Pais sofrem com corte de leite e transporte escolar no início da gestão Doria
Prefeito quer tirar leite de alunos com mais de sete anos. Vans somem na volta às aulas
São Paulo|Do R7
O início do ano letivo tem sido sofrido para pais de alunos matriculados em escolas municipais de São Paulo. Duas medidas do novo prefeito, João Doria (PSDB), mexem diretamente com o bolso e com o cotidiano de quem tem crianças na rede pública: a reformulação do Leve Leite e a interrupção temporária do transporte escolar.
No caso do programa de distribuição gratuita de leite para os alunos, a Prefeitura pretende reduzir em 53% o número de crianças e adolescentes beneficiados. No ano passado, 916,2 mil estudantes matriculados na rede municipal receberam bimestralmente quatro sacos de leite em pó (equivalente a 2 kg de leite por mês).
Agora, o plano da Prefeitura é restringir o benefício a apenas alunos com idade inferior a 7 anos.
Segundo números da Secretaria Municipal de Educação, no novo modelo, o leite será entregue a 223,2 mil crianças matriculadas na rede municipal e mais 208,4 mil crianças não matriculadas, mas em situação de pobreza. Com isso, o número de beneficiados cairá para 431,7 mil beneficiados. Ou seja, 484,5 mil crianças a menos devem receber leite na cidade.
O projeto da gestão Doria prevê também diminuir a quantia mensal a quem tem direito. Se hoje todos os beneficiados recebem 2 kg, com o novo plano crianças de até um ano devem receber 1,2 kg e crianças maiores receberão apenas 1 kg.
Salário não muda
“Isso deixa a gente apreensiva”, afirma a auxiliar de enfermagem Rosana Melo Cardinalle, 44 anos, que mora na região de São Mateus e tem dois filhos — um menino de 2 anos e uma menina de 9 anos — matriculados em escolas municipais. “O leite que recebemos já não dá para o bimestre todo”, diz.
Rosana afirma que o consumo de leite do pequeno é alto, pois ele mama. “Assim, às vezes usamos o leite da mais velha para complementar o leite dele. Mas, depois, temos de comprar mais.”
A dificuldade que a redução do leite pode causar foi sentida no final do ano passado, quando 320 mil crianças cadastradas no programa receberam apenas a metade dos quatro pacotes enviados a cada bimestre pela Prefeitura. Na época, a gestão Haddad atribuiu a redução não a uma mudança no programa, mas a um problema na compra do alimento.
Rosana foi uma das mães prejudicadas na ocasião. “Foi muito difícil. Eu olhava para aquela quantidade e nem sabia o que fazer. Tive de esperar por promoções para comprar o leite que faltava para as crianças.” A entrega foi compensada no lote seguinte, diz Rosana. “O leite que não recebemos naquele lote, veio a mais no lote seguinte.”
Se o corte previsto pela Prefeitura de fato se concretizar, a auxiliar de enfermagem deixará de receber oito pacotes a cada bimestre e passará a receber apenas dois. “É uma maldade porque essas leis mudam, esses programas mudam, e o nosso salário continua o mesmo”.
Dificuldade no desemprego
Situação complicada com o corte do leite também diz que viverá Rosemeire Aparecida, 35 anos, moradora da região da Brasilândia, que tem uma filha de quatro anos na rede municipal. “Estou desempregada. Vivo de bico de faxina aqui e ali, vou me virando. Mas, sem o leite, como vou fazer?”, pergunta.
Além da filha pequena, ela tem outra filha de 15 anos. “A mais velha recebia o leite até pouco tempo atrás. Quando ela deixou de receber, começamos a dividir o leite da pequena entre todos. Nunca dá para o período todo.”
Ela diz que, para compensar os gastos com leite, tem economizado na compra de legumes e frutas. “Com o desemprego tão grande, o prefeito não deveria cortar um benefício assim. A gente fica chateada com a gestão.”
Oito quilômetros
Nas primeiras semanas do ano letivo, Rosana também diz ter tido problemas com o TEG (Transporte Escolar Gratuito). A gestão Doria iniciou o ano revisando os cadastros do programa. Com isso, a filha mais velha ficou sem perua por cerca de 15 dias.
“Eu trabalho durante a madrugada, não tinha condições de levá-la”, afirma a auxiliar de enfermagem. “Quem a levou para a escola nesse período foi o meu marido. Ele andava 8 quilômetros com nosso filho mais novo no carrinho. Quatro para chegar até a Emef e deixar minha filha e mais quatro para voltar para casa, passando pela creche para deixar o pequeno.”
Rosana diz que, após dias de apreensão, o transporte escolar da filha foi regularizado. “Sofremos muito como isso. A gente nem saberia o que fazer se o TEG não voltasse. Provavelmente teríamos de arrumar alguma perua para levá-la. Seria mais um gasto.”
Leite na escola
O corte na distribuição de leite tem razões orçamentárias. Em 2016, a verba total do programa foi R$ 310,04 milhões. Segundo o governo municipal, para este ano o modelo que beneficiaria 960,2 mil crianças teria um custo estimado de R$ 330,74 milhões. Mas, segundo a Secretaria Municipal da Educação, “a Lei Orçamentária Anual (LOA) 2017 destina R$ 147,4 milhões à rubrica do programa”.
O fato de a distribuição de leite não atingir mais os estudantes acima de 7 anos foi justificado pela Prefeitura, ao relevar o plano, pela “baixa necessidade do leite como complemento nutricional” nessa faixa etária.
Além disso, a gestão Doria também propôs “alteração do produto para maior concentração de cálcio e aumento na frequência do leite servido nas refeições na unidade escolar (5 vezes por semana)”.
Sobre a redução no envio para crianças pequenas, a Prefeitura afirmou que “para os alunos da rede, as refeições nas unidades escolares já oferece o leite em quantidade adequada, de maneira que o leite entregue servirá para os finais de semana”.
Ainda conforme o governo municipal, para as crianças fora da rede “em situação de pobreza, a quantidade busca reduzir o déficit de cálcio numa dieta que pode não ser adequada à Primeira Infância”.
A respeito da interrupção do transporte escolar, a Secretaria Municipal de Educação informou, na época em parte dos estudantes ficou sem van, que não haveria corte no programa. A pasta afirmou que “têm direito ao atendimento os alunos deficientes, os que residam a dois quilômetros da unidade e os que encontrem barreiras físicas para chegar à escola”.