“PM brasileira é uma exceção em nível mundial”, diz especialista sobre repressão em manifestações
ONGs afirmam que atuação violenta da polícia em atos limita a liberdade de expressão
São Paulo|Do R7*
Com o uso indiscriminado de gás lacrimogêneo, spray de pimenta, bombas de efeito moral, tiros de bala de borracha e cassetetes por parte da PM do Estado de São Paulo na manifestação contra o aumento das tarifas do transporte na terça-feira (12), voltou à tona uma discussão que já havia sido levantada em 2013, quando a repressão policial ajudou a fazer com que milhares de pessoas fossem às ruas no país inteiro: como as autoridades devem lidar com manifestações de massa?
Para a Diretora Executiva da ONG Conectas Direitos Humanos, Jessica Morris, a atuação da polícia na manifestação de terça, segundo ato contra o aumento da tarifa em São Paulo, teve o objetivo de “tentar limitar a liberdade de expressão das pessoas”. Segundo ela, a repressão faz com que menos manifestantes participem de protestos, com medo de mais violência policial.
— O Estado tem que proteger o cidadão e a liberdade de expressão, e não limitar. A polícia tem que garantir o direito de manifestação, mesmo que esta seja contrária à posição dos governantes.
Morris ressalta que, mundialmente, a polícia não é militarizada como no Brasil. Por aqui, a militarização da polícia já existia antes da ditadura militar. No entanto, foi durante os anos de chumbo que essas forças ganharam um papel mais ostensivo, função que se manteve na Constituição Federal de 1988.
Reação violenta da PM em ato mostra fragilidade do Estado, diz especialista
Novas técnicas da PM para protestos são importadas e já geraram polêmica em outros países
A comunidade internacional também já criticou a atuação da PM no Brasil em outras ocasiões. Em maio de 2012, o Conselho da ONU recomendou o fim da Polícia Militar no País, em uma declaração expedida pela Dinamarca. O texto pede que sejam aplicadas “medidas mais eficazes para reduzir a incidência de execuções extrajudiciais".
— A PM brasileira é uma exceção em nível mundial. O que nós vemos é que ela é treinada para ver o cidadão como inimigo, e não como uma pessoa que está exercendo seu direito de expressão.
Para a especialista, a maneira repressiva como as autoridades vêm lidando com as manifestações no Brasil são semelhantes à resposta da polícia aos protestos que tomaram as ruas de Miami, em 2003, nas manifestações contra a aprovação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), e da cidade de Ferguson, no Missouri, após o assassinato do jovem negro Michael Brown pelo policial branco Darren Wilson em 2014.
Protestos nos EUA: tensão no Missouri vai muito além de Michael Brown
Justiça americana investigará polícia de Ferguson após distúrbios
Na ocasião, a polícia local, responsável pela segurança, foi acusada de atuar de maneira desproporcional nas manifestações, que após 15 dias deixaram dezenas de detidos e feridos em confrontos entre policiais e manifestantes.
O modelo de segurança pública norte-americano também foi duramente criticado por sua política de reutilização de armamentos de guerra em forças locais. Nos Estados Unidos, o Programa 1033 autoriza o Pentágono a vender materiais já utilizados ou extras de conflitos — como a Guerra do Iraque e do Afeganistão — a preços reduzidos para serem utilizados pelas polícias regionais.
Código de conduta
No direito internacional, existem dois manuais considerados padrão para a atuação de forças de segurança no mundo inteiro. Desenvolvidos pela ONU (Organização das Nações Unidas), eles trazem protocolos que devem ser seguidos pelas polícias em manifestações públicas. São eles: Princípios Básicos da ONU para o Uso da Força e Armas de Fogo pela Polícia e o Código de Conduta da ONU para Policiais.
Esses documentos trazem uma série de determinações que não foram seguidas pela Polícia Militar nas manifestações recentes em São Paulo, dentre elas o uso de cassetetes e armas de baixo impacto contra pessoas que não são agressivas ou que não representam ameaça e o uso de irritantes químicos — como gás lacrimogêneo e spray de pimenta — em ambientes fechados.
Assessor de direitos humanos da Anistia Internacional, Alexandre Ciconello ressalta que as armas menos letais, como são conhecidas as armas de bala de borracha, bombas de efeito moral e produtos químicos irritantes, podem provocar lesões graves e até a morte.
Madrugada de protestos em Ferguson contra morte de jovem negro termina com 2 feridos e 31 detidos
O especialista ressalta que a tática usada pela polícia para dispersar a manifestação de terça também é desaconselhada pela comunidade internacional, além do próprio manual da PM. Conhecida como “Panela de Hamburgo”, a técnica consiste em formar cordões de isolamento para impedir a entrada e saída de pessoas de um determinado local.
— Nenhuma situação de protesto justifica o uso deste tipo de técnica, ainda mais em um ato pacífico.
Ciconello afirma ainda que eventuais casos de depredação e violência não justificam, “em nenhuma hipótese”, a utilização indiscriminada da força como foi visto na terça-feira, quando “um grande aparato policial foi usado para sufocar os protestos e não permitir a sua realização”.
— O argumento de que existem vândalos entre os manifestantes tem sido usado politicamente por governos para impedir a realização de determinados protestos contrários aos seus interesses. Os policiais deveriam coibir atos violentos como casos isolados, garantindo assim a segurança de todos.
Outro lado
Após o segundo ato na capital paulista, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) afirmou, por meio de nota, que “foi necessária a intervenção da Polícia Militar no protesto de terça-feira (12), na avenida Paulista, pois os manifestantes forçaram com violência o cordão de isolamento”.
Ainda de acordo com a secretaria, os manifestantes se negaram a seguir pela rua da Consolação “para seguir por vias que não estavam preparadas para a manifestação naquele momento”. Segundo a pasta “não era possível a alteração do trajeto, pois as linhas de ônibus e o trânsito foram reorganizados para se adequar à manifestação”. A nota ainda afirma que “os organizadores se negaram a comunicar previamente o trajeto à PM, conforme prevê a Constituição, o que impediu a organização de outro percurso”.
Conheça o R7 Play e assista a todos os programas da Record na íntegra
*Texto: Luis Felipe Segura