grafiteiros?

Juruna: Creio que sim. Penso que não é legal a cidade ficar “toda grafitada” como afirmou o prefeito. Os grafites e os murais devem estar em locais estratégicos, como na 23 de maio e no Beco do Batman. Existem lugares que não combinam com grafites, em minha opinião, como casas e prédios com arquiteturas antigas. Estes deveriam ser restaurados e preservados. Mas não faz sentido criar “áreas de grafites”, como um museu ou uma galeria. A graça do grafite está justamente no fato de as pinturas se integrarem organicamente à paisagem urbana. Não se trata de um evento que tira as pessoas de casa em um fim de semana e as leva a uma galeria. Pode até acontecer, e acontece, de pessoas visitarem lugares grafitados para passear e fotografar. Mas o sentido da arte de rua é oferecer a possibilidade de contemplação de forma espontânea, para quem está na rua, dentro do ônibus, no carro ou caminhando.

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