Congresso pressiona, e transição avalia validade de dois anos para PEC do estouro
A alternativa, no entanto, não é bem avaliada entre os aliados do PT nem na base do atual governo
Brasília|Bruna Lima e Plínio Aguiar, do R7, em Brasília
Sem consenso no Congresso quanto à PEC (proposta de emenda à Constituição) do estouro, o governo de transição trabalha com a possibilidade de aceitar que o teto de gastos seja extrapolado para bancar o Auxílio Brasil, que voltará a ser chamado de Bolsa Família, por um período limitado de pelo menos dois anos, e não de forma permanente.
A necessidade de ceder ocorre justamente porque não há um plano alternativo do PT caso a PEC do estouro não seja aprovada. Foi o que afirmou o coordenador dos grupos técnicos da equipe de transição, Aloizio Mercadante. "O esforço está em construir a maioria e na urgência de aprovar no Senado e na Câmara", disse ele, após ter anunciado um reforço de articuladores para viabilizar o texto já na próxima semana.
Um dos escalados para a articulação é o senador Jaques Wagner (PT-BA). Nesta semana, o parlamentar afirmou que, se o ministro da Fazenda fosse indicado, isso "facilitaria" a tramitação da PEC do estouro.
Lideranças petistas e de partidos políticos aliados ouvidas pela reportagem defendem quatro anos como o período ideal da retirada do Bolsa Família do teto de gastos. No entanto, diante da pressão feita por parlamentares, a equipe de transição avalia reduzir a validade da PEC, se essa for a única condição. O PT, entretanto, tem dito com veemência que não aceita o prazo de um ano.
"Nós não vamos aceitar um ano, porque vai com a inviabilização que o governo mandou para cá. Na verdade, um ano se transforma em seis meses, porque em maio o governo vai ter que mandar a LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias] para o Congresso Nacional", argumentou o líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA).
Valor do estouro também não é consenso
O valor do estouro é outro entrave. Membros do governo de transição consultados pela reportagem não abrem mão de conseguir pelo menos R$ 175 bilhões extras para viabilizar o Bolsa Família.
Como os R$ 105 bilhões para bancar o benefício já estão incluídos na proposta da LOA (Lei Orçamentária Anual), parlamentares da base de Jair Bolsonaro (PL) e de partidos independentes defendem a liberação extra apenas do valor para que se complemente a previsão.
Relator do Orçamento federal de 2023 e autor da PEC do estouro, o senador Marcelo Castro (MDB-PI) reconhece que a falta de consenso atrasou o protocolo do texto, que só deve ser feito na terça-feira (29), após a chegada de Lula a Brasília, na segunda-feira (28).
Leia também
"Os dois grandes desafios que temos para que o país continue funcionando são a aprovação da PEC do Bolsa Família e o Orçamento do próximo ano. Para que possamos focar na elaboração do Orçamento de 2023, precisamos que a PEC seja aprovada no Senado e na Câmara até o dia 10 de dezembro", afirmou Castro.
O emedebista é defensor da permanência do Bolsa Família fora do teto de gastos por tempo indeterminado. No entanto, como há resistência de senadores, a tendência é que essa possibilidade seja avaliada no ano que vem, a partir de uma mudança na regra que limita o crescimento das despesas públicas à inflação.
Aguardando a PEC
Fontes de partidos não alinhados a Lula disseram que vão aguardar a chegada do texto para cravar uma orientação de bancada. A avaliação é que, diante da demora para a entrega de uma proposta consolidada, não haverá tempo para articular nada além da concessão de crédito extra para bancar o Bolsa Família.
O PL promete se opor a qualquer extrapolação do teto de gastos para além do próximo ano. "Com a gestão da máquina, o próximo governo que precisa se planejar e abrir espaço orçamentário", indicou Marcos Rogério (PL-RO).
O líder do governo, Carlos Portinho (PL-RJ), antecipou a informação de que a base aliada de Bolsonaro estaria disposta a liberar R$ 80 bilhões para 2023. A proposta inicial da PEC prevê um estouro na casa dos R$ 200 bilhões.
"É preciso tentar buscar um canal de construção do que é possível. Se o impacto do que querem é muito maior, os juros altos, a inflação vão corroer o poder de compra justamente dos R$ 600 do auxílio", argumentou Portinho.
"A bancada do PP e todas da base do governo serão oposição em qualquer proposta partidária. O que for justo, necessário, vai contar com o apoio", afirmou o senador Guaracy Silveira (PP-TO).
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) — figura importante do mesmo MDB de Marcelo Castro (PI) — tem falado contra a proposta e defendido conseguir a liberação de créditos por meio de medida provisória. Para ele, a PEC "antecipa um desgaste" e não é o único caminho possível.
"Eu sempre achei e continuo achando que essa questão do auxílio, da primeira infância, das famílias, isso que diz respeito ao teto pode ser resolvido por medida provisória. O salário-mínimo, por exemplo, pode ser resolvido por medida provisória depois da posse do novo governo", defendeu Calheiros.