Para assassinos, vítimas não são humanos, afirma psiquiatra
Dentistas foram atacados e tiveram corpos incendiados em São Paulo
São Paulo|Do R7
Casos como os dos dentistas atacados brutalmente por assaltantes em São José dos Campos, no interior de São Paulo, e em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista — nas duas situações, os criminosos atearam fogo nas vítimas — chamam atenção pela crueldade dos criminosos. Para um dos mais renomados psiquiatras forenses do País, Guido Palomba, o excesso de violência demonstra uma “insensibilidade moral”.
— As pessoas que praticaram não têm sentimentos superiores, que são piedade, compaixão e altruísmo, ou seja, elas pouco se importam com a sorte da vítima, que não passa de um simples objeto. Ela não é, para aqueles que praticaram, portanto, um ser humano.
Uma das causas de comportamentos bárbaros é a “sensação completa de impunidade”, avalia o psiquiatra forense. Ele enfatiza a importância de estabelecer freios legais, sociais e morais.
— Na base está a impunidade. A punição mostra limites. A educação se faz na base do prêmio e do castigo. Esses indivíduos não conhecem limites e, muitos deles, são criminosos natos. Pessoas que nasceram com forte propensão para cometer delitos. Não conhecem a punição e acabam praticando delitos dessa natureza. Para as pessoas ditas normais, pôr fogo porque a vítima não tinha dinheiro, choca. Para eles, não é nada. Pode ser até algo hilariante. Podem até achar graça.
Segundo Guido Palomba, outro fator capaz de motivar crimes cruéis é o consumo de drogas, sobretudo, o crack.
— O crack leva o indivíduo a ter esse tipo de frieza. Ou o crack sendo usado ou a falta dele. O indivíduo fica com uma frieza afetiva profunda.
Leia mais notícias de São Paulo
Espetacularização
Noticiar crimes cruéis sem a contextualização devida provoca, como um dos efeitos imediatos, a banalização da violência, na análise do sociólogo e jornalista Laurindo Leal Filho, professor da ECA (Escola de Comunicação e Artes) da USP (Universidade de São Paulo). Ele critica a maneira como atos bárbaros são tratados algumas vezes pelos meios de comunicação, em especial, a televisão.
— Ela transforma casos policiais que devem ser noticiados, mas de maneira sóbria, precisa, em grandes espetáculos televisivos. Transformam um fato real em um show de horrores.
O professor completa:
— Um dos objetivos claros, explícitos é a busca pela audiência a qualquer custo. Então, tentam surpreender o telespectador com imagens, sons, textos apelativos para aguçar a curiosidade, às vezes mórbida, que existe nas pessoas.
Motivos banais motivaram crimes que chocaram o País
Casos de latrocínio aumentam 275% no Grande ABC
Na avaliação dele, em certas situações, há um superdimensionamento dos casos, potencializando a sensação de medo na população.
— Os fatos existem. Eles são reais. Há um índice altíssimo de criminalidade na nossa sociedade, mas a forma como são tratados faz com que tenham uma dimensão ainda maior. Eles devem ser noticiados? Devem. O problema é como são noticiados. Essa é a grande questão.
Leal argumenta que a espetacularização da notícia estimula respostas violentas.
— Como esses fatos são apresentados sem nenhuma contextualização, a resposta a eles é mais violência. Reduz a maioridade penal, aumenta a pena para determinados crimes, coloca mais polícia na rua, de maneira violenta. As soluções são sempre as mais simplistas.
Casos de estupro crescem 56% na capital paulista em dois anos
Atração irracional
Palomba explica a atração do espectador por histórias cruéis.
— As pessoas não gostam dessa crueldade, dessa violência, mas não conseguem mudar de foco. Isso pega pela esfera afetiva. Elas gostam das coisas bonitas, do carnaval, da alegria, que é exatamente o mesmo plano do seu contrário, que seria a desgraça. A alegria e a desgraça ficam no plano do humor e do afeto.
O psiquiatra acrescenta que esse tipo conduta transita pelo plano do irracional.
— O afeto, o humor não são racionais. É a mesma coisa que passar na rua, ver um acidente, com a pessoa destroçada. Você detesta aquilo, mas não consegue desviar o olhar. Não é racional. É emocional. Aquilo te faz mal, injeta no inconsciente estados que você não gostaria de ter. A pessoa fica meio deprimida, meio ansiosa, meio angustiada. Não gosta, mas não consegue mudar.
Para Palomba “é muito mais difícil noticiar coisas boas e bonitas na mesma velocidade do que se noticiam coisas ruins”.
— As desagradáveis parecem que acontecem mais do que as outras [boas]. Essa é a verdade.