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Falta de "leite especial" nas farmácias do Estado de SP coloca crianças alérgicas em risco

Governo diz que problema está no aumento da demanda; enquanto isso mães vivem drama 

Saúde|Eugenio Goussinsky, do R7

Somente este "leite especial" evita sérias reações alérgicas
Somente este "leite especial" evita sérias reações alérgicas

A falta de um alimento imprescindível para bebês e crianças com APLV (Alergia à Proteína do Leite de Vaca), e outras alergias, nas Farmácias de Alto Custo de São Paulo, tem causado transtorno a mães e pais sem condições financeiras para comprar o produto, denominado Neocate, que tem a função de um "leite especial".

As crianças não estão sendo mais amamentadas pelas mães e, sem a fórmula, ficam vulneráveis a vários tipos de reações alérgicas. Há casos em que a ingestão de um alimento inadequado provoca o bloqueio da glote (abertura da laringe que atua na respiração).

A distribuição das latas, feita pelo governo do Estado de São Paulo, praticamente parou desde o fim de agosto, deixando desesperados os responsáveis pelas crianças. Eles têm de se submeter a vários telefonemas diários, para os postos de entrega, a fim de saber se o produto chegou. 

A reportagem do R7 também entrou em contato com o Ambulatório Médico de Especialidades da Vila Mariana, um dos locais de distribuição (o outro é a Farmácia de Alto Custo do Ambulatório Médico de Especialidades Maria Zélia) e ouviu como resposta que o Neocate ainda estava em falta. 


— Não há perspectiva de quando o produto estará disponível. Tem que ficar ligando, infelizmente.

Famílias inteiras têm se desdobrado para obter o alimento. Com a falha na distribuição, grupos foram criados no Facebook para distribuição do Neocate. O jeito para muitos dos necessitados foi apelar para a ajuda dos vizinhos, amigos e parentes, na busca de amenizar este verdadeiro drama. Por mês, o lactante precisa de cerca de 20 latas de Neocate, cujo preço gira em torno de R$ 150. Crianças até cerca de dois anos de idade, em geral, necessitam de oito latas mensais.


A dona de casa Andressa Bleinat, de 34 anos, moradora do Grajaú, zona sul paulistana, até se endividou junto a amigos para comprar o produto. Ela diz que as preocupações naturais de uma mãe que têm filhos com essas restrições alimentares ficaram dobradas com a interrupção do fornecimento.

— Tenho de ficar diluindo o produto, para usar menos, com medo de que acabe. Vivo com medo, pensando, a cada lata que acaba: e depois? Minha rotina ficou muito prejudicada com essa situação. Quero que isso se regularize logo, para eu poder pagar o que devo.


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Além de João Pedro, de um ano e oito meses, que toma a fórmula, feita de aminoácidos, desde os 11 meses, ela tem outro filho, Miguel, de três anos e oito meses, também alérgico. Mas para o mais velho há outras opções alimentares.

Ambos, ao ingerirem certos alimentos, passam por sintomas comuns às crianças nessa situação. Miguel tem reações a leite, ovo, soja, trigo e amendoim. Entre elas estão inchaço, urticária, falta de ar e até fechamento de glote (abertura da laringe). Para compensar, ele toma suplementos de cálcio. Já João Pedro pode ter dermatite, sangue nas fezes e refluxo, entre outros.

As dificuldades financeiras da família impedem a compra do produto. O marido de Andressa é eletricista e complementa o orçamento com trabalhos aos sábados. Mas o rendimento do casal não chega a R$ 2.000.

Situação idêntica vive o casal Maria do Socorro Fernandes Moura, 42 anos, e Paulino Márcio dos Santos, de 34 anos. A pequena Ana Livia, de um ano e quatro meses, ingere a fórmula desde os cinco meses. Paulino, que é motorista de van escolar, faz de tudo para a filha não ficar sem o alimento. O rendimento de ambos também não chega a R$ 2.000 por mês.

— Mobilizei parentes, amigos e a comunidade. Quando me avisam que encontraram uma lata, paro o que estou fazendo e vou até lá. Já fui até o Embu (SP). Pego carro, carona, o que for. Já é difícil encontrar o produto, quanto tem é preciso ir de qualquer jeito, nem que eu tenha de me multiplicar por dez.

De fala solta e espontânea, Paulino demonstra estar sempre de bem com a vida. Mas, no fundo, a preocupação existe e muitas vezes é ele o único responsável por tentar se acalmar. 

— Aprendi que, por maior que seja a dificuldade, tenho de me manter lúcido, inteiro, para não fazer besteiras. Não quero mostrar desespero para minha filha e minha esposa. Mas só Deus sabe o sacrifício que é a nossa vida. Isso não impede de eu dar todo o meu carinho à minha filha e esperar que tudo isso um dia passe.

Sobre a doença

A APLV é um distúrbio que atinge 1 em cada 20 crianças de até um ano no Brasil. Trata-se de uma reação resultante da sensibilidade às proteínas relacionadas ao leite de vaca, derivados e componentes lácteos de produtos industrializados.

Pode aparecer nas primeiras duas horas ou até 72 horas após a ingestão do alimento e, em geral, causa os seguintes sintomas: vômitos, cólica, diarreia, dor abdominal, prisão de ventre, sangue nas fezes, vermelhidões na pele (urticária, dermatites) e problemas respiratórios. 

Somente essa fórmula, 100% hidrolisada (quebra de moléculas para melhor absorção), possibilita um desenvolvimento com os nutrientes adequados para a criança.

Em nota ao R7, a Secretaria de Estado da Saúde admitiu que o problema existe e atribui a falta a um aumento da procura pelo Neocate. 

— Destacamos que a Secretaria de Estado da Saúde já iniciou compra emergencial do Neocate para normalizar o estoque o mais rapidamente possível.

A Secretaria informou ainda que o pacientes têm sido orientados a procurar o médico para verificar a possibilidade de substituição temporária, bem como a prescrição da fórmula similar. 

Mas, segundo especialistas do grupo de voluntários, nenhum outro produto, nem o leite de soja, é alternativa à fórmula especial e sua ingestão pode até agravar o caso.

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