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Único hospital de Pacaraima vira símbolo de descaso em meio à crise

Hospital na fronteira do Brasil com a Venezuela sofre com infiltrações e esgoto na cozinha. Funcionários se viram como podem para atender a demanda 

Brasil|Diego Junqueira e Márcio Neves, do R7, enviados especiais a Pacaraima (RR)

"Centro cirúrgico" foi transformado em sala de partos
"Centro cirúrgico" foi transformado em sala de partos

Centro cirúrgico parado há quase 30 anos, convertido em sala de parto e maternidade. Cozinha desativada com o esgoto retornando pelo encanamento. Laboratório precário que realiza apenas hemogramas e dependente da doação de insumos da Venezuela. Pagamentos irregulares de salários dos profissionais da limpeza.

Essas foram algumas das precariedades encontradas pela reportagem do R7 na última sexta-feira (24) no Hospital Délio Tupinambá, em Pacaraima (Roraima), na fronteira do Brasil com a Venezuela, que está no centro de uma crise social e humanitária pelo intenso fluxo de imigrantes venezuelanos ao Brasil.

O único hospital da cidade — que conta também com dois postos de saúde — se tornou um símbolo do descaso das autoridades estaduais e federais com a região, que batem boca publicamente na disputa por milhões de reais, enquanto os profissionais de saúde, a população local e os venezuelanos se viram como podem na desestruturada unidade.

A falta de condições colocou em risco a vida do comerciante Raimundo Nonato de Oliveira, de 55 anos, que no último dia 17 foi brutalmente agredido na cabeça durante um assalto a sua residência, aparentemente por quatro venezuelanos. A violência contra Seu Raimundo gerou revolta na cidade afligida pela violência e culminou com o ataque de um grupo de brasileiros aos migrantes em situação de rua, com a expulsão de 1.200 deles para o outro lado da fronteira.


Seu Raimundo entrou na unidade com estado de saúde grave, intensa perda de sangue e necessidade urgente de transfusão. No entanto, não havia condições no hospital para estabilizar seu quadro clínico, segundo os profissionais de saúde, que não serão identificados nesta reportagem.

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A remoção para Boa Vista se tornou urgente, mas a única ambulância do local havia acabado de sair rumo à capital, a 200 km de distância, com um paciente que havia sofrido um infarto.


“Não há condição alguma de atender a pacientes graves”, relata um funcionário.

Vazamento de esgoto na cozinha espalha água suja pelo espaço
Vazamento de esgoto na cozinha espalha água suja pelo espaço

A unidade entrou em contato com o posto de saúde avançado do Exército — que fica na fronteira para o atendimento dos venezuelanos recém-chegados — para solicitar a ambulância do local, mas o atendimento foi negado.


“Eu saí de Pacaraima com meu carro particular e a médica me acompanhando”, conta Seu Raimundo, entrevistado uma semana após ser agredido a paulada.

A ambulância já estava retornando a Pacaraima quando cruzou com seu Raimundo na metade do caminho, concluindo seu transporte até a capital.

Horas antes do ataque aos venezuelanos, correu um boato em Pacaraima de que o comerciante havia morrido. Moradores relatam à reportagem que a notícia falsa inflamou o grupo de brasileiros que protestava contra os venezuelanos, já no sábado (18), o que contribuiu para o ataque aos refugiados. Na verdade, havia morrido o primeiro paciente transportado de ambulância, de infarto, que também tinha sido levado para o Hospital Geral de Roraima (HGR). 

Raimundo recebeu alta no dia seguinte, domingo (19), e desde então é atendido no Hospital Délio Tupinambá para cuidar dos curativos.

Infiltração e problemas na rede elétrica são comuns
Infiltração e problemas na rede elétrica são comuns

Sem cozinha, sem cirurgia, sem luz

“Este é um hospital de pequeno porte sem estrutura para ser referência. No laboratório, só fazemos hemogramas. Não temos condições de fazer transfusão de sangue. Nosso raio-X só está funcionando porque o hospital de Santa Elena [de Uairén, na Venezuela] nos doou o químico esta semana”, conta uma funcionária. “Precisamos de mais estrutura”.

Em uma cidade com 12 mil habitantes (e um número incerto de refugiados), o hospital assiste ao crescimento acelerado do número de atendimentos, que passou de 5.791, em 2016, para 10.368 somente no primeiro semestre deste ano — sendo 6.509 de venezuelanos, ou 63% do total.

A precariedade, no entanto, limita a capacidade do serviço. “Nós estamos deixando de internar alguns casos por falta de comida”, conta outra funcionária.

Na cozinha da unidade, desativada, é possível notar vazamento de esgoto, infiltrações nos armários e falta de limpeza dos armários (veja em imagens a situação do hospital). O local é usado parcialmente apenas para o preparo de café e lanches.

Atualmente, os alimentos são comprados pela direção e as refeições são preparadas na casa de uma funcionária. Almoços e jantares são servidos para a equipe e para quem já está internado, sem espaço para imprevistos. A reportagem presenciou um venezuelano levando o almoço para sua mulher, internada porque havia dado à luz naquela manhã.

No centro cirúrgico, apenas uma placa na parede indica para o que deveria ser aquele local, que nunca realizou uma cirurgia desde a fundação do hospital, em 1992, e foi transformado em sala de partos.

Para atendimentos urgentes, a unidade conta com dois kits catástrofe, obtidos recentemente, cada um formado por um desfibrilador, um ventilador, duas bombas de infusão e um monitor cardíaco. Todo atendimento mais complicado é levado para o HGR, em Boa Vista.

Sem mencionar o problema de apagões, que se tornaram rotina na vida dos roraimenses, já que a energia vem da Venezuela, onde a manutenção é feita cada vez de forma mais precária. Há exatamente duas semanas, uma venezuelana vinda em missão empresarial na fronteira, Olívia Veronica León, morreu após ter uma parada cardíaca em meio a um apagão, que durou 24 horas e não foi revertido porque os geradores não funcionaram.

“Não conseguimos dar o choque nela”, conta um funcionário. Os apagões também acabam queimando lâmpadas e aparelhos.

Graciely: "a atenção é melhor que a de um anjo"
Graciely: "a atenção é melhor que a de um anjo"

Apesar de todos os problemas, os pacientes entrevistados pela reportagem elogiam o atendimento, como a venezuelana Graciely Mijares, de 30 anos, mãe da pequenina Yusgrace, a nova brasileirinha que havia acabado de chegar ao mundo.

Natural de Ciudad Guayana, a 600 km de distância, ela vive há 2 anos em Pacaraima porque a situação estava “muito difícil” em sua cidade, onde “não se consegue comprar fraldas nem o leite para as crianças”.

— O hospital de lá estava todo sujo, fedia, com contaminação. Eu vim para cá e a atenção foi melhor que a de um anjo. Tudo é limpo. Me dá uma dor, e elas vêm e me atendem rápido.

Assista ao vídeo abaixo e entenda a situação nas ruas da cidade:

Disputa política

O serviço de atendimento à saúde em Pacaraima e em toda Roraima está no meio de uma disputa política travada entre Brasília e Boa Vista, em razão da explosão de atendimentos aos venezuelanos.

Em todo o Estado, o número de venezuelanos atendidos saltou de 700, em 2014, para 50 mil no ano passado. E somente nos três primeiros meses deste ano, passou de 45 mil, segundo dados da Sesau (Secretaria de Estado da Saúde de Roraima).

A governadora Suely Campos (PP), candidata à reeleição em outubro e que responde pela gestão do hospital de Pacaraima, está em pé de guerra com o Palácio do Planalto para que a União pague R$ 184 milhões ao Estado, como ressarcimento por gastos com venezuelanos nas áreas de saúde, educação e segurança. Desse total, R$ 70 milhões correspondem aos 50 mil venezuelanos atendidos em 2017. Suely também pede a instalação de um hospital de campanha em Boa Vista.

Em visita a Pacaraima na última quinta-feira (23), o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, declarou que a União já repassou mais de R$ 180 milhões a Roraima e que R$ 70 milhões ainda estavam disponíveis nos cofres estaduais.

— Quando o governo gastar aquilo que lhe foi enviado, alguma coisa em torno de 180 e poucos milhões de reais, evidentemente que estaremos dispostos a atender. Então, primeiro o governo precisa gastar aquilo que está em seus cofres.

O ministro também chegou a dizer que a cidade fronteiriça conta com um hospital de campanha do Exército, mas foi desmentido na sequência pelo coronel George Feres Kanaan, que comanda a Operação Acolhida em Pacaraima, de recepção e triagem dos imigrantes.

Segundo o Exército brasileiro, um hospital de campanha é uma unidade móvel “grande” e “moderna” com áreas de triagem, enfermaria, emergência, centro cirúrgico de urgência, UTI (Unidade de Terapia Intensiva), seção de radiologia com equipamentos de raio-X e de ultrassonografia, laboratório para exames, farmácia e banco de sangue. Serviços muito além do que o posto avançado, os dois postos de saúde e o hospital Délio Tupinambá podem oferecer à população de Pacaraima.

O R7 entrou em contato na sexta-feira, no sábado e no domingo com a Sesau, por telefone, mensagem e recado na secretária eletrônica, mas não recebeu um posicionamento até a publicação desta reportagem.

Sobre não emprestar a ambulância para socorrer seu Raimundo em Pacaraima, o Exército brasileiro respondeu apenas que o paciente chegou a Boa Vista de ambulância. 

Veja as fotos do interior do hospital de Pacaraima (RR) abaixo:

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