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Médico que operou siameses de Goiânia pega nas mãos de sobrevivente e diz: “O Brasil está torcendo por você”

Médico revela que morte de Arthur foi inesperada, já que garoto era "mais completo" que irmão

Saúde|Fabiana Grillo, do R7

Heitor Brandão está internado na UTI e luta para sobreviver
Heitor Brandão está internado na UTI e luta para sobreviver

Diariamente o médico Zacharias Calil segura as mãos de Heitor Brandão, de cinco anos, e diz: “O Brasil inteiro está torcendo por você. Vamos vencer essa.” O pequeno paciente continua a lutar pela vida após ser separado do irmão gêmeo siamês, Arthur, que não resistiu à cirurgia e morreu três dias após a separação.

— Eu converso muito com o Heitor e ele aperta bem forte a minha mão. Passo no hospital de três a quatro vezes por dia, inclusive sábado e domingo. Tenho essa responsabilidade porque acompanhei os meninos desde que eles estavam na barriga da mãe. É impossível não se envolver.

O cirurgião pediátrico Calil é coordenador da equipe médica que acompanha o caso dos gêmeos de Goiânia separados no final de fevereiro. O Hospital Materno Infantil, onde Heitor está internado na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) pediátrica, é referência no Brasil em cirurgias de separação de siameses pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

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Aos 60 anos, sendo 34 dedicados à carreira, Calil conta que já atendeu a 27 casos de crianças siamesas, mas apenas 12 gêmeos tiveram condições de serem separados. Segundo ele, em algumas situações, é inviável operar, especialmente quando o tórax e o coração são compartilhados.

— Além do coração, dividir o mesmo fígado também é complexo, porque é um órgão vital. Exatamente por envolver vários órgãos, a cirurgia de separação de gêmeos é um grande desafio para todas as áreas da medicina. Não à toa é preciso contar com a ajuda de uma equipe cirúrgica grande, com profissionais renomados e de várias especialidades.


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No caso de Heitor e Arthur — que nasceram unidos pelo tórax, abdome e bacia, compartilhando o fígado e a genitália — participou da cirurgia uma equipe multiprofissional composta por 51 profissionais.


— A cirurgia deles foi a mais complexa que já fizemos, só perde para gêmeos que compartilham a mesma cabeça. Após o procedimento [que durou quase 15 horas], tive um cansaço fora do comum. Acho que a minha resistência baixou e 24 horas depois fui diagnosticado com dengue. Foi horrível, mas não me ausentei das minhas responsabilidades.

Pela literatura médica, a taxa de sobrevida nesse tipo de procedimento varia de 5% a 20%, mas “pela nossa experiência diria que esse índice é de 50%”, acredita Calil. Segundo ele, a interação entre siameses não é bem esclarecida pela medicina, por isso muitas surpresas podem surgir no meio desse longo caminho.

— Uma delas foi a morte do Arthur, que me abalou muito como se fosse alguém da minha família. Além de ser maior do que o Heitor, ele era o mais completo anatomicamente. No entanto, ao separá-los, Arthur desenvolveu uma síndrome inflamatória com febre de 42 graus sem apresentar melhora.

Calil conta que Heitor já sabe que seu companheiro morreu e costuma dizer: “Agora meu irmão está morando no meu coração”.

Para o especialista, é impossível prever o que vai acontecer em cirurgias de tamanha complexidade. Por enquanto, o estado de saúde de Heitor é grave, mas estável. Segundo Calil, seu pequeno paciente é guerreiro e tem esboçado algumas melhoras.

— Ele está consciente e, apesar de não falar, escreve bilhetes ou faz sinal para pedir o que quer. Nesses dias, me pediu até para chupar um pirulito. O sucesso da cirurgia está no pós-operatório, por isso temos que acreditar na sobrevivência, sem desistir.

"Vamos vencer essa", diz Zacharias Calil para o pequeno Heitor
"Vamos vencer essa", diz Zacharias Calil para o pequeno Heitor

Após a operação, Heitor ficou apenas com uma perna (assim como Arthur), porque o terceiro membro foi amputado por causa de má- formação. Além disso, o garoto teve o fígado reconstruído, conta apenas com um rim e ficou sem o órgão genital.

— Heitor é surpreendente e teve uma resposta inflamatória mais satisfatória do que o irmão. Ele diz que ainda sente a terceira perna, mas isso é o que chamamos de dor fantasma. Com o tempo, a tendência é passar.

Os preparativos para a sonhada cirurgia

Desde que descobriu que sua gravidez era de gêmeos siameses, Eliana Brandão se mudou de Riacho de Santana, na Bahia, para Goiânia, onde seria acompanhada por renomados especialistas no assunto. Apesar de não ser obstetra, Calil conheceu a família e participou de toda sua trajetória, inclusive do parto.

— Assim como os pais, eu vibrava com cada evolução dos meninos. Eu nunca ouvi da Eliana nem do marido qualquer tipo de reclamação. É uma família extremamente religiosa que nunca pensou no aborto.

Segundo o médico, Arthur e Heitor sempre demonstraram vontade de viver livres, até porque nunca puderem andar, já que tinham apenas três pernas, sendo uma delas má formada.

A tão sonhada cirurgia só aconteceu cinco anos após o nascimento porque “eles eram muito magrinhos e não tinham pele suficiente para usarmos no fechamento do abdome, tórax e bacia”.

— Nesse período, fizemos oito intervenções cirúrgicas para colocar expansores de pele, que funcionam como uma gravidez, ou seja, estica e cria a pele.

No entanto, o procedimento nem sempre é assim. Calil lembra que há três anos operou dois irmãos de Fortaleza com apenas um ano de idade e foi um sucesso.

— Nos Estados Unidos, há outro caso de siameses unidos pelo abdome e bacia que vão completar 63 anos. Há também o caso das siamesas norte-americanas que compartilham a mesma cabeça há mais de 20 anos. Não há regras.

O fato é que o caso dos gêmeos siameses de Goiânia ganhou repercussão nacional. Mesmo sem conhecê-los, pessoas de todos os Estados brasileiros enviam diariamente mensagens de força para tentar confortar o coração da família Brandão. Assim como eles, toda a equipe médica liderada por Calil torce e luta pela sobrevivência de Heitor.

— Quando a gente opera um paciente, temos essa responsabilidade.

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