Após caso Moraes, especialistas veem limites e riscos futuros no uso da Lei Magnitsky
Governo dos EUA retira Alexandre de Moraes da lista de sanções da Lei Magnitsky e levanta debate sobre efeitos jurídicos e diplomáticos
Brasília|Mariana Saraiva, do R7, em Brasília
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O governo dos Estados Unidos retirou na sexta-feira (12) o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, a esposa dele e uma empresa registrada em seu nome da lista de sanções da Lei Magnitsky. Moraes havia sido incluído no rol em julho; a esposa, em 22 de setembro.
A reversão encerra um episódio que colocou o Judiciário brasileiro no centro de um debate jurídico e diplomático incomum — e lança luz sobre o alcance e os limites desse tipo de sanção internacional.
A decisão foi publicada no site do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros dos Estados Unidos (OFAC, na sigla em inglês) e confirma que os nomes deixaram de integrar a lista de Cidadãos Especialmente Designados e Pessoas Bloqueadas (SDN List), espécie de “lista vermelha” financeira do governo americano.
A Lei Magnitsky faz parte do arcabouço legal dos Estados Unidos e autoriza a aplicação de sanções econômicas contra pessoas acusadas de corrupção ou de graves violações de direitos humanos.
Criada em 2012, durante o governo Barack Obama, a norma prevê medidas duras: congelamento de contas e bens em território americano, bloqueio de operações financeiras e veto de entrada no país.
Sem direito ao contraditório
Em entrevista ao R7, o advogado e professor de pós-graduação em direito migratório Vinicius Bicalho, mestre pela Universidade do Sul da Califórnia, explica que o enquadramento não depende de uma condenação judicial.
Os critérios se baseiam na existência de informações consideradas confiáveis, oriundas de relatórios governamentais, organizações internacionais, ONGs, imprensa qualificada ou investigações oficiais.
“Avalia-se o grau de responsabilidade, o poder de decisão do indivíduo e se houve uso do aparato estatal para cometer ou encobrir as condutas”, afirma.
Segundo Bicalho, o procedimento está longe de um tribunal clássico.
“Não há contraditório ou ampla defesa nos moldes judiciais. É um processo administrativo e político-administrativo, conduzido por órgãos do Executivo, como os departamentos de Estado e do Tesouro. A ‘comprovação’ se dá por análise de evidências, não por sentença transitada em julgado”, explica.
Embora seja um instrumento unilateral do direito interno dos Estados Unidos, depois copiado por outros países, a Lei Magnitsky bebe em fontes do direito internacional.
“Ela não cria novos direitos, mas aplica sanções com base em padrões internacionais já consolidados em tratados e convenções de direitos humanos”, observa o advogado.
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Risco político
Para a advogada especializada em comércio internacional Carol Monteiro, do escritório Monteiro & Weiss Trade, o uso da lei carrega um risco político que acompanha sua própria força.
“Há críticas recorrentes sobre seletividade, foco maior em países fora do eixo estratégico americano e ausência de critérios probatórios uniformes. Isso não invalida juridicamente a lei, mas pode enfraquecer sua legitimidade política e diplomática em determinados contextos”, avalia.
Na prática, os efeitos ultrapassam o papel e chegam rápido à mesa de negociação.
Monteiro aponta que as sanções têm impacto imediato por causa da centralidade do sistema financeiro dos EUA. “Elas podem bloquear operações comerciais, inviabilizar contratos e afastar parceiros”, detalha.
“No campo diplomático, costumam gerar atritos bilaterais e respostas políticas. Mesmo quando atingem indivíduos, são frequentemente lidas como recados ao Estado de origem, sobretudo quando o alvo ocupa cargo público relevante”, afirma.
Percepção externa
Para o cientista político Gabriel Amaral, o episódio marcou uma virada simbólica na forma como o Brasil passou a ser observado fora de suas fronteiras.
Amaral define que aplicar a Lei Magnitsky a um ministro do Supremo foi um “gesto excepcional, que rompeu com a tradição de cautela em relação a democracias constitucionais”.
“Significa que disputas internas brasileiras passaram a ser interpretadas, por alguns atores internacionais, como passíveis de sanção, e não apenas de observação”, avalia.
A retirada posterior do nome de Moraes, no entanto, revelou a fragilidade dessa leitura.
“Se a sanção sugeriu uma interpretação severa sobre o funcionamento do Judiciário brasileiro, a revogação mostrou que essa narrativa não se sustentou no tempo. A percepção externa foi moldada mais por disputas discursivas do que por evidências estruturais”, afirma.
Patamar máximo da política externa
Segundo Amaral, a sanção elevou o tema ao patamar máximo da política externa brasileira.
“Ainda que o instrumento seja individual no papel, o impacto é estatal na prática, pois envolve a legitimidade de uma das principais instituições do país. A retirada da medida indicou o alto custo diplomático desse tipo de ação, que tende a produzir mais ruído do que resultados concretos”, diz.
Para o cientista político, o episódio deixou marcas ambíguas na imagem do Brasil.
“Em ambientes internacionais pouco familiarizados com a complexidade institucional brasileira, a simples existência da sanção funcionou como um alerta reputacional”, analisa.
Por outro lado, a reversão também pode ser lida como sinal de resiliência institucional e de limites claros à instrumentalização política de mecanismos extremos.
“Democracias não se definem pela ausência de conflito, mas pela capacidade de atravessá-lo sem ruptura. O risco maior foi tentar congelar um conflito político como diagnóstico definitivo sobre a democracia brasileira”, conclui.
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