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Skinhead critica vinculação com nazismo e pede punição contra atos violentos

R7 entrevistou adepto da cultura surgida na década de 1960, no Reino Unido

São Paulo|Amanda Mont'Alvão Veloso, do R7

Com origem no Reino Unido da década de 60, a cultura skinhead, ligada à música jamaicana, chegou ao Brasil quase 20 anos depois e, recentemente, enfrenta uma associação a movimentos neonazistas e fascistas. No começo deste mês, três jovens de São Paulo — pelo menos um deles se declarava skinhead — foram condenados a mais de 15 anos de prisão por agredir violentamente quatro pessoas que estavam em um evento que pregava a tolerância, em 2011.

A fragmentação da cultura skinhead e a politização de alguns membros trouxeram mudanças ao comportamento de alguns grupos, que passaram a estimular o preconceito contra negros e homossexuais, por exemplo.

O R7 procurou um adepto da cultura skinhead para explicar essas "ramificações". Para o jovem, que respondeu às perguntas da reportagem por e-mail sob a condição de que as respostas não fossem editadas, a intolerância de alguns membros se apresenta em casos pontuais, e não na cultura como um todo. Para preservar o entrevistado, ele será identificado com o nome fictício de "João".

Leia abaixo a íntegra da entrevista:

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R7: Qual a sua idade e profissão? Pertence a algum grupo skinhead? A qual?

João*: Tenho 28 anos e trabalho com comunicação e cultura.

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R7: Por que e quando se tornou skinhead? Poderia citar alguns dos valores que você cultiva?

João: Skinhead é uma cultura, não uma crença ou religião. Não tem essa de valores. Assim como o punk ou o hip hop, o skinhead é uma movimentação juvenil que aconteceu nos anos 60 na Inglaterra, é uma sub-divisão do MOD, outra subcultura inglesa. O skinhead é uma cultura provinda da classe trabalhadora inglesa, com foco na música negra jamaicana (reggae) e inglesa (soul), influências diretas dos já citados mods, que gostavam de ska (o antecessor do reggae) e R&B (o antecessor da soul music). Foi a primeira cultura de rua que tinha em suas fileiras negros (os imigrantes jamaicanos, pois até 62 a Jamaica era colônia inglesa) e brancos (os jovens ingleses) convivendo harmonicamente. Teve seu auge no fim dos anos 60 e nada mais foi que um estilo de vida cultuado por jovens de diversas classes sociais, em torno da música e em torno de se diferenciar através de uma vestimenta limpa e elegante, mesmo sob circunstâncias econômicas nem sempre fáceis.

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R7: O que é o movimento skinhead, quando surgiu no Brasil e quais são suas características?

João: Skinhead não é movimento, é cultura, como já citado anteriormente. Já expliquei como foi a fundação dela na resposta anterior. O que acontece é que, como toda moda, o skinhead teve seu auge em 68/69/70 e depois foi esfriando e se sub-dividindo em outras culturas juvenis — conforme a estética e o som que estavam em evidência iam se modificando —, graças ao surgimento da nova década.

No fim dos anos 70 e começo dos 80, a cultura skinhead sofreu um revival na Inglaterra por mãos de pessoas como o cantor Judge Dread, que já estava envolvido com a mesma desde o começo da década de 70, e dos garotos que iniciavam um movimento musical chamado 2Tone, que nada mais é que a segunda onda do ska na Inglaterra, agora feito por garotos ingleses e não mais pelos jamaicanos que originaram o gênero musical no início da década de 60. Durante esse revival, outras coisas estavam surgindo no Reino Unido, como, por exemplo, o início do movimento punk.

Essa co-relação entre as subculturas deu origem à segunda onda do punk inglês, onde vários 'novos skinheads' estavam envolvidos. A segunda onda do punk inglês foi batizada de Oi!, uma gíria londrina muito comum na época. O Oi! em seu início não tinha conotação política, assim como o punk também não. Mas, com o passar do tempo, alguns grupos, tanto de esquerda quanto de direita, começaram a se aproximar daquela rapaziada rebelde dos subúrbios londrinos, e assim surgem os primeiros skinheads (e punks) de direita, controlados pela National Front. A partir disso, surge a RAC (Rock Against Communism), um movimento direitista infiltrado no skinhead, que, é, desde sua origem, multi-racial. No Brasil, o skinhead surge como uma dissidência de uma gangue punk, isso no começo dos anos 80. Se denominavam carecas. Foi um início conturbado: havia pouco acesso à informação, e skinhead no Brasil era mais punk que skinhead em si. Nem o nome eles usavam. E como essa falta de informação era latente, logo alguns indivíduos começaram a misturar o que seria o oi! skin com a influência da RAC, e aí tudo se perpetuou, levando à criação de grupos nazistas, xenófobos e integralistas, o que é uma grande piada no mundo inteiro, mas pior ainda em se tratando de um país latino, como o Brasil.

R7: Há uma estimativa de quantos skinheads temos no Brasil? E em SP?

João: Sem ideia.

R7: Por que, na sua opinião, se costuma associar skinheads ao neonazismo? Quando surgiu essa associação e como você lida com isso?

João: Porque, desde sempre, a mídia de massa e os grandes conglomerados de telecomunicacão venderam as notícias que davam mais ibope, e, é mais fácil vender sensacionalismo que informação. Uma "guerra entre jovens" é mais interessante pra a mídia de massa que a divulgação de uma cultura multi-racial inglesa-jamaicana. Isso, somado aos atos violentos de psicopatas que se denominam skinheads, mesmo sem ter a mínima ideia do que se trata essa bela cultura, são os responsáveis pela legitimação da mentira.

R7: Quais são os grupos skinheads de São Paulo?

João: Dentro da cena paulistana, o skinhead é mais ou menos dividido entre:

1. skinheads tradicionais (reggae, ska, soul e reviver a cultura como ela era em sua origem),

2. skinheads políticos de esquerda, que têm uma relação respeitosa com os tradicionais, em sua maioria

3. oi! skins não tão políticos, mas, ainda assim, contra o preconceito, que também têm uma boa relação com os dois primeiros grupos

4. "skins", que se declaram conservadores e de direita (alguns membros do movimento carecas);e os white powers, pessoas que não tem conhecimento e nem embasamento cultural ou teórico para se denominarem skinheads e se ligam pelo fato de praticarem atos violentos e de intolerância, seja contra gay, negro ou contra novos garotos que começaram a gostar das culturas skin e punk.

Dentro dessas sub-divisões existem várias crews (grupos), algumas mais ligadas à produção cultural, e outras simplesmente se comportando como vermes, que não produzem nada a não ser violência gratuita e encheção de saco perante os que produzem.

É impossível definir categoricamente o que é cada grupo, pois eles são formados por indivíduos com pensamentos e padrões comportamentais influenciados por inúmeros reflexos do meio. Embora uma grande gama de carecas seja "direitista", existem indivíduos isolados que não são. Embora grande parte dos skinheads antifascistas sejam pacíficos e ligados a produção cultural, também existem "justiceiros" que agem de uma forma tão violenta quanto as gangues de direita e, para piorar ainda mais a compreensão, existem indivíduos (e não são poucos) que transitam entre essas subdivisões e nichos ditos ideológicos. Careca que vira skin de esquerda, trad que vira careca, nazi que vira trad, nazi que vira de esquerda... Mas a divisão entre 'grupos' é mais ou menos o que citei nos quatro tópicos no início da resposta.

R7: De onde surgiu a rixa entre skinheads e punks? Por que ela rende situações tão violentas, como a morte do Johni Galanciak no show do Cock Sparrer, em 2011?

João: Skinheads e punks andavam juntos no Brasil desde o começo dos anos 80. Nos 90, com a (falsa) politização dos carecas, começou esse monte de treta. O Oi! é a segunda onda do punk rock, feita por/para skinheads e punks. O início do hardcorepunk americano também é marcado pelas mesmas particularidades. O Johni era meu amigo pessoal, isso aconteceu não por ele ser punk, mas porque existe uma guerra com base numa dualidade ideológica na cidade de São Paulo. Na época, alguns carecas e white powers se juntaram para fazer essa ação criminosa, uma covardia que poderia ter acontecido contra qualquer cidadão comum que se opõe ao preconceito.

R7: Há duas semanas, um júri popular julgou três jovens (um deles declaradamente skinhead) acusados de agredirem quatro pessoas na Jornada Anti-Fascista de 2011. Você esteve nessa jornada? Poderia nos relatar o que aconteceu ali?

João: Primeiro, o que se diz skinhead pode declarar o que quiser, mas se não estiver envolvido com a música negra e não souber das origens da cultura, ele não é skinhead.

Eu não estive nessa jornada. Prefiro não opinar. Porém espero que a justiça seja feita, pois, antes de se denominar membro de qualquer subcultura, esses indivíduos são sociopatas que não conseguem viver em comunhão e respeito com o próximo; logo, merecem cumprir reculsão até que mudem a sua mentalidade, ou, ao menos, controlem seus atos e respeitem o espaço individual de cada pessoa. Esses indivíduos estão mais interligados entre si pela sua postura agressiva e sociopatia que por skinhead ou punk realmente, ou até pela política (tendo em vista que é uma parcela ínfima desses ditos direitistas que realmente participa de atos políticos ou sabem do que estão falando). O que aproxima essas pessoas é a violência contra o próximo; logo, isso é algo inaceitável, e punições são mais que cabíveis.

*Nome fictício

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