A cada dois minutos, uma criança ou adolescente é vítima de algum tipo de violência no Brasil
Foram 66 mil denúncias nos 1º trimestre deste ano; maior parte dos casos envolve negligência e violência física, psíquica e patrimonial
Brasília|Edis Henrique Peres, do R7, em Brasília
O Disque 100 registrou 66.551 casos de violência contra crianças e adolescentes nos três primeiros deste ano (91 dias), numa média de uma vítima a cada dois minutos. Em relação ao mesmo período de 2023, houve uma alta de 26,8%. A maior parte envolve negligência e violência física, psíquica e patrimonial. Os dados foram obtidos por meio de um levantamento exclusivo do R7 no painel de monitoramento do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
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De acordo com os dados, pelo menos 21 mil denúncias relatam violência que acontecem há mais de um ano contra os adolescentes e as crianças, sendo a maioria praticada dentro da residência onde a vítima mora com o agressor e denunciada por terceiros. Os dados levantados pela reportagem também revelam que 19,1 mil vítimas são crianças com menos de 5 anos.
De acordo com a psicóloga clínica Alessandra Araújo, as crianças muitas vezes não conseguem identificar a violência que sofrem, interpretando gestos autoritários como demonstrações de carinho. Por isso, é importante que os adultos ao redor estejam atentos a mudanças comportamentais, como tornar-se mais retraída ou agressiva.
“O adulto adoecido hoje tem muito dessas marcas dessa infância, dessa criança interior. Então, buscar ajuda, como grupos terapêuticos infantis, vai fazer com que essa criança possa se fortalecer. A criança não é o problema, mas muitas vezes reflete as dificuldades emocionais dos pais ou cuidadores.”
A especialista afirma também que, quando uma criança é frequentemente exposta a gritos e brigas, seu corpo libera adrenalina e cortisol, contribuindo para um estado de alerta constante. “É importante reconhecer e abordar essas questões para garantir um ambiente seguro e saudável para o desenvolvimento infantil.”
O Disque 100 é um canal de denúncias gratuita do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania e pode ser acionado por ligação e pelo site da pasta para videochamada em Língua Brasileira de Sinais. Em todas as plataformas as denúncias são gratuitas, anônimas e recebem um número de protocolo para que o denunciante acompanhe o andamento da queixa.
A psicóloga explicou que as três principais violências sempre são a verbal, física e sexual. Segundo ela, aa sociedade, a cultura do abuso está disseminada, e crianças por volta dos sete anos de idade, ou até mesmo mais cedo, podem passar pelo primeiro momento de descoberta da sexualidade. Em um contexto de adoecimento mental por parte do agressor, a criança se torna um alvo fácil, muitas vezes sendo manipulada com promessas de amor e afeto.
“Quando uma criança é criada em um ambiente saudável, livre de violência física, verbal e sexual, ela tem a oportunidade de se desenvolver de forma mais segura e estável. Nesse ambiente, onde é ouvida e suas emoções são validadas, ela se torna mais segura de si mesma e menos propensa a desenvolver patologias físicas, como disforia de imagem e problemas relacionados à alimentação.”
Ao R7, o Ministério explicou que após, o recebimento da denúncia, o registro é encaminhado aos órgãos responsáveis pela proteção, defesa e responsabilização em direitos humanos. “A Central de Atendimento do Disque 100 aguarda um retorno destes órgãos em até 30 dias. Não havendo resposta, a Central realiza um monitoramento e alerta aos órgãos sobre a denúncia encaminhada anteriormente”, aponta.
A pasta também ressalta que, no momento, ainda “não há legislação que obrigue os órgãos parceiros a fornecer informações acerca do andamento das denúncias direcionadas através dos canais de atendimento da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos”.
Análise criteriosa
O Ministério também comentou o aumento no número de registros, que deve ser analisado de “forma criteriosa”, na avaliação da pasta.
“Os registros podem abranger desde casos suspeitos até violências confirmadas pelas autoridades. Também é vital reconhecer que essas estatísticas podem subestimar a realidade da violência devido a subnotificações causadas por medo, vergonha ou falta de confiança nas instituições.”
Para solucionar a defasagem, a pasta promove campanhas para estimular as denúncias pelo Disque 100 com o objetivo de sensibilizar a população sobre a gravidade dessas violências e estimular a denúncia em casos suspeitos e confirmados.
“Tais iniciativas têm como objetivo proteger os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes e encaminhá-los aos órgãos competentes. O monitoramento dos dados do Disque 100 possuem uma importância primordial para a compreensão das violências”, pontua.
O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania explica que, com os dados, é possível “obter evidências sobre quais são os tipos de violências e violações de direitos contra crianças e adolescentes mais recorrentes, bem como idade, gênero, raça, localidade, perfil do agressor, dentre outros”.
“Os dados possuem papel também de subsidiar a formulação da política pública nas estratégias de prevenção, atendimento, enfrentamento, articulação e combate às violências contra crianças e adolescentes”.
*Colaborou Victoria Lacerda, do R7, em Brasília