Posse de Fux à frente do STF dá novo respiro à Lava Jato
Agora presidente da Corte, ministro terá de pautar julgamentos que ameaçam a mais emblemática condenação da operação, a do ex-presidente Lula
Brasil|Marcos Rogério Lopes, do R7
Em decisões como ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), o agora presidente da Corte, Luiz Fux, que toma posse nesta quinta-feira (10), mostrou-se um defensor da Operação Lava Jato. Apesar desse histórico, no entanto, caberá ao novo chefe da última instância do Judiciário pautas que podem sufocar de vez a força-tarefa.
'Estilo Fux' é incógnita para o Palácio do Planalto
A possibilidade de um renascimento vigoroso do grupo responsável pela maior investigação já feita no país contra crimes de corrupção é remota mesmo estando na presidência do STF um 'amigo da Lava Jato'.
Reportagens publicadas pelo site Intercept, veículo que teve acesso a conversas reservadas do grupo de investigação, mostraram que o ex-juiz federal do Paraná Sergio Moro se referia ao ministro do STF como um aliado da Lava Jato. Em uma troca de mensagens, teria utilizado a sentença "In Fux we Trust", ou, em português, "Em Fux nós confiamos".
A simpatia de Fux pela operação é também conceitual. O ministro é apontado como um dos representantes da ala punitivista do Supremo, que tende a buscar a condenação dos infratores ainda que para isso arranhe decisões anteriores da Justiça ou tenha interpretações maleáveis dos artigos da Constituição. Vem daí sua afeição à Lava Jato, acusada pelos opositores de ir em alguns casos além das regras para punir seus alvos.
Um dos casos emblemáticos em que Fux falou a mesma língua da força-tarefa ocorreu ao suspender, em janeiro deste ano, e por tempo indeterminado, a entrada em vigor do juiz de garantias. A figura, criticada por Moro, então ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro, seria uma espécie de fiscal da atuação dos juízes.
Ele também foi favorável (e voto vencido) à manutenção da prisão após condenação em segunda instância. Em seu voto, em 24 de outubro de 2019, foi enfático ao dizer que "o Judiciário deve contas à sociedade; a mudança de um precedente que evita a impunidade não pode ser feita sem uma motivação profunda".
Apesar de pensar como os procuradores e demais agentes da operação, Fux assume a presidência da Casa com uma corrente forte contrária aos investigadores.
A saída de Moro do governo federal, ocorrida em abril, é um baque ao futuro da operação. Mas longe de ser o mais prejudicial.
Depois de sucessivas derrotas em 2019, estão à espera de votação no STF temas que colocam em risco de morte decisões importantes da Lava Jato. A principal é o habeas corpus (HC) da defesa do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, pedindo a suspeição do responsável pela condenação do petista em primeira instância, o então juiz federal Sergio Moro.
O caso em questão é o do tríplex do Guarujá, no litoral paulista. Foi ele que levou Lula à prisão em abril de 2018 após a condenação imposta pelo TRF-4, em segunda instância. Ficou 580 dias encarcerado na sede da Polícia Federal em Curitiba (PR).
O julgamento do pedido caberá à Segunda Turma do STF, na qual a vitória de Lula parece a mais provável: Cármem Lúcia e Edson Fachin já se manifestaram contra o HC, mas Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes destacaram em outros votos que Moro passou da linha aceitável para um juiz.
Com 2 a 2 no placar, que já beneficiaria o réu, segundo uma norma da Casa, o desempate ficaria com Celso de Mello, afastado por problemas de saúde. Caso volte a tempo, o 3 a 2 pode ser a favor do petista, afinal o decano também tem apontado exageros nos atos do magistrado.
Se Moro for considerado suspeito, como pede a defesa do ex-presidente há quatro anos, a condenação do Guarujá é anulada e provavelmente todos os atos do ex-juiz ficarão comprometidos. Entre os quais, a aceitação do processo relacionado ao sítio de Atibaia, também contra Lula.
Em outras palavras, Lula, alvo mais alto atingido pelas ações da Lava Jato, pode ver seus processos retornarem à etapa inicial, suas penas anuladas e sua ficha voltar a ser limpa, podendo se candidatar às eleições de 2022.
E contra isso Fux não tem quase nada a fazer.
'Quase' porque ele poderia simplemente ignorar o julgamento e manter tudo como está.
O problema é que isso mostraria uma parcialidade que pesaria sobre os ombros da Justiça, sem contar que o caso já se arrasta há anos e a opinião pública exige um posicionamento dos ministros em relação a Moro e a Lava Jato.
Toffoli, o inimigo
Nas mãos de Dias Toffoli, que nesta quinta-feira deixa o cargo a Fux, foram várias derrotas seguidas à Lava Jato.
Do fim da prisão após condenação em segunda instância a casos de Moro anulados por um erro processual apontado pelo plenário, a força-tarefa, que já andava com as pernas bambas, por pouco não foi à lona com a atuação do atual procurador-geral da República, Augusto Aras, que pediu todos os dados das apuração da Lava Jato e foi atendido por Toffoli.
Os procuradores do Ministério Público Federal foram contra o compartilhamento por virem na atuação de Aras, crítico às tentativas de independência da força-tarefa, uma intimidação às investigações.
Fachin acabou contrariando Toffoli e pôs fim à obrigação de compartilhamento.
O mal já estava feito, de qualquer forma.
Em cascata, o coordenador do grupo responsável pela Lava Jato, Deltan Dallagnol, pediu para deixar o cargo alegando problemas pessoais em 1º de setembro.
No dia seguinte, um grupo de sete procuradores da Lava Jato em São Paulo pediu desligamento. A debandada paulista se explica pelo enfraquecimento geral da operação, mas também porque o ministro do STF, Gilmar Mendes, determinou a suspensão da ação penal que mira o tucano José Serra por suposta lavagem de propinas pagas pela Odebrecht.
Nem o corporativismo tem salvado a operação. Na terça-feira (8), o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) decidiu punir com censura Dallagnol por publicações no Twitter que teriam tido influência na eleição da presidência do Senado. A ação foi movida por Renan Calheiros, derrotado. Há outras duas reclamações contra o procurador no mesmo órgão.
Escolhido por FHC e Dilma
Fux, natural do Rio de Janeiro, formou-se e fez doutorado em Direito na Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Em 2001, foi nomeado ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Dez anos depois, chegou ao Supremo por indicação da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
O ministro não pode ser acusado de defender este ou aquele governante, tanto que transitou bem pelos governos de tucanos e petistas. Com estilo reservado, é também bastante religioso.
Na atual gestão, de Bolsonaro, tirou fotos e teve reuniões reservadas com o presidente, mas também votou a favor do inquérito das fake news, contra o qual o governo fez campanha e o chefe do Executivo esbravejou em algumas ocasiões.
"As fake news desvirtuam a ideia de democracia porque fazem com que o povo seja representado no governo por pessoas eleitas por força da fraude", declarou Fux.
Em outras ações nesses nove anos na corte suprema, ele foi favorável à equiparação do crime de homofobia ao de racismo, em maio de 2019, à proibição do financiamento de campanhas eleitores por empresas, em dezembro de 2013, e à condenação de 109 dos 112 réus do mensalão, em 2012.
Posse com distanciamento e álcool gel
A cerimônia de posse está marcada para as 16h desta quinta e promete ser marcada pelas medidas de prevenção contra o novo coronavírus. Dos 250 lugares disponíveis no salão, apenas 50 serão ocupados.
Entre as ilustres presenças são esperados Bolsonaro e os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), além de Augusto Aras, da Procuradoria-Geral da República..
A mesa onde ficam os ministros terá barreiras de acrílico transparentes e álcool em gel para cada integrante.
O uso de máscara será obrigatório para os participantes da cerimônia, que passarão ainda pela medição de temperatura. Haverá sinalização no piso, inclusive nos elevadores, para orientar o fluxo de pessoas nas áreas de acesso à solenidade.
O evento também celebrará a posse da ministra Rosa Weber como vice-presidente do STF, mas não haverá buffet para os convidados nem o momento dos cumprimentos, para evitar apertos de mão e aglomerações.