“Tínhamos preocupação de manter a integridade física deles”, diz desembargador sobre presos do Carandiru
Julgamento de 26 PMs de participação no massacre do Carandiru entra em seu segundo dia
São Paulo|Ana Ignacio, do R7
A primeira testemunha de defesa a ser ouvida nesta terça-feira (16), no segundo dia de julgamento do caso do Carandiru, foi o desembargador Ivo de Almeida. Na época do massacre, Almeida era juiz da corregedoria e foi informado sobre a rebelião no Complexo Penitenciário e encaminhado para o local. Almeida foi um dos responsáveis por elaborar um relatório após a operação policial no presídio.
Segundo Almeida, a principal preocupação dos juízes era conter a rebelião o quanto antes.
— Tínhamos a preocupação de manter a integridade física deles. A preocupação era isolar e terminar [com a rebelião], porque com o pavilhão 8 ao lado, se a situação se desencadeasse por todo o presídio, seria imprevisível.
Leia mais notícias de São Paulo
De acordo com o desembargador, a situação no Carandiru estava complicada. Segundo ele, não havia como se comunicar com os presos e as tentativas de negociação realizadas pelo diretor do presídio não tinham sido bem-sucedidas.
— Não dava para entrar. Não tinha como ter contato verbal, não conseguíamos nos aproximar.
Diante dessa situação, Almeida conta que foi decidido, juntamente com outro juiz, com o coronel Ubiratan e o diretor do presídio que seria necessário arrombar o portão para entrar. A testemunha conta que, apesar de a situação estar tumultuada, isso era comum em casos de rebeliões em presídios.
— Para nós, a polícia entra e ocupa. Não esperávamos um desdobramento dessa gravidade.
Almeida relatou também que não viu nenhum policial executar presos e que, de onde ele estava, era possível apenas ouvir ruídos semelhantes ao de tiros.
Ainda devem ser ouvidos pela defesa os desembargadores Fernando Antônio Torres Garcia e Luiz Augusto França, o então secretário de Segurança Pública Pedro Franco de Campos e o ex-governador de São Paulo Luiz Antônio Fleury Filho. Segundo o Tribunal de Justiça, todas essas testemunhas já estão no Fórum da Barra Funda.
Autorização para entrada
Durante o depoimento, a testemunha relatou que a Corregedoria não conseguiu entrar no presídio para tentar uma nova negociação com os presos porque, segundo o coronel Ubiratan, não havia como garantir a segurança dos juízes.
Quando questionado sobre a autorização para ocupar o complexo penitenciário, Almeida disse acreditar que Ubiratan consultou superiores.
— O coronel pediu um tempo para decidir. Acredito que tenha consultado um superior, mas ele tinha autoridade para decidir. Depois fiquei sabendo que teria consultado o secretário [de segurança pública], que teria dito que, se fosse necessário, era para entrar para controlar a situação.
Almeida contou também que Ubiratan chegou a se ferir durante a operação.
— Eu não vi, foi um comentário, mas quando o coronel entrou e ficou no pátio teriam atirado [de uma das celas] um mini televisor que estourou e atingiu o coronel. Ele saiu sem sentidos, saiu socorrido.
Armas apreendidas
Depois da operação policial no Carandiru, a corregedoria redigiu um relatório sobre o ocorrido. Nele, constam que armas de fogo foram apreendidas no pavilhão nove. De acordo com Almeida, essas armas foram apresentadas pelos próprios policiais.
— Quem pegou as armas foram os policiais que fizeram a vistoria do pavilhão. A PM entrou, ocupou com rapidez, mas a operação de rescaldo e liberação do pavilhão levou horas.
A testemunha contou que a corregedoria foi chamada para conter a rebelião e disse que não havia nenhuma informação relacionada a uma possível fuga.
— Não tinha uma gravidade diferenciada. Era uma rebelião como qualquer outra.
Segundo Almeida, o juiz corregedor não tem obrigação nem treinamento para definir sobre o tipo de operação que deve ocorrer em casos como esses.
— O juiz corregedor existe como um agente que visa preservar a integridade física de todos e a legalidade do presídio.
Além disso, Almeida negou que tenha ouvido qualquer tipo de manifestação e “comemoração de gol” — como relatado por uma testemunha na tarde de segunda-feira (15) — por parte dos policiais que estavam do lado de fora no momento em que a tropa de choque entrou no Carandiru.
Relembre o caso
O massacre do Carandiru começou após uma discussão entre dois presos dá início a uma rebelião no pavilhão nove. Com a confusão, a tropa de choque da Polícia Militar, comandada pelo coronel Ubiratan Guimarães, foi chamada para conter a revolta.
Ao todo, 286 policiais militares entraram no complexo penitenciário do Carandiru para conter a rebelião em 1992, desses, 84 foram acusados de homicídio. Desde aquela época, cinco morreram e agora restam 79 para serem levados a julgamento.
Até hoje, apenas Ubiratan Guimarães chegou a ser condenado a 632 anos de prisão, porém um recurso absolveu o réu e ele não chegou a passar um dia na cadeia. Em setembro de 2006, Guimarães foi encontrado morto com um tiro na barriga em seu apartamento nos jardins. A ex-namorada dele, a advogada Carla Cepollina, foi a julgamento em novembro do ano passado pelo crime e absolvida.