Sobrevivente de massacre do Carandiru chora e diz que alguns presos “morreram só de olhar para os policiais”
Testemunha ficou cinco anos no Carandiru e começou a ser ouvida por volta das 11h
São Paulo|Ana Ignacio, do R7
Antônio Carlos Dias, primeira testemunha a ser ouvida no julgamento de 26 PMs acusados de participação no massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, estava preso no pavilhão nove na data da operação policial que terminou com a morte de 111 presos.
Emocionado, Dias, de 47 anos, contou que após a entrada dos policiais, todos os presos foram despidos e obrigados a passar por um “corredor de PMs” para ir até o pátio. Ele estava em uma cela no segundo andar do pavilhão.
— Teríamos que passar por eles para descer. Fomos brutalmente espancados. Eles tinham facas na ponta das armas e pedaços de madeira. Vários foram espetados e, na escada, tínhamos que escalar uma montanha de corpos e se você caísse eles atiravam. Muitos morreram só de olhar para eles.
A pedido de Antônio Carlos, os réus foram retirados do plenário durante seu depoimento, que durou cerca de duas horas. Segundo a testemunha, baseado no que ele viu apenas do segundo andar para baixo, ele diz acreditar que morreu “mais do que o dobro” de presos do que foi divulgado. Além disso, ele relatou também que testemunhou mortes no retorno para a cela.
— Alguns presos que estavam puxando corpos foram mortos depois.
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Antônio Carlos falou sobre a briga que teria motivado a rebelião e, consequente, ocupação do presídio. Segundo ele, o que ocorreu era um desentendimento “normal”.
— Todo dia tinha uma troca de faca [espécie de acerto de contas entre presos]. Isso era normal.
De acordo com Antônio Calos, houve um tumulto durante essa “troca de facas” e a situação não voltou ao normal porque “a polícia entrou na cadeia”.
— Quando a polícia entrou houve correria para subir para as celas. Achávamos que dentro das celas estaríamos mais seguros.
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Antônio Carlos conta que era possível ouvir tiros de metralhadora quase ininterruptos e, após mais de uma hora, novos disparos eram feitos na cadeia.
— Depois que invadiram, começaram disparos isolados. Depois começaram a recolher quem estava vivo e levar para o pátio.
A testemunha, presa por roubo a mão armada, disse que cumpriu pena de cinco anos no Carandiru. Nesse período, Antônio Carlos disse que nunca viu nenhuma arma de fogo no presídio. Em relação ao dia da ocupação policial, o ex-preso reforçou que ninguém estava armado no pavilhão. Facas e armas brancas, que alguns de fato possuíam, já tinham sido jogadas pelas janelas no momento em que a polícia entrou na cadeia.
“Me emocionei porque sobrevivi”
Durante as perguntas feita pelo promotor Fernando Pereira, Dias explicou por que chorou durante seu depoimento.
— Me emocionei porque eu consegui sobreviver. Quem sobreviveu e for reviver isso, vai se emocionar.
Além disso, o promotor relembrou testemunhos dados pela testemunha anteriormente e destacou uma fala de Antônio Carlos em que ele compara o Carandiru a um campo de concentração nazista. A testemunha confirmou esse sentimento.
— É uma boa comparação com um campo de concentração.
Além disso, o promotor deu espaço para que Dias falasse sobre seu passado e sua conduta. Estudante de administração de empresas e registrado na área de recursos humanos de uma empresa na época que foi preso, a testemunha disse que foi “envolvido no roubo” e que chegou a “ser torturado para confessar o crime”.
Defesa
A advogada dos 26 réus, Ieda Ribeiro de Souza, pediu que a testemunha detalhasse e confirmasse algumas informações passadas por ele anteriormente e perguntou se era uma “presunção” da parte dele dizer que o número de corpos era superior ao 111 divulgado.
— É uma presunção pelo número de corpos que eu vi. Seria, pelo menos, o dobro.
Quando questionado pelo juiz, Dias disse que não viu barricadas e pedaços da madeiras quebradas no pátio. Para confirmar isso, Ieda mostrou fotos do Carandiru para a testemunha. O ex-preso olhou algumas imagens, mas, incomodado, pediu para não olhar para tais fotos.
Após os questionamentos da defesa, os jurados fizeram perguntas para Antônio Carlos e a testemunha foi dispensada pelo juiz José Augusto Nardy Marzagão. O julgamento foi interrompido para o almoço e deve ser retomado por volta das 14h30.
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