Corte de gastos: entenda os impactos do pacote anunciado pelo governo
Equipe econômica do governo detalhou o pacote de corte de gastos nessa quinta; uma das mudanças é no reajuste do salário mínimo
Brasília|Beatriz Alves* e Thays Martins, do R7, em Brasília
O governo federal anunciou um pacote de corte de gastos que pretende economizar R$ 70 bilhões nos próximos dois anos. Entre as medidas, anunciadas estão a limitação do crescimento do salário mínimo, a redução do número de pessoas com direito ao abano salarial e mudanças nos benefícios de militares. O pacote, no entanto, ainda precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional.
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Segundo Luís Cláudio Yukio Vatari, advogado tributarista e sócio do Toledo Marchetti Advogados, os mais atingidos pelas mudanças serão as pessoas mais pobres. “As medidas podem impactar especialmente a população de rendas mais baixas, com eventual diminuição do poder aquisitivo da população em geral, capacidade de poupança e um aumento dos custos de produtos de primeira necessidade, principalmente alimentos", afirma.
Isso porque entre as medidas estão a limitação do aumento do salário mínimo a 2,5% por ano acima da inflação, a definição de que terão direito ao abono salarial quem ganha até R$ 2.640 por mês (hoje, tem direito ao abono quem ganha até R$ 2.824 mensais) e o endurecimento das regras para o BPC (Benefício de Prestação Continuada).
“A limitação do crescimento do salário mínimo pode afetar diretamente os trabalhadores de renda mais baixa", concordou o mestre em finanças Hulisses Dias. Ele explica que a intenção do governo é equilibrar a valorização do poder de compra dos trabalhadores com a necessidade de controlar as despesas públicas. Contudo, pontua que a medida, apesar de necessária, pode não agradar.
“Embora ainda garanta algum crescimento acima da inflação, essa limitação pode gerar atritos com setores que defendem uma valorização mais robusta como estratégia para dinamizar a economia e beneficiar principalmente as camadas de renda mais baixa. Ao mesmo tempo, o controle no crescimento do salário mínimo é essencial para conter a expansão das despesas obrigatórias, como os gastos previdenciários, que estão diretamente atrelados ao seu valor", destaca Dias.
Servidores públicos também serão impactados pelo corte, especialmente os que recebem os chamados “supersalários", que excedem o limite constitucional, hoje em R$ 44.008,52. Também estão no pacote corte nos benefícios dados a militares e o Fundo Constitucional do DF, uma verba repassada ao Distrito Federal para ajudar no custeio de saúde, segurança e educação.
O desafio do corte de gastos
O governo mira, com o corte de gastos, as chamadas despesas obrigatórias, aqueles que não podem deixar de ser feitas, como o pagamento de salários e aposentadorias. Por isso, um dos pontos foi o salário mínimo, que impacta exatamente na Previdência.
As medidas têm como intuito garantir que o governo consiga manter as despesas dentro da regra do arcabouço fiscal. Segundo o advogado tributarista Luís Cláudio Yukio Vatari, no entanto, as estimativas do governo podem não se cumprir.
“Apesar dos números apresentados pelo ministro Fernando Haddad, a concretização dos efeitos financeiros ainda é incerta e pode não trazer os ganhos apontando pela equipe econômica. Em verdade, trata-se de valores otimizados que tentam trazer os números muitas vezes irreais”, alerta.
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Por isso, de acordo com ele, o mercado reagiu com desconfiança. Nesta quinta-feira (28), o dólar bateu recorde e fechou a R$ 5,98, e o Ibovespa caiu.
“Isso porque as medidas sugeridas, apesar de numerosas, não seriam suficientes para sanear o fluxo de caixa do governo federal. Nesse mesmo sentido, essas medidas não dão a garantia de que as despesas do governo vão parar de crescer, de forma que o aumento de receita do país pode não permitir o equilíbrio do fluxo de caixa", explica.
Análise pelo Congresso
Além disso, as medidas ainda precisam ser aprovadas no Congresso. A Câmara deve fazer um esforço concentrado a partir da próxima semana para conseguir votar os projetos antes do recesso, que começa em 23 de dezembro.
“Apesar da boa-vontade, é importante destacar que atualmente tramita a regulamentação da Reforma Tributária, que também foi prometida para o corrente ano de 2024. Então, a votação de tantos dispositivos de tamanha importância vai exigir um esforço muito grande em termos políticos", lembra Vatari.
Hulisses Dias também afirma que algumas medidas podem ser questionadas judicialmente. “Em princípio, não parece contrariar a Constituição, mas há pontos que podem ser questionados judicialmente, como mudanças nas regras do salário mínimo ou benefícios previdenciários, especialmente se forem percebidas como lesivas a direitos adquiridos. A avaliação detalhada da constitucionalidade será fundamental para evitar impasses legais", explica.
O especialista também acrescenta que as medidas só servem para conter os gastos temporariamente. Para ser efetiva a longo prazo, será preciso mais mudanças. “Para garantir uma trajetória sustentável da dívida no longo prazo, será indispensável a implementação de reformas estruturais, especialmente na previdência e no funcionalismo público, áreas que concentram despesas obrigatórias crescentes", detalha.
Ampliação da isenção do Imposto de Renda
Para driblar as medidas impopulares, o governo anunciou a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5.000 por mês. A mudança era uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo Hulisses Dias, a isenção trará “um alívio financeiro significativo para milhões de brasileiros, aumentando o poder de compra das famílias de baixa e média renda".
No entanto, ele afirma que a medida vai gerar uma redução nas receitas tributárias do governo. “A compensação desse impacto dependeria do sucesso em implementar outras medidas, como a taxação de rendas mais altas e o corte de despesas", diz.
A solução para equilibrar as contas, segundo o governo, será a taxação de até 10% para pessoas com renda mensal superior a R$ 50 mil. Para Hulisses Dias, a medida é positiva, mas pode enfrentar resistências. “A eficácia dessa compensação dependerá da capacidade do governo de implementar e fiscalizar a nova regra. Além disso, pode haver resistência de setores econômicos mais ricos, o que pode atrasar ou limitar a arrecadação esperada."
*Sob supervisão de Leonardo Meireles