Marco Aurélio Mello diz que prisão em 2ª instância antecipa culpa
Procurador-geral da República, pouco antes, foi contrário a essa ideia. Para Augusto Aras, mudança no entendimento criará insegurança jurídica
Brasil|Marcos Rogério Lopes, do R7
O ministro Marco Aurélio Mello afirmou na sessão desta quarta-feira (23) do Supremo Tribunal Federal (STF) que "antecipar a pena" do réu, depois da condenação em segunda instância, é uma antecipação também da culpa. Ele defendeu em seu voto que a perda da liberdade só pode ser decretada apó o término do processo.
Para o ministro, relator das três ações declaratórias de constitucionalidade (ADC) que questionam a prisão após a segunda instância, "descabe inverter a ordem natural do processo-crime: apurar, julgar e prender somente em verdadeira execução da pena."
Leia também: Ministro Marco Aurélio aposta no placar da votação
Marco Aurélio diz que o STF se afastou da Constituição ao aceitar, em 2016, a prisão antes do término da ação penal. "Onde o texto é claro e preciso, não cabe interpretação", analisou.
O ministro declarou que não resta dúvida sobre o alcance e o objetivo do artigo 283 do Código de Processo Penal: "Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva".
A prisão provisória, argumenta Marco Aurélio Mello, pode pôr na cadeia inocentes que depois têm chance de ser absolvidos em tribunais superiores.
Logo após o voto de Marco Aurélio, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, encerrou a sessão. Os ministros voltam ao tema nesta tarde, a partir das 14h.
Defesas da segunda instância
Contrário à mudança no momento das prisões, o procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou que a prisão após a condenação em segunda instância não agride o artigo 283 do Código de Processo Penal.
Para ele, a mudança que obrigaria a perda da liberdade apenas depois do fim do processo causaria insegurança jurídica "após tão pouco tempo da última decisão", ocorrida em 2016.
"É preciso que valorizemos nosso processo civilizatório", disse Aras, cobrando dos ministros que mantenham o entendimento atual.
Leia também
STF condena Geddel e Lúcio Vieira Lima por bunker dos R$ 51 mi
Justiça aceita recurso e mensalão mineiro pode ser anulado
Bolsonaro diz que só come peixe se for frito e descarta carne japonesa
PF cumpre 23 mandados de busca e apreensão em 67ª fase da Lava Jato
Bolsonaro diz que governo quer aprovar outras reformas
O procurador-geral falou ainda que, apesar de o país ter 813 mil presos em péssimas condições, é possível que, aplicando medidas alternativas, reduzir pela metade o número de ocupantes dos presídios. "Temos leis que permitem que se fossem cumpridas certas medidas restritivas de direito, apuradas as hipóteses em relação à culpabilidade e à periculosidade do agente, poderemos ter uma redução significativa dos presos no Brasil".
Pouco antes de Aras, o advogado-geral da União, André Luiz de Almeida Mendonça, defendeu a prisão após a condenação em segunda instância, posição .
Para ele, o artigo 283 é constitucional, mas ele não anula a prisão antes do trânsito em julgado. "O desafio de hoje é interpretar qual é o justo processo de acordo com a Constituição."
Para Mendonça, é necessário interpretar a Constituição, que não deixa claro o momento da prisão, que pode, sim, segundo ele, permitir a privação da liberdade antes do trânsito em julgado.
O advogado-geral da União diz que não há injustiça na prisão antes do fim do processo.
A sessão
Na sessão desta quarta, o plenário do STF terá de se posicionar se mantém o entendimento atual da Justiça brasileira, válido desde 2016, que permite a perda da liberdade após a sentença em segunda instância, ou se altera a regra e só aceita a prisão após o esgotamento completo de todos os recursos da defesa, conforme determina o artigo 283 do Código de Processo Penal.
Mesmo que a decisão seja pela proibição de prisão em segunda instância, no entanto, nenhum preso do país vai sair da cadeia imediatamente. "Caberá aos juízes das segundas instâncias ou dos colegiados superiores determinar, caso a caso, quando a pessoa cumpre todos os requisitos para ficar em liberdade", explica Alamiro Velludo Salvador Netto, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Salvador Netto explica que se os ministros alterarem o entendimento só poderão continuar na cadeia pessoas pegas em flagrante ou que colocaram em risco, no decorrer do processo, a investigação ou a aplicação da eventual pena, com a tentativa de fuga, por exemplo.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, 4.895 presos seriam beneficiados se a mudança for pela autorização apenas após o fim do processo (trânsito em julgado). Entre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.