DF chega a 10 mil mortes por Covid com transmissibilidade crescente
Capital conseguiu avançar na vacinação após suspender exigência de agendamento, mas precisa controlar a variante Delta
Brasília|Luiz Calcagno, do R7, em Brasília
O Distrito Federal ultrapassou a marca de 10 mil mortes por Covid-19. Neste sábado (28), o boletim epidemiológico da Secretaria de Saúde do DF indicou 10.007 óbitos em decorrência do coronavírus. Entre eles, 9.142 eram de moradores do DF, 741 de Goiás e 124 de outras unidades da federação. Com números de contaminados em queda desde abril e avanço na vacinação, o DF apresenta um dado preocupante: o índice de transmissibilidade tem apontado crescimento nos últimos dias. O medidor indica como a doença está sendo transmitida entre a população. Em 20 de agosto, estava em 0,95, subiu para 0,96 na última terça (24), 0,98 na quinta (26), e, nesta sexta (27), chegou a 1,01, o que indica avanço da doença entre a população.
Infectologista do Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), unidade de referência no combate à Covid-19 no DF, Ana Helena Germoglio avisa que o aumento do índice representa risco de descontrole. “Se está subindo, não estamos no controle da forma como a gente gostaria. Se estiver descendo, estamos controlando e o número de casos tende a reduzir”, explica. De acordo com a especialista, o medidor apontando “1”, representa uma taxa média em que cada contaminado passa a doença para, pelo menos, uma pessoa.
“É uma taxa média, que olhamos ao longo do tempo. Se está aumentando, a transmissão está aumentando. Claro que pode ter uma pessoa que contamina muito mais. E agora, temos a variante Delta, que tem uma transmissibilidade maior. Mas é uma forma de transformar em números o que temos de transmissão em um determinado local, para termos uma previsão do que pode acontecer”, destaca.
Com 13 anos de trabalho no HRAN, a infectologista destaca que um dos problemas que mais a surpreende ainda é o negacionismo de parte da população no combate à doença. Recentemente, ela se deparou, inclusive, com pacientes graves que se recusaram a vacinar. “Essa semana, atendi um jovem de 21 anos que estava com medo de se vacinar, de tantas notícias que tinha visto. Mas, se ele procurou informação, dá para mudar. Ele quer esclarecer as dúvidas. Mas também recebi um paciente em estado grave que não se vacinou por opção”, recorda.
Para ela, lutar contra pessoas que desacreditam da gravidade da doeça e das medidas de proteção é o mais difícil. “Eles atrapalham a própria vida, e a dos outros, disseminando informações falsas que podem prejudicar muito o desfecho do paciente. Ainda ouvimos pacientes falarem em cloroquina e ivermectina (medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19), ou que não compreendem a importância da vacina”, conta. A recomendação de Ana Helena para o combate à doença é simples. “Vacina, máscara e distanciamento”. Ela destaca que negar a imunização não é uma opção individual, pois a decisão aumenta as chances de contaminação e coloca outras pessoas em risco.
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Vacinação
Segundo dados do GDF, 2.000.268 pessoas se vacinaram com a primeira dose na capital federal; com a segunda dose, 758.738; e com a dose única, 56.082. A capital também começou a vacinar adolescentes de 17 anos e diminuiu o intervalo entre doses das vacinas da AstraZeneca e da Pfizer. Outra iniciativa importante foi o fim do agendamento para a imunização, que garantiu que mais pessoas procurassem os postos de vacinação.
Agora, o governador Ibaneis Rocha (MDB) negocia com o Ministério da Saúde trocar 30 mil doses da Coronavac enviadas para a capital por imunizantes da Pfizer, para dar continuidade à vacinação de jovens de 12 ou mais com comorbidade, e garantir a continuidade da vacinação da faixa etária dos 17 anos. A medida é importante pois a próxima remessa da Pfizer que a capital receberá deverá servir para a dose de reforço de idosos com 80 anos ou mais e pacientes imunossuprimidos.
Ana Helena destaca que o fim do agendamento foi uma das mais importantes medidas. “Um dos princípios básicos do SUS é a equidade. “Não podemos exigir que todos tenham acesso à internet para agendar a vacinação. Era uma questão que mais protelava que auxiliava. A grande melhora da vacinação foi a retirada do agendamento. A população está fazendo a sua parte. Mesmo com os negacionistas, que colocam em dúvida, o brasileiro entende que é necessário vacinar”, avalia a infectologista.
A médica destaca que é importante, agora, que a população pare de “escolher a vacina”. “E se receberem correntes de notícias duvidosas no celular, checar com fontes confiáveis”, recomenda. É importante manter os cuidados, também, por conta da disseminação da variante Delta, que é mais transmissiva que outras versões.
“A gente já sabe que as pessoas que têm essa variante começam a transmitir o vírus muito mais precocemente que quando comparamos com outras variantes. E tem uma carga viral maior. Quer dizer que cerca de quatro dias antes de se tornar sintomático, o paciente já está transmitindo. Isso prejudica o controle da transmissão. E além de estar transmitindo, essa variante faz com que a pessoa tenha uma carga viral maior. Quanto mais vírus eu expelir, mais possibilidade eu tenho de contaminar (outras pessoas)”, completa.
Revolta
Adriano Alves de Moura, 45 anos, era integrante do Corpo de Bombeiros do DF, praticava esportes e não tinha comorbidades. A irmã de Adriano, Adriana Alves de Moura, 50, fala em revolta ao comentar a morte do militar, que deixou dois irmãos, a mulher e duas filhas, em 26 de maio último, depois de lutar dois meses contra a Covid 19. “Ele pegou (o vírus) no quartel, com outros quatro colegas. Tinha preparo físico, fazia academia, nunca teve que fazer cirurgia. Ele gostava de falar que era super-herói. Mas, o super-herói foi embora”, lamenta.
Adriana destaca que o irmão estava na linha de frente, mas costumava se cuidar. Ela acredita que, quando a pandemia arrefecer, e os parentes começarem a se encontrar, “o vazio” deixado pela saudade vai parecer ainda maior. A falta de vacina é outro motivo para atiçar a dor. “Sinto muita revolta. Ele estava na linha de frente. Assim como os idosos, tinha que ter sido vacinado antes. É uma profissão que tem que estar na rua. O contingente não é grande. Acho que houve uma negligência de todas as esferas de poder, e principalmente da federal. É revoltante ele não ter sido vacinado. Nos Estados Unidos, tem vacina pra todo mundo, e morre quem escolheu não tomar. Aqui, não tivemos escolha”, afirma.
A morte de Adriano mudou a família. Além da ausência do “negão”, como era chamado pelos irmãos, a filha mais nova do militar, de 9 anos, foi embora com a mãe para o Maranhão. “A gente está longe. Tentamos nos reestruturar. A mais velha (de 25 anos) mora com a mãe e sente muita falta do pai. Voltamos a trabalhar, estamos tentando seguir a vida. Mas é complicado. Queira ou não, sentimos muita falta do negão. Ele era muito presente. Estávamos afastados, por causa da própria pandemia, e acho que não temos noção de como a gente ainda vai sentir falta. Tem um vazio, que acho que vai ficar pior”, diz.
Ciúmes
Diva Vieira Lopes, 70, também perdeu o amor de sua vida, Moisés Ramos Lopes, morto por Covid-19 em 25 de novembro de 2020. Assim como no caso de Adriano, a morte de Moisés reconfigurou a família. O casal de idosos morava em Caldas Novas (GO), e Diva teve que retornar ao DF depois de perder o marido, com quem foi casada por 30 anos.
Ela não sabe dizer qual dos dois se contaminou primeiro, mas Moisés fez questão de levá-la ao hospital primeiro. Ela ficou internada. A partir daí, a Covid-19 avançou rápido no idoso, que foi hospitalizado, mas teve uma parada cardíaca durante a tentativa de intubação. Internada, ela não pode acompanhar o enterro do amor de sua vida. Questionada a respeito, Diva prefere o silêncio. “Não gosto que fale nisso. É uma tristeza que não quero voltar nela novamente”, revela.
Para Dina, a desinformação espalhada por negacionistas foi um dos fatores determinantes para que o casal acabasse se contaminando. “Faltaram cuidados, informação. Fiquei arrasada com aquela situação. Nós dois acreditávamos que era só uma gripe, que não era grave. Ele falava que só estava com falta de ar, mas já estava com covid. Fomos casados 30 anos. Ele criou meus filhos. São formados por causa dele”, recorda.