Apenas 52 refugiados venezuelanos estão prontos para deixar Roraima
Interiorização dos venezuelanos que estão na capital Boa Vista vai começar somente em abril, quando documentação e vacinação estiverem concluídas
Brasil|Diego Junqueira, do R7
Com 40 mil refugiados venezuelanos — sendo mais de 10 mil vivendo de forma precária em Boa Vista — Roraima tem apenas 52 refugiados prontos para serem transferidos para outros Estados pelo governo federal, que coordena a chamada interiorização de venezuelanos no país.
Esse processo — avaliado como “urgente” pelo governo municipal e pela gestão estadual — começaria esta semana com o envio de cerca de 500 refugiados para Manaus (AM) e São Paulo (SP), mas teve de ser adiado por falhas no planejamento da Casa Civil da Presidência da República e pelo surto de sarampo em Roraima.
Para serem transferidos para outros Estados, os venezuelanos precisam estar vacinados contra a febre amarela e o sarampo, entrar com pedido de refúgio junto à Polícia Federal (ou pedido de residência temporária), ter em mãos a carteira de trabalho e manifestar expressamente a vontade de deixar Roraima.
O que atrasou o início das viagens foi justamente a vacinação dos migrantes. Após o governo anunciar a interiorização, em 21 de fevereiro, a prefeitura de Boa Vista, em parceria com a Acnur (Agência da ONU para Refugiados) e autoridades estaduais, realizou no último dia 24 uma campanha de imunização e checagem de documentos junto aos venezuelanos. As equipes esperavam atender ao menos 500 migrantes, mas compareceram 280.
A aplicação da vacina tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola) não pode ser feita no mesmo dia da imunização contra a febre amarela, que por sua vez exige uma espera de dez dias para surtir efeito, o que acabou alterando os prazos da interiorização.
A Casa Civil foi informada pela prefeitura de Boa Vista que, nesta semana, apenas 52 venezuelanos estão totalmente prontos para viajar. Esse número deve chegar a 196 no início de abril, mas desde que os refugiados sejam imunizados contra a febre amarela no prazo correto.
A lista de nomes está sendo organizada pela Acnur Brasil, que irá repassar as informações para a Casa Civil. Segundo o ministério, a prioridade no momento é tirar de Roraima quem tem "um perfil com maior empregabilidade: homens jovens e sem filhos".
“Temos que fazer a interiorização. Uma cidade como a nossa não tem capacidade de receber o número de pessoas que a gente está recebendo”, diz a prefeita de Boa Vista, Teresa Surita (MDB-RR), em entrevista ao R7. Ela reclama de falta de planejamento na operação — assim como relatou na semana passada ao R7 o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB-AM).
— A Casa Civil se precipitou ao falar que vai tirar mais de 600 pessoas, porque quando vai tirar, não é da forma que eles pensam. (...) É aquela história, vão levar 600 pessoas, mas para onde? Quem são essas 600 pessoas? Vão sair de que jeito? Enquanto isso, as pessoas estão nas ruas, vai começar a temporada de chuvas e você não sabe o que fazer com elas.
Estimativas da Polícia Federal indicam que 800 venezuelanos cruzam diariamente a fronteira com o Brasil em Pacaraima, cidade a 200 km de Boa Vista, fugindo da crise econômica e de abastecimento no país vizinho, além da hiperinflação. A capital de Roraima tem hoje mais de 40 mil venezuelanos em casas alugadas, abrigos improvisados ou em praças da cidade. A prefeitura estima que a situação seja mais grave para cerca de 10 mil pessoas que estão nas ruas.
Surto de sarampo em Roraima
A interiorização também foi adiada em razão do surto de sarampo no Estado. Até o momento são oito casos confirmados (todos em crianças venezuelanas) e outros 29 em investigação. Uma menina de quatro anos morreu na semana passada, mas ainda são aguardados os resultados de exames para confirmar a causa da morte.
A prefeita de Boa Vista diz que não há espaço nos hospitais do município para isolar as crianças com a doença. A precária situação dos venezuelanos, que vivem em abrigos improvisados ou nas ruas e praças da cidade, aumenta o temor de que a doença se espalhe de forma mais rápida.
Para rever a situação, o Ministério da Saúde e o governo estadual anunciaram a maior campanha de vacinação da história de Roraima.
O plano é vacinar entre 10 de março e 10 de abril todas as pessoas do Estado que tenham entre seis meses e 49 anos de idade, sejam venezuelanos ou brasileiros, totalizando 400 mil pessoas. O final da campanha coincide justamente com o período que a Casa Civil planeja iniciar a transferência de venezuelanos, que será realizada por aeronaves da Força Aérea Brasileira.
“Daqui para frente Boa Vista não suporta mais%2C precisa de apoio”
Interiorização X Acampamento humanitário
Além do sistema de saúde, a prefeita de Boa Vista também está preocupada com o sistema de educação do município, que, segundo ela, está “no limite”.
— Tem um limite. Não vou conseguir manter isso por muito tempo, até porque minha cidade recebe [recursos] para atender 350 mil pessoas. Então chega uma hora e você não tem leito, não tem remédios, não tem médicos o suficiente. Quando você tem mais de 10% da população como refugiado, que precisa de emprego, que está com fome, que não tem uma orientação do que fazer, então a gente passa a viver uma crise humanitária.
Para a prefeita, mais importante do que a interiorização, neste momento, é a construção de um grande alojamento na cidade para atender a população em piores condições. A gestão municipal já escolheu um terreno de 40 mil m² na cidade, pertencente ao governo federal, para essa finalidade, mas o projeto também está nas mãos da Casa Civil.
“De imediato precisamos de uma ação humanitária para criar um acampamento e tirar as pessoas das ruas”, diz Surita.
Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo), o deputado estadual Carlos Bezerra Jr. (PSDB-SP) visitou Roraima nesta semana para acompanhar o planejamento da transferência de 300 venezuelanos para a capital paulista. O deputado visitou o ginásio do bairro Tancredo Neves, que concentra cerca de mil refugiados.
— Tudo é muito improvisado, com esgoto a céu aberto e condições bastante degradantes. (...) O fato é que claramente as ações improvisadas estão deixando pessoas em situação de vulnerabilidade, com agravante dos riscos de surto de doenças, como acontece com sarampo, além de interferência no funcionamento da cidade.
Bezerra Jr. defende a interiorização, mas também avalia que uma ação local em Roraima tem mais urgência neste momento. Ele afirma, contudo, que mesmo os refugiados interessados em deixar o Estado não possuem informações sobre os locais de destino.
— Tem que planejar a interiorização e precisa de ações emergenciais. Vivemos uma política de omissão do governo federal nos últimos cinco anos. Ou o governo não sabia sobre o fluxo de venezuelanos?
Procurada pelo R7, a Casa Civil informa que “as ações de interiorização e de abrigamentos correm em paralelo” e que “o governo federal aportará recursos para ajuda humanitária conforme a necessidade de cada Estado”.
A pasta informa que a transferência dos venezuelanos será custeada pela União e que “a recepção local de venezuelanos está sendo planejada junto às secretarias municipais”.