Divergências freiam projeto de lei que reduz impostos sobre games
Proposta estava pronta para ser votada no plenário do Senado; no entanto, voltou para análise da Comissão de Assuntos Econômicos
Brasília|Hellen Leite, do R7, em Brasília
O projeto de lei conhecido como Marco Legal dos Games precisou voltar para a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) depois de pressão de parlamentares que querem mudanças no texto. O PL nº 2.796/2021 estava pronto para ser votado no plenário do Senado; no entanto, foi retirado da pauta na terça-feira (15) pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), motivado por divergências no setor. Enquanto há quem defenda a ideia de que a regulamentação pode triplicar os investimentos em games nos próximos anos, alguns especialistas afirmam que a proposta não atende a área de desenvolvimento de jogos.
Em linhas gerais, o projeto regulamenta o setor dos fantasy games e da indústria de desenvolvimento de jogos eletrônicos no Brasil. Com isso, os jogos seriam incluídos nas mesmas regras de tributação dos equipamentos de informática, o que pode reduzir os impostos sobre eles. Ainda segundo o texto do projeto, são considerados jogos eletrônicos aqueles que podem ser executados em computadores e todos os aparatos "em que o usuário controla a ação e interage com a interface".
Com a retirada da pauta, o projeto voltou a ser discutido na reunião de líderes, realizada na quinta-feira (17). Nela, decidiu-se que o PL deveria voltar para a CAE para a análise de quatro emendas apresentadas ao texto. O relatório atualizado, de autoria do senador Irajá Silvestre (PSD-TO), foi protocolado na sexta-feira (18), com a rejeição de todas as sugestões de alteração ao texto.
Segundo a senadora Leila Barros (PDT-DF), é preciso debater mais o trecho do texto que incluiu os fantasy games nas regras do marco legal. Esses jogos são aqueles disputados em ambiente virtual, com a simulação de eventos esportivos reais. Outro ponto polêmico é a definição do que são jogos eletrônicos, para efeito do projeto.
"O texto original tratava especificamente de jogos eletrônicos, mas o texto que foi enviado para o Senado inclui os fantasy games. Trata-se de coisas absolutamente distintas. Os fantasy games se assemelham a uma loteria de apostas, que já está sendo disciplinada por medida provisória [MP 182/2023]. Há também a discordância com a definição dos jogos eletrônicos como meros softwares, desconsiderando sua ligação com o setor audiovisual", disse Leila.
Na mesma linha, Marcelo Mattoso, advogado especialista em mercado de games e e-sports, afirma que o texto ainda precisa ser aperfeiçoado, com a delimitação mais clara do que é o mercado de fatansy games e o que é o setor de desenvolvimento de jogos.
"Existem dois universos distintos sendo discutidos no mesmo projeto, sendo um deles o setor de jogos eletrônicos [games ou videogames para consoles, PC ou mobile] e o setor de fantasy games. Os dois integram a indústria do entretenimento e ambos se baseiam em 'games' para gerar o conteúdo de entretenimento, mas não se correlacionam entre si, possuem públicos-alvo distantes e modelos de monetização completamente diferentes. O Marco Legal dos Games acaba misturando os dois universos e não abarcando nenhum deles de forma plena", afirma.
Segundo ele, a proposta que passou pela CAE tem lacunas, como a forma da fiscalização, punição e boas práticas para o setor. "Um exemplo disso é o texto ter deixado de fora coisas essenciais à indústria, como a diminuição da burocracia para a importação de materiais e serviços, nada fala sobre assistência regional ou federal aos estúdios brasileiros e não propõe ações concretas para ajudar no desenvolvimento do mercado brasileiro", declara.
Outro ponto de tensão no debate gira em torno da pretensão de desenvolvedores de reconhecer os games como bens culturais. Se isso for possível, os jogos eletrônicos poderão se beneficiar da Lei Paulo Gustavo, que destinou R$ 3,8 bilhões a setores da cultura que foram prejudicados pela pandemia, como o cinema, o teatro e a música.
No novo relatório, o senador Irajá explica o motivo de ter rejeitado as emendas. Segundo ele, a definição de jogo eletrônico deve ser ampla o suficiente para contemplar todos os setores da indústria de games, mas com o cuidado de não permitir a inserção de elementos que descaracterizam os jogos eletrônicos.
Sobre a questão dos benefícios e incentivos ao setor, o relator afirma que o PL busca incentivar o fomento da produção nacional de ferramentas e jogos eletrônicos. "Todos os dias surgem novas ferramentas. Inserir norma dessa natureza em lei fará com que o texto, se aprovado, possa logo ficar desatualizado", afirma.
Na avaliação de Rafael Marcondes, especialista em direito desportivo e presidente da Associação Brasileira de Fantasy Sports (ABFS), a regulamentação é essencial para o desenvolvimento dessa indústria. "Acho que houve um desencontro de informações. O texto do projeto não tem a ver com aposta esportiva. Está claro que [fantasy game] é um jogo de habilidade, não um jogo de azar. Mas eu acho que a volta do projeto à CAE vai servir para aparar essas arestas e para encerrar essas questões", afirma.
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Ainda segundo Marcondes, é preciso que a legislação seja clara, mas que permita a edição, por exemplo, de outros decretos e portarias, o que seria uma solução para não engessar o setor.
"Se pleiteia, por exemplo, a inserção de ferramentas que são úteis no desenvolvimento de jogos, para que essas ferramentas, quando importadas, tenham um certo desembaraço facilitado. No entanto, esse é um setor altamente tecnológico. Se você enumera as ferramentas e amanhã surge uma nova ferramenta, aí tem que mudar a lei. Isso não faz sentido para o setor, porque gera um engessamento", afirma.
Atualmente, o mercado movimenta cerca de R$ 60 bilhões por ano no Brasil e pode chegar a R$ 131 bilhões, criando 5.800 empregos até 2026 — essa é a expectativa da ABFS.
Se for aprovado no Senado sem alterações, o Marco Legal dos Games poderá seguir para a sanção presidencial. Em caso de mudanças, ele voltará para a Câmara dos Deputados, que terá a palavra final.